sábado, 23 de novembro de 2013

                                          Ponte Vecchio - FIRENZE - Foto Google


POLLO A LA FIORENTINA
Eram
seis e meia da tarde e andávamos numa estreita rua de Florença, na Itália, já com  fome e muita vontade de tomar um bom vinho. Havia notado um tremorzinho em minhas mãos que, com certeza, não era de frio, pois usava luvas e o clima era bem agradável. Na Itália, como de resto em todo o mundo, o outono é a melhor estação do ano e um convite às comidas e bebidas.
Havíamos chegado de Roma, via Pisa, pelo trem das quatro, onde paramos para conhecer a famosa torre e o Monastério, ao seu lado, que é uma magnífica construção medieval, perfeitamente restaurada. A fim de poupar minha coluna lombar, já defeituosa, subi somente até o terceiro pavimento da Torre, suficiente para ter uma ótima visão daquele belo e simples sítio turístico.

Naquela caminhada, topamos com uma cantina bem aconchegante com salames e queijos do teto até as mesas, toalhas quadriculadas de vermelho e branco, i tutti buona genti fartando-se com todas as iguarias disponíveis, muito vinho e alegria. Era o que queríamos.
Sentamo-nos numa mesa bem próxima da janela para apreciarmos a movimentação de dentro e de fora do restaurante pois, lá, as ruas vivem cheias de gente de todas as cores, credos e nacionalidades. Bandos de japoneses - cada um com sua máquina fotográfica - em fila com a matriarca à frente; enormes alemães, corados e exuberantes; ingleses discretos e observadores; franceses atentos e curiosos; americanos falantes, indianos desconfiados e nós, sul-americanos, todos deslumbrados com a exuberância arquitetônica de uma das cidades mais lindas e agradáveis do mundo. A vida em Florença é uma festa sem fim.
No cardápio, um prato típico da terra: Pollo a la Fiorentina. Comentei com o Ronald: “É hora de conhecermos a receita”. Pedimos, então, ao garçom que nos desse as dicas do prato. Gentilmente, ele nos convidou a chegar até a cozinha para conhecer todos os detalhes da confecção do pollo. Os italianos, gentilíssimos e professorais, sentem enorme prazer em fazer um obséquio. Na cozinha exalava um forte e delicioso cheiro de parmesão misturado com orégano, molho de tomate e manjericão que, al fine, é o próprio cheiro da Itália. Serviram-nos um excelente Chianti e, de gole em gole, fomos acompanhando a feitura do prato.
O Chef, exuberante, colocou pedaços fartos de peito de frango temperados com alho e sal para marinar no leite, reservou e aconselhou: Piu tempo infuso, meglio. Buscou os que já estavam preparados há umas duas horas e os cozinhou no próprio leite, até ficarem bem macios. Numa vasilha branca para servir direto na mesa, virou os pedaços de frango e, sobre eles, salpicou aipo picado em pedaços médios, uns raminhos de alecrim e creme de leite, até cobrir. E, sério como se estivesse passando um segredo de estado, polvilhou a mistura com bastante queijo parmesão ralado e colocou para gratinar. Serviu-nos lá na cozinha mesmo, bem quente. Acompanhou o prato um arroz branco, misturado com arroz selvagem. O Chef observou: Il vino no cambia. Estava, mesmo, perfeitamente harmonizado.
Voltamos a pé para o hotel comentando sobre o belíssimo passeio e a excelente refeição.
Em Belo Horizonte, somente no Buona Távola repetimos um Pollo tão saboroso como aquele.
Roberto H. Brandão – março/2006

 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Aquele que trabalha com as mãos é um operário.
Aquele que trabalha com as mãos e com a cabeça é um artesão.
Aquele que trabalha com as mãos, com a cabeça e com o coração é um artista.
São Francisco de Assis

