domingo, 29 de dezembro de 2013


ALDEIA GLOBAL
No princípio foi um susto. Depois, fui me acostumando e comecei a vasculhar nas minhas coisas para ver se encontrava algo relacionado àquela época e que pudesse reavivar as adoráveis lembranças de uma viagem aos Estados Unidos, em 1965, patrocinada pelo programa Experiment in International Living.
O programa oferecia passagens de ida e volta e estadia em casas de família, cujo titular, profissional estabelecido, abria uma vaga no seu escritório/consultório para o estudante que se classificasse, a fim de cumprir um estágio que seria validado como regulamentar para o encerramento do curso. As vagas, oito, eram abertas somente para estudantes que estivessem cursando o último ano em suas faculdades e, naquele ano, eram oferecidas, somente, para o estado de São Paulo.
Preparei-me para a entrevista, que seria realizada nas dependências de um curso de inglês, em Campinas. De ônibus, me mandei pra lá.  No horário aprazado, apresentaram-se 62 estudantes, inclusive dois amigos meus de Ribeirão Preto, onde morávamos - o Ronaldo e o Manoel, estudantes de Medicina - e eu, da faculdade de Direito. Fizemos as provas e entrevistas e nós três fomos classificados.
Em janeiro de 1965, viajamos para Highland Park, cidade da Região Metropolitana de Chicago, Ill, nos Estados Unidos, onde fomos recebidos no aeroporto pelas famílias que nos acolheriam.
Ainda faziam parte do grupo cinco estudantes de outras escolas paulistas, sob o comando do também estudante Renato Craide Cury, escolhido devido à sua vasta experiência em intercâmbios estudantis como líder de grupos.
Na pequena cidade viramos a atração da temporada e nos enturmamos com os estudantes locais - alguns filhos dos casais onde estávamos hospedados - e fomos formando um grupo que se encontrava para diversos programas em Chicago: churrascos, passeios e atrações como teatro, cinema, música, galerias etc.
Quanto ao susto, refiro-me à aparição no Facebook de uma amiga daquele tempo, Judith Koenigsberg - a Judy, da qual não tinha notícia há 48 anos -, solicitando minha amizade.
Foi uma surpresa e tanto e aqui vale uma divagação! O mundo virou mesmo aquela aldeia global sugerida, em 1964, pelo filósofo canadense Marshal McLuhan, no livro Understanding Media, traduzido para o português como Os meios de Comunicação. Como poderíamos supor naquela época que um de nós, quarenta e oito anos depois, através de um programa de computador, pudesse localizar alguém completamente desconhecido, digo, sem nenhuma notoriedade, no interior do Brasil, com quem nunca mais se relacionou ou teve qualquer notícia? Aquela menina, hoje uma senhora, me contou que viu minha foto no Facebook, tocando violão, e lembrou-se de mim naquela época, cantando bossa nova, em Highland Park. Que loucura! E hoje, estamos nos entendendo como se fôssemos vizinhos e em contato pela vida toda.
Et vive la comunication!
Belo Horizonte, dezembro 2013

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida necessita de ilusões ...
Então, para viver, necessitamos da arte a cada momento.
F. Nietzche

                                         Judith, a filha Laurie, o genro e netos.
 

 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Ijuí, 1945
Numa manhã Lúcia e eu acordamos loucos pra pegar nossos velocípedes e correr pelo quintal da casinha que morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Passamos pela cozinha e a mamãe lá estava coando o café para o papai tomar e ir para o quartel bem alimentado: café com pão e manteiga, e um copo de leite. Enquanto ela preparava a mesa, ele vestia a farda com todos os seus botões e talabartes, para ajudar na montaria no cavalo Guri, um Pecheron que o Exército Brasileiro adotara para os Regimentos de Cavalaria. Era um cavalo branco, grande, muito fogoso, inteiro. A raça, de origem francesa, lhe atribuía características bem próprias para o serviço militar: macio de sela, muito forte e resistente e com boa tração. O Guri era um belo exemplar!
Naquela vidinha simples, o padeiro deixava na porta de cada casa na Vila do quartel, uma ração de pães para o dia - um pãozinho para cada morador, e um litro de leite, que vinha naquelas garrafas típicas. Mamãe mantinha uma pequena horta com alfaces, espinafres, couve, salsinha, cebolinha e tomates. Assim, nossas refeições eram simples e saudáveis, com arroz, feijão, frango e ovo do próprio galinheiro, complementadas com as folhas. O cardápio era único, variando, de vez em quando, com batatas fritas, cozidas ou puré, e muito raro, raríssimo mesmo, um bife frito. Curioso, não me lembro de comer macarrão naquela época.
Naquele dia, saímos de casa atrás dos velocípedes e não os encontramos. Voltamos desapontados e murchos, quando o papai falou: “Os ciganos devem ter roubado os velocípedes. Quando eu cheguei, ontem à noite, eles estavam começando a armar o acampamento ali no campo de futebol.” 
Quando o papai saiu, furiosos e curiosos, demos as mãos para a mamãe e fomos até o quintal para dar uma olhada no acampamento. Vizinho ao muro de fundo do nosso quintal havia um campo gramado onde a soldadesca jogava futebol nos fins de semana.
Naquele dia, havia lá um bando de umas mil pessoas, com duas barracas enormes em volta de uma tenda, onde havia dois fogões, com a lenha espalhada por todo canto. Parecia um hotel rústico. Numa das barracas dormiam os homens solteiros, e na outra, as donzelas, rodeados por diversas barraquinhas, onde ficavam os casais com os filhos menores. E a lenha servia, ainda, para as grandes fogueiras noturnas, pois o frio era bravo. Banheiros não havia. De acordo com a lenda, as necessidades eram feitas no espesso mato ao redor. “E o banho, mamãe?” perguntou a Lúcia. “Ah, minha filha, eles devem se lavar naquele rio que passa lá do lado do quartel do seu pai.”
De longe, fomos vasculhando com os olhos para todo canto e não vimos os velocípedes. Eles haviam sumido para nunca mais.
Belo Horizonte, dezembro, 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. Abraham Lincoln, 1809-1865
 
