UM PASSEIO EM
SANTA LUZIA
Certa manhã, o Caio passou lá em casa, em Santa Luzia, montado num
puro sangue árabe, puxando um manga-larga marchador do sítio do pai dele, e foi
logo gritando da porteira: Oi, tio, nunca vi você montado e queria convidá-lo
para uma volta aqui na fazenda.
Pensei comigo: este não
é o meu programa favorito, mas não posso desapontar meu querido afilhado. Calcei
umas botas velhas e topei: Vam’bora.
- Você conhece aquele fim de mundo onde fica o haras do vovô, chamado,
o pasto do Zé Dias?
- Lógico, Caio, já fui lá diversas vezes. De automóvel, é claro!
- Então, monta aí que eu vou te mostrar uma das mais belas
fazendas da região metropolitana de Belo Horizonte.
Montei, ágil como
um ginete, e ele anunciou: Vamos sair aqui, pelo fundo da sua casa, e eu vou te
contando todas as histórias que já ouvi por aqui.
No meio do mangueiral, ele lembrou a história que eu já conhecia, mas
sem saber a conclusão.
- Neste ponto, tio, um parapsicólogo, amigo do papai, afirmou
haver aqui, enterrada, uma mina de ouro e diamantes. Um tesouro! Sei que abriram este enorme buraco e foram surgindo
cacos de panelas, ossos quebrados, pontas de flechas, o que indicava uma pista para
o caminho do tesouro escondido. Papai contava ainda que a conversa havia corrido
em Santa Luzia e que o povo foi chegando, chegando, e formou-se aqui uma
multidão, esperando abrir a porta da fortuna. Cada um com a esperança de levar
uma pedrinha qualquer.
Aí, o descobridor
do tesouro gritou:
- TÔ CHEGANDO NA
MINA.
O alvoroço foi
tão grande que o vovô, dono da terra, amedrontado com aquela turba, também gritou:
- CHEGA GENTE!VAMOS
PARAR COM ISSO.
A turma, perplexa
e louca pra botar a mão no ouro e nas pedras, afastou-se. E, em seguida, ele ordenou:
- Pode fechar
isto aí, fulano, senão dá até morte por aqui! E cada um saiu, sem graça, de
sacolinha vazia.
- Mas, vamos em frente, tio.
Embrenhamos mato
adentro, afastando galhos, atravessando riachos numa trilha totalmente rústica até
que ele parou debaixo de uma rama que parecia uma entrada.
- Você tem medo
de aranhas?Aqui tem umas mil, quer entrar?
Agradeci e
justifiquei que, definitivamente, eu não tinha nenhuma semelhança com o Indiana
Jones. Sou um urbanóide convicto.
Tocamos em
frente. Noutro ponto ele parou e apontou: Aquele laguinho ali é onde você
pescava com o Pedro e o Frederico, lembra-se?
E o laguinho estava
intacto, até as minhocas pareciam ser as mesmas. Seguimos morro acima, passando
pelas terras do Pasto do Catitu até chegar ao frondoso jatobá, um dos marcos
importantes da bela fazenda.
- Aqui, tio, nós
fizemos tantos piqueniques com toalha xadrez e refrigerante.Vínhamos de
bicicleta, lembra-se? Era verdade, eu me lembrava.
Depois, descemos
até à beira do Rio das Velhas e seguimos por uma estradinha estreita para atravessar
o Pasto da Carreira Comprida e chegar às terras do avô dele - Ô, Caio, não tem nenhum
botequim no caminho, tô morrendo de sede?
- O quê que é
isso, tio. Isto aqui é mato. Na volta, passamos lá no bar do Liliu.
Eu, hem! Seguimos
mais um pouco e desmontamos.
- Aqui, tio, você
vai ter a melhor vista de toda a Fazenda Boa Esperança, que é aquela curva do Rio
das Velhas, marcando a divisa com a cidade. Olha lá!
Ficamos parados
naquele alto de morro, absolutamente encantados com a natureza totalmente preservada,
divisando com o rio o início desordenado daquela ocupação urbana.
Entramos na
cidade de cima e decidimos passar no João Barracão para comprar umas coisinhas
e depois descer até o Detinho para mais umas quinquilharias e, enfim, tomar as
tais cervejas no Liliu. De lá pra casa, era um pulo e ainda não havia
bafômetros.
Eia!
Belo Horizonte,
dezembro 2014.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Me arrancam tudo à força e
depois me chamam de contribuinte.
Millôr Fernandes