 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

                                                        O MINUANO
Numa manhã chuvosa como esta de hoje, em Belo Horizonte, lembrei-me de uma situação de risco que a Lúcia, minha irmã, e eu corremos em Porto Alegre, nos idos de 1946. Como sempre, brincávamos muito nas ruas e naquele dia saímos do prédio onde morávamos para jogar bola com um amiguinho, em frente à nossa casa.
De repente, despencou uma tempestade terrível, com ventos e raios. Ficamos apavorados e rumamos velozmente para casa, mas o nosso amigo, cujo nome me esqueci, resolveu buscar a bola que havia rolado pela rua e estava bem longe, talvez, a um quarteirão de onde brincávamos.
Gritamos para ele esquecer a bola, voltar conosco e esperar a chuva melhorar um pouco, e ele nada. O gauchinho era valente. Não se intimidou, continuou correndo atrás da bola até que uma lufada de vento, ao som estrondoso de um trovão, o levantou no ar e sumiu com ele. A Lúcia e eu gritamos em uníssono: “Mamãe, socorro! O fulano sumiu, o vento o levou, saiu voando agarrado na bola e desapareceu”. E a água caindo impiedosamente.
Mamãe já vinha descendo a escada, aflita, procurando por nós e ficou estupefata quando lhe contamos do sumiço dele. “Vamos já pra dentro”, disse ela. Entramos no prédio, ensopados, tremendo de frio e de pavor com o que havia acontecido. Coitadinho do fulano, pra onde ele foi? O que vai acontecer com ele?
Nada podíamos fazer. Nem a mamãe, nem a polícia, nem os bombeiros. Ninguém. Passamos o resto da tarde muito cabreiros, sem trocar palavra, até com medo de tocar no assunto.
Papai chegou do quartel e, enquanto desafivelava o talabarte e desvestia a farda, contamos-lhe o ocorrido. Ele olhou para nós e, calmamente, como sempre, disse:
“Não se preocupem não, é o vento Minuano, daqui a pouco eles o encontram”. Nem se abalou e continuou descalçando as botas.
E não deu outra. No dia seguinte o gauchinho apareceu lá em casa com a mãe dele, para contar como havia virado um pássaro sem querer e que havia sido encontrado a uns dois quarteirões do lugar onde estávamos, desmaiado, ensopado e agarrado à bola.
Na verdade, nem ele nem a mãe haviam entendido nada do que acontecera. Ele se lembrava, somente, de que havia subido aos céus e que fora encontrado no meio da rua pelos vizinhos.
Mas a Lúcia e eu o vimos desaparecer.
Belo Horizonte, outubro de 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
  
“As repúblicas acabam pelo luxo, as monarquias pela pobreza.”
(Montesquieu – 1689-1755)
                                  
 

domingo, 10 de novembro de 2013

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PETRIKA E SPINELLI

Na década de 1950, foram inauguradas em São Paulo duas fábricas de sapatos que passaram a oferecer modelos sob medida das suas criações.

A Petrika, de origem grega, mostrava uma linha mais formal, em couro alemão, sapatos sociais na maioria pretos, chiquérrimos mesmo, e a Altemio Spinelli, que apresentava uma linha mais descontraída, baseada nos lindos modelos dos lançamentos italianos. Ela ainda está lá na Rua Oscar Freire, quase esquina de Augusta. O meu amigo Eloy deve se lembrar dessas marcas.

A italiana Spinelli era a minha preferida. E eles duram tanto que ainda tenho dois pares em boas condições de uso, comprados naquela época. Lembro-me, inclusive, de uma bota de cano curto, em desenho inglês tipo Oxford, que levou muitas meias-solas até não suportar mais as costuras e ir pro brejo.

Na nossa turma lá da Rua Arruda Alvim havia os que preferiam os Petrikas - caso do Estácio -, e nós outros que preferíamos os italianos Spinelli. Entusiasmado, ele juntou umas economias e comprou o sapato grego bem estiloso, meias de seda e viajou conosco para a Cidade Ocean, condomínio recém-inaugurado na Praia Grande. O pai do Renato “magro”, também da turma, tinha lá um apartamento para onde íamos, invariavelmente, todo fim de semana. O Renato, eu e o meu violão éramos fixos; os outros da turma se revezavam. E, naquele feriado prolongado, o Estácio era um deles, que não desgrudava do sapato novo nem para ir à praia.

Todos os banhistas descalços ou com sandálias e ele desfilando com o seu Petrika, muito bem engraxado, calçado sobre meias pretas. Acabou virando uma figura folclórica durante aquelas férias.

À noite, quando arrumávamos companhia, promovíamos uns banhos noturnos, tipo Adão e Eva. Numa daquelas noites, o Estácio já bem animado com umas canas descalçou a preciosidade e mergulhou no mar, deixando-a junto com as roupas na areia. Nadou a se fartar e quando saiu do mar para se vestir, os sapatos haviam sumido. Ficou doido, baratinado. Começou a correr de um lado pro outro, gritando: “Fui roubado, pegaram meus sapatos, me ajudem, por favor. Meus sapatos custaram uma fortuna. Chamem a polícia, tem ladrão na praia. Imploro que me ajudem!”