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Jandira e tia Marina
MAMÃO CURIOSO
Depois que minha mãe se foi, há mais de cinco anos, faço uma visitinha à minha tia Marina, irmã dela, todos os domingos, no bairro da Serra. A desculpa é tomar um café coado na hora e comer um bolo especial assado pela Jandira, que está com ela desde 1962. Haja tempo!
Nessas visitas dominicais, a cada dia conheço um acontecimento novo sobre a vida dela, um episódio interessante da sua vida de solteira ou quando casada com o Dr. Nelson Emiliano Orsini, odontólogo, exímio violonista de sambas, boleros, guarânias, marchas e qualquer outro ritmo que se lhe pedissem.
Muito bem-humorado, brincalhão e amante da vida, ele mesmo havia se apelidado de Nirsinho de Brito, casado, brasileiro, dentista, cachaceiro, futebol clube. Um tremendo gozador, que acompanhou grandes cantores e compositores brasileiros como Sílvio Caldas, Jorge Goulart, Noel Rosa e muitos outros, na então novata Rádio Inconfidência.  
Tia Marina, 96, e Jandira, 84, não esquecem nada quando narram  as peripécias dele. E contam com todos os detalhes. É uma viagem no tempo e na história de Belo Horizonte que torna essas manhãs muito agradáveis.
No outro dia, por exemplo, me presentearam com um mamão quase maduro que – disseram - havia nascido na parede da escada para o barracão.
“Como?” - perguntei.
“Venha cá que você vai comprovar com seus próprios olhos” - comentaram as duas em uníssono. Puxaram-me pela mão e lá fomos nós ver o mamão nascido no concreto. Fiquei estupefato. No entroncamento do degrau da escada com o chão de cimento, no meio da parede, lá estava o pé de mamão forte e exuberante que florescia uma safra de uns seis frutos saudáveis e vigorosos. Veja nas fotos a origem e a fartura da safra. Ofertaram-me o mais maduro.
Tia Marina explicou: “Nasceu uma plantinha ali no canto e deixamos crescer pra ver o que era. Aguávamos todo dia como todas as outras do jardim e, de repente, virou este mamoeiro lindo. Leva um, Bebeto!”
_ Obrigado, meninas.
Belo Horizonte, dezembro/2013.
 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é uma combinação de magia e espaguete. Federico Fellini
 
 
 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Convidado pelo Dr. Ronaldo Simões Coelho, psiquiatra e escritor de histórias infantis, para participar do 11º ano do Livro de Graça na Praça, edição 2013, aventurei-me na seara dos contos infantis, pois já havia participado, junto com ele, da antologia Novos Contistas Mineiros, editada em 1997, pela Editora Mercado Aberto, do Rio Grande do Sul.
Assim, transcrevo a crônica publicada, para os que não puderam comparecer ao lançamento na Praça da Liberdade, em 22 de setembro.
Foi uma forte emoção autografar para mais de 200 crianças que disputavam um lugar na longa fila para ganhar o livro. O nome mais ouvido foi Gabriel, embora tenha conhecido, também, Uóchito - um só -, diversos Carlos, Luiz e Thiagos - com e sem agá-, Isabelas – também com z ou dois eles -, Stefanys e até uma Esthephany.
Sei que foi uma manhã espetacular para o estreante no universo infantil. 
 
O SOL E A LUA
Sentadinha na varanda ela pergunta:
- Vovô, quem acende a Lua? São as pessoas que moram lá?
- Não, Iara, ninguém mora na Lua! Lá não tem ar para as pessoas respirarem e, sem ar, não dá pra viver.
- Mas, então, como é que ela fica acesa quando está de noite?
- É o Sol que acende a Lua, querida.
- No Sol tem ar e mora gente pra acender a Lua? Como faz pra ele brilhar tanto?
- No Sol não mora ninguém, pois lá também não tem ar respirável. O sol é uma bola de fogo que fica queimando o tempo todo. Ele ilumina a Terra durante o dia e a Lua quando é de noite.
- Como assim, vovô?
- É que a Terra vai girando no Universo e tem uma hora em que ela fica entre a Lua e o Sol. Aí, é dia na Terra e noite na Lua, entendeu?
- Mas quem ateou fogo no Sol e apagou a Lua, vovô?
- Esta é uma das leis do universo, Iarinha: o equilíbrio do Sistema Solar. Todos os planetas giram em torno do Sol e ele fornece luz a todos e vida para nós, habitantes da Terra.
- E mora gente nos outros planetas, vovô?
- Não, minha querida, até agora não sabemos se existe vida nos outros planetas. Mas, se existir, será diferente da dos seres vivos da Terra.
- Que mistério, hem! Então, com o Sol, nós ganhamos um prêmio, que é a Vida, não é vovô?
Belo Horizonte, setembro/2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É relativamente fácil suportar a injustiça. O mais difícel é suportar a justiça.
H.L. Mencken -  (1880-1956) Escritor americano