sábado, 28 de janeiro de 2012

FÉRIAS EM CABO FRIO
Há alguns anos, fizemos as malas e fomos passar as férias de janeiro em Cabo Frio. Conseguimos um apartamento bem no centro da cidade, perto da praia do Forte, com toda a mordomia disponível quase na porta de casa: padaria, restaurantes, bares, mercearia, tatuagem, farmácias, enfim, tudo de bom.
O centro de Cabo Frio é muito legal, principalmente à noite, quando os bares ficam lotados, com gente animada cantando até o sol raiar.
Numa manhã, saí para comprar pão, mas fui direto a um tatoo. Eu era doido para ter uma tatuagem e a oportunidade seria aquela. 
Era uma Kombi velha estacionada na praia e o artista tatuador, uma figura saída dos gramados enlameados de Woodstock, cabelo até a cintura, anelado; brincos, colares, chocalhos e tudo mais que tinha direito, com licença para um baseado e outros bichos. Tatuado da cabeça aos pés. Pensei: este é dos bons!
Primeira pergunta do artista: “Você quer escolher um dos meus desenhos ou já tem alguma ideia na cabeça?”. Na verdade, não havia pensado em nada. Resolvi, na hora, eu mesmo desenhar, pois não queria nenhuma semelhança com aquelas de marinheiros, com âncoras, garrafas, mulheres nuas. Nada de extravagância. Desenhei então, no meu entender, a melhor representação da liberdade: um pássaro, como uma gaivota, em pleno voo, a observar a plebe rude lá em baixo. Ficou bacana! Ele a reproduziu com maestria no meu ombro.
No entanto, quando, duas horas depois, voltava para casa sem o pão fiquei sem saber como explicar para a minha mulher e aos meus filhos o que tinha dado na minha cabeça. Ah! – pensei - não tem nada de mais uma tatuagenzinha no ombro. Mas, para não assustar a família, falei que a era uma tatuagem de verão ou transfer, como era conhecida, e que sairia no fim da temporada. É que, àquela época, os tranfers estavam no auge.
Ontem mesmo conferi meu ombro e achei que a gaivota está precisando de uma revitalizada.
Belo Horizonte, 25 de janeiro de 2012.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
‎"Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o bastante para uma palavra me ressuscitar”. Bartolomeu Campos de Queirós
Eis aí o Frederico, a Iara e a Adriana, gozando merecidas
férias em Cabo Frio. Que maravilha!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

