domingo, 30 de março de 2014

                                         
OCHO RIOS, JAMAICA
Em Ocho Rios, na Jamaica, saíamos todas as noites para um passeio ao luar. Estávamos hospedados num centro de convenções no meio do mato, um lugar muito ermo, com iluminação precária. Ali, as noites tornavam-se negras e reluzentes de estrelas, cometas, estrelas cadentes, constelações, enfim, eram noites realmente noturnas, contrastando com as grandes cidades esfuziantemente iluminadas, onde as noites parecem dias. Metíamo-nos mato adentro para observar as estrelas e seus movimentos. Bela visão!
Chegamos a ver, inclusive, o que achávamos serem satélites artificiais, percorrendo a mesma rota e circundando a Terra com seus olhares espiões. Eles acompanhavam o movimento de rotação perfeitamente sincronizados com o do nosso planeta. O pessoal brincava que eles conseguiam enxergar até o movimento dentro das alcovas. Um perigo!
Naquele lugar, fui encarregado de fazer diversas serenatas, literalmente, ao luar.
Certa noite, enchemos um isopor de gelo e latinhas de cerveja e fomos ver as estrelas. A bebedeira foi tanta que dormi na relva úmida, a mais de 35 graus centígrados, abraçado ao violão.  Acordamos com o corpo cheio de formigas e ficamos imaginando o que mais teria passado sobre nós durante o sono: cobras, lagartos, insetos desconhecidos? Ou ainda se houvera pessoas nos observando. A manhã era de sol claro, céu azul e límpido. Corremos para o banho, onde tivemos de aguardar a vez numa fila de uns dez já com as toalhas debaixo do braço.
Éramos um grupo de profissionais de diversas áreas e de muitos países latino-americanos, participando de um seminário que examinava o potencial econômico da América Latina para associar-se com a América do Norte, com vistas a criar uma área de negócios, que se denominaria ALCA – Área de Livre Comércio das Américas.
Depois daquele plano inicial, sucedeu-se uma série de encontros e conferências em diferentes países, que culminariam numa reunião monstro em Belo Horizonte, onde seria fechado o acordo. Ela ocorreu em 1996, com o comparecimento de diversos chanceleres, presidentes e especialistas em Direito Internacional, mas o acordo não deu certo. Devido a um conflito intransponível de costumes, educação, línguas, e interesses, a ideia original desdobrou-se num acordo entre os países andinos, que fecharam o seu plano de comércio comum. Os Estados Unidos, o Canadá e o México fecharam o deles, denominado NAFTA, e o Brasil ficou de fora de todos. Será que foi melhor assim? 
Belo Horizonte, março/2014
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
...o importante não é ter ou fazer amigo - é ser amigo. Pedro Nava em "Beira-mar."


segunda-feira, 24 de março de 2014


A “ANUNCIAÇÃO” de Van Eick
Numa visita à National Gallery of Art, em Washington, com um acervo composto por obras de Calder, Matisse, Miró, Picasso, Polock e Rothko, fui apresentado, pelo guia, a uma obra especial devido à relação dela com a história universal moderna, e ainda, com relação à história do próprio museu: a Anunciação, óleo do pintor flamengo Jan Van Eyck, que retrata o Arcanjo Gabriel fazendo a anunciação à Virgem Maria de que ela vai ter o filho de Deus (Lucas 1:26-38). Detalhes riquíssimos de uma técnica única entre os pintores daquela escola.
Hoje, em férias, fiquei sabendo como aquela obra chegou ao famoso museu, através de um documentário no novo canal Art 1, da rede fechada de TV.
Com a Revolução Comunista de 1917, Stalin expulsou Lênin e assumiu a presidência da Rússia, que estava completamente desfigurada e com um povo faminto que havia acreditado naquele malogro dialético que ele havia pregado. Precisando fazer dinheiro rápido, o ditador resolveu vender o que ainda havia de mais valioso na Rússia, os preciosos acervos dos museus, principalmente do Hermitage, o maior deles, em Leningrado.
A notícia correu mundo e encontrou um colecionador americano de obras de arte, o milionário Andrew Mellon. Excitadíssimo para juntar ao seu acervo uma obra de Van Eyck, enviou um especialista que arrematou o famoso quadro, obra restaurada e transferida para tela em perfeito estado de conservação.
No entanto, o milionário envolveu-se com problemas com o fisco e resolveu doar sua primorosa coleção ao Governo dos Estados Unidos projetando e mandando construir o prédio da National Gallery of Art, que foi inaugurada em 1941, depois da morte dele em 1937.
Belo Horizonte, março/2014.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Um romance é tudo o que o escritor é: seus sonhos, suas leituras, sua idade, sua língua, sua aparência física, suas doenças, seus pais, sua classe social, seu trabalho...e também seu gênero sexual, sem dúvida alguma." 
Rose Montero....


