sábado, 31 de janeiro de 2015

RECUERDOS DE RIBEIRÃO
Mais uma vez voltava a Ribeirão Preto, de onde havia saído para morar nos Estados Unidos e, daquela vez, para passar uma pequena temporada antes de mudar-me para Belo Horizonte. Naquele momento, só tinha em mente promover uma despedida alegre e descontraída como foi toda a temporada em que lá vivi como estudante da Faculdade de Direito Laudo de Camargo, como professor de violão para fazer uns trocados e não passar um dia sem provar o delicioso chope do Pinguim e ainda oferecer serenatas sem fim às moçoilas da Alta-Mogiana, junto com o João, o Marquinhos e o Fred.
Minha rotina era ótima! Morando com papai e mamãe, no Edifício Spadoni, na Rua Américo Brasiliense com Tibiriçá, tomava um café rápido pela manhã mais um suco de laranja, para  curar a ressaca, e me preparava para receber os alunos da manhã que, violão a tiracolo, traziam uma lista enorme de músicas. Era divertido, pois mantinha a minha tocada competente e em dia, e viajava por um montão de músicas do gosto dos alunos, o que aumentava muito meu repertório.
Um almoço simples, pois era a mamãe mesmo que cozinhava e ela não era muito dedicada ao ofício. Assim, qualquer comidinha servia. Fritava uns bifes, com arroz, feijão e uma farofinha, o que me alimentava muito bem. Sem variedades. Papai almoçava na faculdade. Fazia a minha siesta, aprendida em terras mexicanas, e me preparava para o turno da tarde das aulas. No fim do dia, passava lá em casa o Marquinhos e descíamos para os sagrados chopinhos no Pinguim. E nas madrugadas, muita serenata.
Eta vidinha boa!
FRASES, PENSAMENTOS A AFORISMOS  
“Esse estranho que mora no espelho (e é tão mais velho do que eu) olha-se de um jeito de quem procura adivinhar quem sou.” 

Mário Quintana

sábado, 24 de janeiro de 2015

A PRIMEIRA TV
Papai e mamãe chegaram dos Estados Unidos e trouxeram uma televisão. Lúcia e eu morávamos na casa da vovó Augusta em Belo Horizonte e quando eles abriram a caixa foi um acontecimento! Os tios e parentes já haviam ouvido falar alguma coisa a respeito, mas não tinham a menor noção de como funcionava.  Meu primo Milton, piloto aviador da Nacional Aerovias, contava  que quando voava para São Paulo assistia a filmes e programas de auditório numa tevê no saguão do aeroporto, que ficava lotado de curiosos.
Desempacotado, surge aquele aparelho exótico: um móvel enorme, pesadíssimo, cheio de botões  que só se assemelhava aos rádios pelo fio preto que saía da parte de trás para ligar na tomada. A marca era SEMP. Na frente, um quadro de vidro opaco, cinza, emoldurado e na parte de baixo aquela botãozeira sem fim. Mamãe falou que aquela frente eles chamavam de scream, tela em português, e vinha com as medidas impressas num canto, assim: 17". Dezessete aspas? Que doideira.  Ninguém sabia o que era aquilo nem o que queria dizer.
Assim, re-empacotaram o trambolho e entramos no carro do tio Tonico, um Chevrolet 1947, que iria nos levar até o aeroporto da Pampulha para pegarmos o voo das 5 horas para São Paulo.
O ano era 1951 e o mês, dezembro.
Desembarcamos de um táxi na Rua Teodoro Sampaio, 316, esquina de Rua Arruda Alvim, no bairro de Cerqueira Cezar/Pinheiros, Edifício São Miguel Arcanjo, para mais uma temporada de dez anos na capital paulista. Agora,  no apartamento 6, um pouco maior do que o que havíamos morado antes, de número 2.
O apartamento já estava mobiliado com os mesmos móveis do anterior e só faltava comprar um armário para dividir um dos quartos, onde ficaríamos  a Lúcia e eu, ela com a janela e eu com os fundos. Mamãe foi até uma loja de móveis, lá na Teodoro mesmo, e subiu a rua com dois carregadores trazendo o armário nos ombros. Era um sábado e a mudança foi feita sem atropelos. Os dois carregadores aproveitaram para subir também com o "trambolho" que havia ficado na portaria. E dali para frente foi só alegria! A emissora recém-inaugurada era a TV Tupi, cujos estúdios eram no Sumaré, bairro próximo lá de casa. Cheguei até a conhecê-los quando um ex-namorado da Lúcia, o Celso, me convidou para assistir à gravação de um programa, O Cavaleiro Negro, que ele protagonizava junto com o Tatá, o Luiz Gustavo, que mais tarde ficou famoso interpretando o Beto Rockfeller, novela da TV Globo.
A partir das seis e meia da tarde, começavam a chegar os "televizinhos". Do nosso prédio, todos: homens, mulheres, velhos e crianças. Só essa turma já enchia a pequena sala. Uns assistiam um pouco, saíam para um lanche ou para o jantar, depois voltavam para ver os capítulos das novelas, do Cavaleiro Negro e alguns filmes americanos ininteligíveis. Mas, era um acontecimento. Para a meninada, sanduíches, pipocas e refrigerantes e para os mais velhos, algumas poucas vezes, uma cerveja. Eram tempos de "vacas muito magras".
Belo Horizonte, janeiro de 2015.
rhbrandao@gmail.com
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
El hombre no deja de enamorarse cuando envejece, por lo contrario: envejece cuando deja de enamorarse. Pablo Picasso