UMA DATA DE ESTRELAS

Numa noite, nos anos 1960, entramos no Bottle`s, no Rio, para conhecer um grupo de bossanovistas que estavam se apresentando, mostrando arranjos dissonantes, novas composições, músicos de vários instrumentos e cantores variados, enfim, uma babilônia musical.
Sentei-me num canto com meu compadre João Stamato, enquanto o Bodinho foi arrumar um lugar para estacionar o carro nas redondezas. Ele havia nos convidado para um final de semana na praia, com o carro do irmão. Era um DKW Vemag  novinho, cor bege, ainda cheirando à fábrica. Como o João e eu estávamos sempre disponíveis, apesar das aulas de Medicina para ele e de Direito para mim e para o Bodinho, topamos enforcar a segunda-feira para um fim de semana musical e que ficaria inesquecível. Já detínhamos a informação sobre as canjas que os músicos e cantores davam no Bottle`s, todo fim de semana.
Naquela primeira noite estavam por lá uma menina gaúcha que cantava e gesticulava muito e ninguém conhecia direito, e um conjunto, ou melhor, um trio, que ficamos sabendo, formado pelos músicos Luiz Eça, ao piano - disseram, com rigorosa formação clássica -, no contrabaixo um tal de Bebeto, também bom cantor, e na bateria o Élcio Milito. Estava nascendo ali o extraordinário Tamba Trio. A turma era da pesada. E a menina, chamada Elis Regina, encantou a nossa primeira noite carioca com sua belíssima voz, afinadérrima e simpatissíssima. Tudo no aumentativo pleno, sim. Ela era tudo. Ficamos babando a noite toda. Com a cantora e com os músicos.
Para a noite seguinte anunciaram outro grupo, então chegado de uma excursão pelo interior do estado de São Paulo para o lançamento de uma nova linha da Rhodia. Eram o pianista Sérgio Mendes, de Niteroi; Sebastião Neto no baixo e Edson Machado na bateria e a cantora, Nara Leão, que já havíamos conhecido naquela mesma excursão, quando passaram por Ribeirão Preto, onde morávamos.
Tudo era demais para nós! Com certeza, foi o melhor final de semana de nossas vidas, sob o ponto de vista musical. Até cheguei a tocar violão nos intervalos, com muita coragem e uma cara de pau cheia de whisky.
Saímos do Bottle`s pela manhã ainda meio escura e nos sentamos na praia para esperar o Bodinho, que fora buscar o carro do irmão. Ficamos filosofando, o João e eu, sobre a maravilha que é viver e como gostaríamos de nos engajar naquela turma de músicos excepcionais, largando pra lá a Medicina e o Direito e só viver cantando. Vale dizer que o João era um excelente pianista amador e o Bodinho meu aluno de violão.
Ficamos ali voando até aparecer na Avenida Atlântica um carro com a buzina disparada e um dos faróis olhando pra cima. O Bodinho tinha batido o carro do irmão...
Essas recordações são oportunas nesta data, 19 de janeiro de 2012, quando a mídia relembra e lamenta, o tempo todo, a morte da esplendorosa Elis Regina, em 1982. Curiosamente, vi no jornal que no dia 19 de janeiro de 1942 nasceu Nara Leão e um ano depois, a roqueira americana Janis Joplin. Uma data que lembra estrelas vindo e estrelas indo. Seria uma trama dos astros?
Em Belo Horizonte, 19 de janeiro de 2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Penso que não existe jeito de ser triste com o barulho do oceano. Fabrício Carpinejar

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A MÁQUINA DA INOCÊNCIA

Como Primeiro Tenente Médico do Exército Brasileiro, único médico de um batalhão de 3.000 homens, em Ijuí, no Rio Grande do Sul, o papai se apresentava, a cavalo e bem cedo, no quartel, enquanto a mamãe costurava. Ao seu lado, a Lúcia e eu brincávamos separando as linhas e retroses, botões e carretilhas nas gavetas da máquina de costura Singer que a vovó Augusta havia dado para a mamãe quando ela se casou. Novos brinquedos velhos.
Essa máquina preta marcou a nossa vida. Novinha, instalada sobre um gabinete de madeira, também escura, com duas gavetas de cada lado e uma pedaleira no meio que a fazia rodar, embalou os nossos sonhos de crianças simples e sem brinquedos. Lembro-me muito de ver os pezinhos da mamãe, tocando a pedaleira, pois a Lúcia e eu brincávamos no chão, ao lado dela.
Esse sistema foi substituído, muito tempo depois, por um motorzinho elétrico que ficava acoplado na manivela da máquina, que a fazia rodar para costurar com os diversos pontos que eram substituídos, a gosto da costureira, para dar acabamento aos seus trabalhos. Essa máquina, relíquia familiar, creio, está com a minha sobrinha Maria Lúcia, que deve guardá-la com o carinho que merece.
Àqueles brinquedinhos improvisados com as sucatas das gavetas, com o tempo, outros foram sendo incorporados como lápis, apontadores, borrachas, canetas tinteiro e esferográficas, à medida que tais modernidades iam sendo introduzidas às nossas vidas. Em São Paulo, por exemplo, já montávamos os fortes do faroeste americano, que conhecíamos através dos filmes exibidos no cinema, e os castelos medievais, que imaginávamos através dos livros de histórias do Grupo Escolar com ilustrações muito sugestivas sobre essas construções de pedra onde os lordes se abrigavam e os heróis, que lutavam contra a burguesia abastada, se escondiam. Robin Hood, o nosso herói, virou uma caneta tinteiro. O frei Tucker, uma caixinha de giz, e os lápis de cores enfileirados como os arqueiros do exército Brancaleone. Já os inimigos atacavam com uma guarnição de botões de todos os tamanhos, canhões de retroses e carroças de carretéis que, com suas diferentes cores, formavam as diversas divisões de infantaria e artilharia. Eles marchavam sobre o castelo montado de caixotes e caixas de papelão que recolhíamos nas feiras-livres da Rua Oscar Freire. A Lúcia, com sua imaginação fertilíssima, improvisava verdadeiras histórias medievais com fundo musical e tudo, criando um clima de batalha alegre e descontraído. Até com a guerra ela brincava, pois nossos soldados não se matavam e sempre se confraternizavam numa grande festa de lápis e botões abraçados e dançando juntos. Era uma grande farra e ríamos muito das nossas batalhas.
Na sala ou nos pequenos quartos do apartamento da Teodoro Sampaio - onde estivesse instalada a máquina Singer -, a nossa brincadeira durava dias, semanas e meses. A mamãe costurava e a gente brincava.
Belo Horizonte, janeiro/2012

Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo.George Santayana (1863-1952)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

BEM-VINDO 2012

Os que acompanham meus escritos neste blog devem ter notado que postei, no dia 1º, apenas um poema sobre a Serra do Curral. Mas, não quero deixar só nisto. Quero que o tal poema seja uma especial provocação ao maestro Célio Andrade Jr. para que componha uma melodia e que, inspirados nessa música, possamos evocar a proteção e os bons fluidos da Serra que nos abriga e protege, neste delicioso Curral Del-Rey.
Existe um sentimento na minha alma que aflora toda vez que eu volto a Belo Horizonte após alguma viagem por aqui ou alhures. Logo que atravesso o maciço da Serra ou de carro ou de avião,  quiçá de navio e até em sonhos, é aí que sinto que cheguei realmente na minha casa. É uma sensação de “adentrar pelos umbrais do meu lar” (A norma culta é outra coisa, não?). E é assim que quero me sentir neste novo ano, acolhido e protegido pela Serra do Curral.
Percebo ainda que, entra ano e sai ano, a gente fica com aquela sensação de que ainda não fez de tudo. Que não falou tudo o que queria ou deveria, que não cantou todas as músicas de que gosta, que não ouviu o que precisava ouvir, que não andou por onde falta andar e que deixou passar alguma coisa que não deveria ter deixado passar. E neste 2012, não quero deixar nada para trás. A começar pela música, minha vida e meu encanto. Quero compor ao máximo. Quero até escrever um livro. Quero cantar todo dia. Quero beber - por que não? - muitas cervejas e muitos vinhos. Quero comer de tudo o que me for oferecido. Quero abraçar e beijar, quero ser abraçado e beijado, quero sentir falta e ser desejado, quero correr e ficar parado, quero pular e me deitar, quero me ajoelhar e rezar, quero amar e ser amado, enfim, quero tudo, tudo, tudo...
Em Belo Horizonte, quatro de janeiro de dois mil e doze.
Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir passar o vento, vale a pena ter nascido. Fernando Pessoa

domingo, 1 de janeiro de 2012

SOBRE A SERRA DO CURRAL


Montanha verde
Montanha azul
Montanha de Minas
Montanha do sul

Sul da vida
Sul da lida
Sul da alegria
Sul do destino sem norte

Norte do amor
Norte da pedra
Norte do fogo
Norte da água no leste

Leste do canto
Leste do espanto
Leste do pranto
Leste da mágoa ou do oeste

Oeste de tudo
Oeste do mundo
Oeste do fruto
Oeste do fundo das montanhas

Montanhas de Minas
Montanhas verdes
Montanhas azuis
Montanhas de mim.




RHB – 07/2000