 

 

 

domingo, 16 de março de 2014

MAIS SOBRE VINHOS, AGORA COM O CHARLES
Recentemente falei com o meu querido amigo Carlos Alberto Baroni, por telefone, e ainda a propósito de vinhos, acabei me lembrando de uma interessante e comparativa história.
Eu estava no interior da França, exatamente na cidade de Lyon, quando fui convidado para um almoço no restaurante Le Leon de Lyon, acima, considerado, na época, um dos dez melhores do mundo. Não sei se ainda mantém tal classificação nem se consta do livro do Ricardo Amaral/Boni de Oliveira Sobrinho, editado no ano passado. Sei que nosso anfitrião, naquela data, era um gentleman, que trajava um terno do melhor figurino, gravata de seda italiana, sapatos também italianos e de grife e lenço no bolsinho do paletó. Ele fez a deferência de convidar-me a escolher o vinho. Por delicadeza, declinei. Confidenciando com o maitre, ele então fez o pedido.
Servido, com uma provada, recusou o vinho e o maitre, sem piscar o olho, informou que havia só mais uma garrafa daquela mesma safra e uva, ou se ele preferia trocar por outro rótulo? Ele estava decidido a manter aquela escolha, preferiu tentar com a segunda garrafa e assim degustamos um Santenay Charmes, da Borgonha, 1974, maravilhoso, deixando o maitre sorridente ao lado da mesa.
Alguns anos depois, Baroni - a quem carinhosamente chamo de Charles de Gaulle e que é também homem de muito bom gosto; elegantíssimo, então com terno talhado pelo artista “Tesoura de Ouro”, Hermano Augusto do Carmo, gravata Dunhill e sempre a bordo de um Volvo 750 -, convidou-me para almoçar um Poisson a la belle meuniére, em tradicional restaurante de Belo Horizonte.
Com todo o protocolo, pediu a carta de vinhos, conversando com o maitre que, sem maiores delongas trouxe o vinho, colocou a garrafa sobre a mesa e foi logo dizendo: “Já tá bem gelado, viu doutor.” Charles, delicadamente, pediu que ele o servisse e colocasse o vinho num balde com gelo. O maitre torceu o nariz, mas cumpriu a ordem, servindo ao Charles um fundo da taça. Ele degustou, não aprovou e pediu que trocasse o vinho. O maitre, visivelmente contrariado, falou: “Que qu’é isso, doutor, esse vinho tá ótimo! Tá todo mundo bebendo dele...”. Mais delicado ainda, Charles argumentou: “Pode ser, mas eu prefiro que o senhor traga uma outra garrafa, por favor, pois não gostei deste”. E o maitre, quase berrando, ainda retrucou: “Ô doutor, o senhor tá criando um caso à toa. O vinho tá ótimo, eu garanto.”
“Por favor, senhor, troque o vinho, sim?”- ordenou o categórico Charles. ”Como, doutor, e quem vai pagar esta garrafa? Não, doutor, num faz isso comigo não, o vinho tá ótimo.” E, paciente, mas olhando firme para o garçom, decretou: “Por favor, senhor, cobre as duas garrafas na minha conta e não se fala mais nisto. Vamos embora, Bob.” Levantamo-nos e fomos almoçar noutro restaurante.
Belo Horizonte, março 2014.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Quando recupero a razão, enlouqueço." Julio Ramón Ribeyro
 