sábado, 17 de janeiro de 2015

                                                                                                                                                                                                                   Foto: Pedro Brandão                                                                                                                                                                                                                                                                                                               AVE, SÁBADO!
As nuvens são o maior mistério físico dos céus. Suas infinitas e variadas formações nos encantam a cada vez que as admiramos e, se assim quisermos entender, parece que elas estão sempre nos dando algum recado.  Sábado passado não foi diferente.
Como vivemos olhando para o céu - o Zuza e eu -, estamos sempre encontrando formações curiosas. Do nada, ele exclama: Uai, Roberto, o Brasil sem o Rio Grande do Sul?!
Reparei, então, que ele estava com o olhar fixado numa nuvem que apresentava um oco vazio com aquela formação curiosa: era o mapa do Brasil sem o Rio Grande do Sul. Como as nuvens se desfazem rapidamente, ficamos observando as mudanças. Subitamente sumiram o Acre e Rondônia, mas em compensação, o Rio Grande do Sul voltou e trouxe com ele o Uruguai e um pedacinho da Argentina, com a visão clara da bacia do Rio La Plata. E assim durou mais alguns segundos até que foi  sumindo uma parte do Nordeste, começando pela ilha de Fernando de Noronha. Daí, comeu o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Sergipe. As regiões norte, sudeste e sudoeste mantinham-se íntegras até que um vento forte desmanchou tudo, mantendo somente o estado de Goiás completo. Cortou até a parte de cima dele, o Tocantins. E, no meio daquele vácuo esboçando parte do Brasil Central, passou um magnífico Boeing da TAM com uma linda cauda de condensação, que teve o nosso comentário: Esse parece que vai para os Estados Unidos, fugindo desse calor infernal dos trópicos. E sumiu... Donde se conclui que, em alguns minutos, fizemos uma viagem ao redor do Brasil e países vizinhos, projetamos nossos pensamentos para os passageiros do Boeing e voltamos sãos e salvos para tomar mais algumas cervejas. Ave, sábado!
Belo Horizonte, janeiro/2015.
rhbrandao@gmail.com
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Antes do advento do Facebook, era realmente uma demonstração de afeto e consideração quando alguém se lembrava do seu aniversário. @HELYTIMES                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

sábado, 10 de janeiro de 2015

Bob
                          L´HUMEUR SAUVAGEMENT AGRESSÉE
Tudo foi agravado com a invasão americana no Iraque, promovida pelo tresloucado presidente George W. Bush. Com aquela medida, agressiva e desnecessária, ele provocou uma reação em cadeia, em todos os países islamitas da região, que passaram a agredir os ocidentais então solidários com os Estados Unidos.
E a barbárie começou a se espalhar pelo mundo, a começar pelos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra e nesta semana, fatalmente, na França.
Não sou comentarista político, muito menos internacional, mas fico revoltado quando fanáticos atacam instituições que são as porta-vozes da maior expressão da liberdade humana, a imprensa. Aqueles colegas cartunistas foram mortos por nada, simplesmente porque mostravam ao mundo a insensatez de uma linha radical incrustada nos países islamitas, que agem traiçoeira e sorrateiramente. Ali, foi atacada a forma de expressão mais inteligente da imprensa, a que é feita através do humor.
Segundo noticiário internacional, o jornal Charlie Hebdo foi criado em 1969 e passou a apresentar um humor crítico contra religiosos de todas as crenças, bem como contra políticos ignorantes de qualquer facção de esquerda ou direita. Os noticiários informam ainda que, já neste século, o veículo iniciou a publicação de uma série de charges sobre o profeta Maomé, que foi o estopim para as ameaças de grupos radicais islâmicos.
Os colegas Wolinski, Cabu, Charb e Tignous são nossos heróis. 
Curiosidade: fico à vontade para chamá-los de “colegas”, pois, junto com outros cartunistas, fui convidado a criar aquele que foi o meu único cartum para uma exposição no salão de leitura da biblioteca da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte/MG, simultânea a um evento da unidade. Depois da exposição, passei a receber correspondências assim endereçadas: Ao cartunista Bob..., meu apelido como cartunista. Desta forma, com muito orgulho, me junto a todos os colegas para reagir contra essa barbárie.
Belo Horizonte, janeiro/2015
rhbrandao@gmail.com
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Je suis aussi Charlie.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

