Uma das melhores fases da nossa vida, posso dizer, dos meninos e minha, foi quando resolvi ensinar ao Pedro e ao Frederico a dirigir.
Morávamos na Raja Gabaglia e saíamos aos domingos pela manhã em direção ao Bairro Buritis, inóspito naquele tempo. Existiam somente duas casas que estão lá até hoje, uma na subida da Av. Mário Werneck e a outra no final de uma rua que chamávamos de lisinha, pois era totalmente plana.
Até o bairro eu ia guiando para não sofrermos a angústia de sermos presos numa blitz. E lá, cada um por sua vez, subíamos e descíamos aquelas ladeiras, parávamos no único sinal do bairro para aprender a arrancar, fazíamos balizas com os restos das tábuas das construções já em andamento, enfim, era um aprendizado metódico, com tudo que mandava a lei da AUTO ESCOLA BRANDÃO.
Lembro-me de que na época eu tinha um Mercedes 250 branco, 1969, quatro portas, uma beleza, mas os meninos achavam muito careta. Argumentavam: Este carro é muito antigo, pai, e muito difícil de guiar. É grande, tem o câmbio no volante, parece que somos os seus motoristas levando o velho pra passear. Por favor, pai, compre um carro mais moderno, de jovem, mais novo. Você vai gostar, temos certeza!
Concordei com eles, pois a curtição era só minha e resolvi atendê-los.
R a d i c a l m e n t e. Vendi o carrão e comprei um Escort XR3, azul metálico, conversível. Um carro de boy, com certeza, e os meus cabelos já começavam a esbranquiçar nas têmporas. Só queria ver a cara deles... que pularam de alegria.
Assim, uns meses depois, levávamos três carros para o Buritis, o da Carminha, um FIAT Prêmio prata, novo, o meu Escort e mais um FIAT Oggi branquinho muito legal que havia comprado pra eles! Era um programão para a manhã de domingo. Conversávamos muito, eu sabia das novidades da semana deles no Loyola, contava algum fato interessante do meu trabalho e, depois da choferagem, parávamos num posto de gasolina no Bairro São Bento, no alto da Raja, para lavar os carros. Lembro-me com muita saudade dessa ótima convivência com os rapazes, o Pedro, 17 e o Frederico, 16.
Nossos momentos juntos eram tão bons, que passei a convidá-los, também, para um bate papo, regado a chope, nas manhãs de sábado.
Naquela atribulada vida de funcionário público, aspirante a empresário de propaganda, sem tempo pra nada, havia conseguido um tempinho para conviver com eles. Assim, aos sábados e domingos, pela manhã, desfrutava da adorável companhia dos dois.
Havia um bar na Rua Alagoas, o Trianon, onde gostávamos muito de ir, pois serviam, além de “um chopes” bem tirado,- eu não perco o sotaque paulista,- serviam uns tira-gostos excelentes. Tomávamos alguns, eu na tirada tipo carioca, meio escuro/meio claro, comíamos e conversávamos bastante. Nesta época cheguei até a criar um Beer blend RB, que mistura 2/3 da cerveja Antarctica Sub-Zero e 1/3 da cerveja escura Xingu. Adotei esta fórmula que recomendo para os cervejeiros. É o drinque oficial da Toca.
E numa daquelas tardes, parece que a gente vai ficando mais confiante e com isto meio abusado, falei com o Pedro: Pedrão, você vai guiando pra casa que eu quero ver como é a sua performance na rua, com um trânsito normal.
Na época nem se cogitava sobre os bafômetros...
Saímos lépidos do botequim, capota aberta, cabelos ao vento, demos uma volta e subimos a Av. Álvares Cabral em direção à Raja. No creo em brujas, pero...
No último quarteirão da Avenida com Olegário Maciel, uma blitz enorme. Gritei: Pedro, troque comigo de lugar que eu vou tentar um truque. Abri a porta do carro e fui mexer em alguma coisa no porta-malas pra ganhar tempo pra pensar, enquanto o Pedro passava para o banco ao lado do motorista. Fiquei mexendo no porta-malas, o inspetor aproximou-se e falou: Eu vi que não era o senhor que estava guiando, era o menino. Ele tem carteira? Disse que não e ele pediu a minha e os documentos do carro. Não adiantava inventar nada. Calmamente, ele pediu que o acompanhássemos até o ônibus. O Frederico foi junto. Assentamo-nos, já presos, e ainda tentei argumentar: “Inspetor, eu sou advogado, funcionário do Governo, tinha tomado umas e pedi ao meu filho pra levar o carro, ele guia bem,” etc. e tal. Ele falou sem olhar pra mim: Estou vendo que o senhor é gente boa, mas tá errado. Olha só, quando o senhor tirou a carteira de motorista eu nem tinha nascido! O senhor não devia ter feito isto: foi barba, cabelo e bigode. Eu vou multar, recolher sua habilitação e guinchar o carro.
Arrasados, estávamos nos preparando para descer do ônibus quando apareceu a Carminha na porta e perguntou: O que vocês estão fazendo aí?
Com aquela cara de cachorro que caiu do caminhão de mudanças falei ao inspetor que aquela era a minha mulher e perguntei se ela poderia levar o carro, tal e coisa e coisa e tal. A contra gosto ele concordou, nos devolveu o documento do Escort e fomos embora.
Ficamos tão sem graça e humildes que resolvemos fechar a capota do Escort.
A Carminha, então, contou-nos que ela estava voltando para casa a pé e que nos viu dentro do ônibus com aquela cara de infratores arrependidos.
Assim, escapamos por um triz...
Belo Horizonte, fevereiro/2012
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Mais emocionante que a tristeza de um passado é sua alegria perdida. Arnaldo Jabor