 

domingo, 9 de março de 2014

                      Chardonnay Down Under 2012, da Westend State, Austrália - KMM Vinhos

NAPA VALLEY CHARDONNAY, 1976:
UMA FELIZ COINCIDÊNCIA
Assisti a um filme recentemente, pela televisão, cuja história verídica me remeteu à lembrança de uma experiência feliz.
O filme versava sobre o episódio na vida de uma família americana da Califórnia, cujo patriarca, advogado de sucesso num poderoso escritório de San Francisco, havia resolvido largar tudo e transformar-se num produtor de vinhos de qualidade.
Assim, comprou uma gleba no Napa Valley e uma boa cepa da uva Chardonnay, em cujo terroir já havia apresentado bons resultados. Na primeira safra mobilizou toda a família para uma colheita seletiva, pois estava jogando ali todas as suas fichas. Conseguiram engarrafar umas dez mil caixas, cuja produção havia se apresentado bem satisfatória, e a qualidade do vinho muito bem certificada.
Nisto, surge na vinícola um sofisticado inglês que sabia da intenção do advogado enófilo, propondo fazer uma degustação às cegas na França que, se bem sucedida, ele gostaria de representá-los com exclusividade na Europa. O vinicultor aceitou o desafio e pediu que o filho dele, Bo, acompanhasse o comprador e se dispusesse a ajudá-lo no que precisasse. O rapaz era meio indiferente com os negócios do pai, mas, com a nova missão e instigado por uma linda empregada da vinícola, sentiu-se motivado para ajudar na fazenda.
Assim, o inglês comprou uma caixa e Bo e a namorada foram levá-lo ao aeroporto onde, na fila do check-in, conseguiram que alguns passageiros embarcassem carregando cada um uma garrafa, pois não era permitido ao passageiro sair do país com mais de uma.
Naquele meio tempo, o pai resolveu abrir umas garrafas para apurar a média de qualidade da safra de 1976. Na primeira, ele constatou que a cor do vinho estava  escura, meio marrom; na segunda, idem; e em toda a caixa prevaleciam os tons amarronzados. O cara se desesperou, começou a chorar e, de raiva, quebrou algumas. Ali mesmo, desistiu de ser vinicultor e ordenou a um de seus funcionários que se livrasse daquela tralha. Ato contínuo, foi ao escritório onde havia sido sócio e propôs voltar à sociedade, enquanto o filho Bo e a namorada, sem falar com ele, haviam resolvido fazer uma avaliação melhor sobre o que acontecera. Consultaram o melhor enólogo da região que, num rápido exame de cor e sabor, lhes falou, categoricamente, que não se preocupassem, pois em dois dias o vinho iria clarear.
E, no meio de todo desespero, Bo, confiante, resolveu ir à França para acompanhar a degustação programada, chegando quase ao fim dela, quando já estavam apurando a votação quando o vinho foi considerado o melhor da prova, BEST OF SHOW IN A BLIND TASTING.
Correu para telefonar para o pai que havia entregado a safra inteira à dona de um restaurante de estrada por uma ninharia. Havia, praticamente, dado as dez mil caixas ou o que havia restado delas.
Desapontados, Bo e a namorada aterrissaram na Califórnia e, ainda na estrada, resolveram parar - coisas da vida - num restaurante para tomar uma alguma coisa. Estavam comendo um sanduíche, quando a dona do local os convidou a degustar um vinho que havia ganho. Era o Chardonnay do pai dele e estava perfeito.
Cabreiro, ele disse que havia gostado e indagou se ela teria algumas caixas para vender. Ela respondeu que aquele montão de caixas só estava entulhando o armazém e venderia por qualquer preço, só queria ver-se livre daquela encrenca. Deixe apenas uma caixa e está tudo certo, disse ela.
Assim, os dois alugaram um caminhão e voltaram com o tesouro para a fazenda do pai.
Resumo da ópera: a safra de 1976 daquele Chardonnay do Napa Valley, provavelmente, deve ter sido a melhor do ano.
E agora a feliz coincidência. Estava eu em Denver, no Colorado, para uma visita ao comitê dos Companheiros das Américas quando li no jornal, anunciada para aquela noite, uma apresentação do The Kingston Trio, músicos que eu havia acompanhado desde sua formação. Os três, bons cantores, com dois violões e um banjo, haviam montado aquele conjunto quando estudavam na Jamaica e, animados, gravaram um LP. O lançamento do disco nos Estados Unidos foi um sucesso de costa a costa e gravaram diversos outros LPs, que acabei adquirindo posteriormente.
Meus amigos coloradenses conseguiram os ingressos e, gentilmente, me convidaram para assisti-los. Foi uma performance ótima; nostálgica para mim que já os acompanhava desde rapazes e lá estavam, então, os três velhos, como eu, cantando aquelas músicas deliciosas.
No intervalo, convidaram-me para um Chardonnay californiano e tive o prazer de degustar aquela joia rara, a mesma apresentada no filme da semana passada, pois, um dos meus anfitriões comentou que aquela safra - a de 1976 - havia sido considerada uma safra excepcional etc. À época, eu entendia menos sobre vinhos do que ainda não entendo até hoje, e, sem saber, estava bebendo naquela noite um vinho antológico.
Belo Horizonte, março/2014.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS    