UM PASSEIO EM SANTA LUZIA
Certa manhã, o Caio passou lá em casa, em Santa Luzia, montado num puro sangue árabe, puxando um manga-larga marchador do sítio do pai dele, e foi logo gritando da porteira: Oi, tio, nunca vi você montado e queria convidá-lo para uma volta aqui na fazenda.  
Pensei comigo: este não é o meu programa favorito, mas não posso desapontar meu querido afilhado. Calcei umas botas velhas e topei: Vam’bora.
- Você conhece aquele fim de mundo onde fica o haras do vovô, chamado, o pasto do Zé Dias?
- Lógico, Caio, já fui lá diversas vezes. De automóvel, é claro!
- Então, monta aí que eu vou te mostrar uma das mais belas fazendas da região metropolitana de Belo Horizonte.
Montei, ágil como um ginete, e ele anunciou: Vamos sair aqui, pelo fundo da sua casa, e eu vou te contando todas as histórias que já ouvi por aqui.
No meio do mangueiral, ele lembrou a história que eu já conhecia, mas sem saber a conclusão.
- Neste ponto, tio, um parapsicólogo, amigo do papai, afirmou haver aqui, enterrada, uma mina de ouro e diamantes. Um tesouro!  Sei que abriram este enorme buraco e foram surgindo cacos de panelas, ossos quebrados, pontas de flechas, o que indicava uma pista para o caminho do tesouro escondido. Papai contava ainda que a conversa havia corrido em Santa Luzia e que o povo foi chegando, chegando, e formou-se aqui uma multidão, esperando abrir a porta da fortuna. Cada um com a esperança de levar uma pedrinha qualquer.
Aí, o descobridor do tesouro gritou:
- TÔ CHEGANDO NA MINA.
O alvoroço foi tão grande que o vovô, dono da terra, amedrontado com aquela turba, também gritou:
- CHEGA GENTE!VAMOS PARAR COM ISSO.
A turma, perplexa e louca pra botar a mão no ouro e nas pedras, afastou-se. E, em seguida, ele ordenou:
- Pode fechar isto aí, fulano, senão dá até morte por aqui! E cada um saiu, sem graça, de sacolinha vazia.
 - Mas, vamos em frente, tio.
Embrenhamos mato adentro, afastando galhos, atravessando riachos numa trilha totalmente rústica até que ele parou debaixo de uma rama que parecia uma entrada.
- Você tem medo de aranhas?Aqui tem umas mil, quer entrar?
Agradeci e justifiquei que, definitivamente, eu não tinha nenhuma semelhança com o Indiana Jones. Sou um urbanóide convicto.
Tocamos em frente. Noutro ponto ele parou e apontou: Aquele laguinho ali é onde você pescava com o Pedro e o Frederico, lembra-se?
E o laguinho estava intacto, até as minhocas pareciam ser as mesmas. Seguimos morro acima, passando pelas terras do Pasto do Catitu até chegar ao frondoso jatobá, um dos marcos importantes da bela fazenda.
- Aqui, tio, nós fizemos tantos piqueniques com toalha xadrez e refrigerante.Vínhamos de bicicleta, lembra-se? Era verdade, eu me lembrava.
Depois, descemos até à beira do Rio das Velhas e seguimos por uma estradinha estreita para atravessar o Pasto da Carreira Comprida e chegar às terras do avô dele - Ô, Caio, não tem nenhum botequim no caminho, tô morrendo de sede?
- O quê que é isso, tio. Isto aqui é mato. Na volta, passamos lá no bar do Liliu.
Eu, hem! Seguimos mais um pouco e desmontamos.
- Aqui, tio, você vai ter a melhor vista de toda a Fazenda Boa Esperança, que é aquela curva do Rio das Velhas, marcando a divisa com a cidade. Olha lá!
Ficamos parados naquele alto de morro, absolutamente encantados com a natureza totalmente preservada, divisando com o rio o início desordenado daquela ocupação urbana.
Entramos na cidade de cima e decidimos passar no João Barracão para comprar umas coisinhas e depois descer até o Detinho para mais umas quinquilharias e, enfim, tomar as tais cervejas no Liliu. De lá pra casa, era um pulo e ainda não havia bafômetros.
Eia!
Belo Horizonte, dezembro 2014.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Me arrancam tudo à força e depois me chamam de contribuinte.
Millôr Fernandes