E assim, pelado, ele saiu correndo e berrando, Cidade Ocean adentro. Na rua central, onde ficam todos os prédios, as janelas foram-se abrindo e nós, de longe, morrendo de rir do desespero dele pedindo ajuda para descobrir o ladrão de sapatos pedidndo o....omias nelli.  a de semana.os os prtro, nu  em pelo e gritando: pegaram .

e o Renato Magro tinha um aprtamento. .  Já esgotado, cabisbaixo e triste, voltou vaiado por alguns turistas nas janelas e chegou até às roupas, que vestiu e quase chorando desistiu da gritaria.

Daquele dia em diante, passou a conferir os calçados de todos os hóspedes do belo balneário à beira-mar, mas nunca mais viu o par de Petrikas.

Na gozação, sugerimos a ele que fizesse, toda manhã, um plantão no Mercado dos Peixes para verificar nos pés grossos, cascudos e rachados dos pescadores se havia algum andando desengonçado com os finíssimos sapatos pretos.

Belo Horizonte, outubro/2013.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

 

As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o
presente e encaram o futuro sem medo. Epicuro

 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


A MÃE RAPTADA

Com um mal-estar súbito, a mãe deles foi internada num ótimo hospital onde conheciam o diretor-clínico. Com esta facilidade, conseguiram a internação sem maiores burocracias, pois uma vaga hospitalar em Belo Horizonte, na época, era coisa raríssima.  A senhora foi muito bem assistida, exames clínicos e laboratoriais imediatamente aplicados e o diagnóstico: pneumonia tripla.

O velho diretor aconselhou aos rapazes: Não se preocupem, vai ficar tudo bem aqui no hospital. Repouso obrigatório, alimentação balanceada e medicação correta, com uns dez dias ela terá alta. Os dois irmãos ficaram mais ou menos calmos porque o Natal estava chegando e seria uma lástima não ter a mãe em casa para as comemorações. Era ela quem preparava tudo: a ceia, as brincadeiras com os presentes, regia a cantoria, enfim, era a figura central e mais importante na modesta casa na Floresta. Mas ela vai ficar sozinha?- perguntaram.

O plano dela não autorizava um acompanhante e, conformados, os filhos foram embora. Saíram pensativos, se entreolhando e maquinando alguma ideia para raptar a mãe e levá-la para casa a tempo do Natal. Não deu outra. Marcaram para o dia seguinte, depois das oito da noite na porta do fundo do hospital, os dois de branco. Encontraram-se como o combinado e formularam o rapto.

Marcaram para o dia seguinte, depois das oito da noite, usando a porta dos fundos do hospital e ambos vestidos de branco. Entramos pelo estacionamento, que nessa hora está vazio, pegamos uma cadeira de rodas - há muitas na porta de trás do hospital -, subimos pelo elevador de macas e, sem dar satisfação a ninguém, vamos até o quarto, colocamos a velha na cadeira e nos mandamos. Tudo bem.

O plano saiu perfeito só que ao chegarem à saída dos fundos caiu uma tremenda chuva. E agora, a velha tá com pneumonia, como fazemos? Já que viemos até aqui, vamos levá-la de qualquer maneira, com pneumonia tripla e tudo. Assim, a mãe ensopada foi acomodada no carro, e a cadeira de rodas foi abandonada no passeio. Rindo muito do sucesso do mal-feito, eles se mandaram para casa. Lá, acomodaram a mãe na cama com todo cuidado e foram pitar um cigarrinho no quintal. A chuva já havia passado. Nisto, o diretor do hospital telefona comunicando o sumiço da paciente - coisa que nunca acontecera naquele hospital -, e informando que já haviam tomado todas as providências, enfim, que não se preocupassem, pois logo  tudo estaria resolvido etc., etc. O do telefone falou: Não se preocupe não, doutor, mamãe está conosco aqui em casa e até foi à padaria comprar uns pães pra servir com um cafezinho. O senhor aceita?

Belo Horizonte, outubro/2103.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

No mundo da mulher poucas naufragam de noite, muitas, ao amanhecer


Antonio Machado