Na cena V do Ato I, de Hamlet. William Shakespeare
"Há no céu e na terra, bem mais coisas do que sonhou jamais nossa 
filosofia."

 


domingo, 2 de março de 2014

                                                 PUTNEY, VERMONT
Numa manhã gelada, - 35º, saímos para comprar um esquenta-peito e aperitivos para a apresentação que faríamos à noite, num abrigo/estação de inverno em Putney, Vermont, USA, na fronteira com o Canadá.
Estávamos reunidos naquela cidade, todos os estudantes do programa Experiment in International Living, no ano de 1965 nos Estados Unidos, para uma reunião de congraçamento. Para animar o encontro e fazer um shaking hands coletivo, eram mais de mil estudantes, os organizadores do evento sugeriram que cada país, através dos seus representantes, montasse uma apresentação como julgasse melhor, pela música, literatura, história, dança, ou o que fosse, que bem representasse a sua terra.
Decidimos contar a nossa história recente, éramos mais de cinquenta, mostrando o país no Século XX através da leitura de um texto que falasse sobre a nossa localização, tamanho, população, economia, política e relações internacionais, tudo em momentos pontuais, tendo a música como referência, que ficaria em back-ground.
Os dez estudantes do Itamarati, iriam contar a história, eu faria a música de fundo com o violão e voz, e outros encenariam uma movimentação no palco de acordo com a época e o assunto, andando, dançando, fazendo barulho, cantando comigo, enfim, dramatizariam com caras, bocas e corpos, de acordo com a história. O momento era delicado pois estávamos em plena ditadura militar e isto marcava com um especial interesse dos espectadores para saber como era viver num país sob aquelas coindições.
Preparei um roteiro para a minha participação começando com “Mamãe eu quero”, “Aquarela do Brasil” e “Na Baixa do Sapateiro”, já conhecidas internacionalmente através da Carmen Miranda e outros músicos que haviam migrado para os Estados Unidos na década de 1940, até chegar à bossa-nova que vinha despontando na América de costa a costa. Há pouco tempo, um grupo de bossanovistas havia se apresentado no Carneggie Hall em New York, o João Gilberto vinha fazendo apresentações em algumas cidades grandes como Chicago, Boston e Filadélfia e o Sergio Mendes estava se instalando na Califórnia. Era, portanto, um bom momento para a música brasileira.
Nossa apresentação era a última daquela noite e fomos tão aplaudidos que permaneci no palco por mais duas horas, tocando e cantando as músicas que conhecia dos outros países: França. Inglaterra, Argentina, Israel, Alemanha, Itália e até uns fados portugueses. Foi uma noite de glória total.  
O mais curioso desta história é que, naquela saída, andamos pela cidade toda e não encontramos nenhum bar, nenhuma loja de bebidas. Assim, reclamando, nos sentamos pra tomar um chocolate quente quando a atendente, muito gentil, nos explicou que Putney era uma dry-city, denominação americana das cidades que não vendem bebidas alcoólicas, e que, se quizéssemos mesmo, era só andar mais uns três quarteirões que, do outro lado daquela rua, apontou, é uma outra cidade e lá, vendem bebidas à vontade. Ufa!
Belo Horizonte, fevereiro/2014
 
FRASES. PENSAMENTOS E AFORISMOS
Eu sempre trabalhei com uma coisa linda chamada esperança. Henfil