domingo, 25 de outubro de 2015

GOOD TO REMEMBER
Acordei cedo, lá pelas seis e meia e fui até a janela para ver como estava começando o dia. Arredei uma ponta da cortina e coloquei o nariz no vidro. Gelado. Olhei o termômetro pendurado na coluna de madeira da varanda: -25ºC.  A neve cobria o jardim até, quase, a altura da janela. Tinha acordado num outro mundo. O mundo do gelo, céu completamente fechado, nem uma frestinha de sol. A claridade do dia vinha comprometida com a massa fechada de nuvens brancas, mas, assustadoras.
Fiz uma barba rápida e tomei uma chuveirada ligeira para sair logo e ver de perto em que mundo estava desembarcando. Meu despreparo era total. Não tinha botas nem mesmo galochas. Paletó, então, só um elegante blazer de casimira. Não dava para enfrentar o frio, muito menos a umidade e a geleira lá fora.
Abri a porta do quarto e o Barney pulou na minha perna. Ele também estava curioso pra ver como aquele brasileirinho iria reagir àquelas temperaturas polares e sem nenhum agasalho apropriado. Mamãe havia tecido umas luvas de tricô até bonitinhas e um cachecol colorido, quando recomendou: “Use, sempre, estas luvas e este cachecol, meu filho. O frio nos Estados Unidos é tremendo, você nem acredita.” Ela tinha razão. Acostumado com o abafado calor de Ribeirão Preto, beirando os + 40º., e o cheiro da cana queimada como açúcar melado, de um dia para o outro, fuC amanhecer naquela geladeira aberta.
Arthur estava me esperando para o breakfast, na mesinha da copa. Lorraine, bem disposta, fritava os ovos e o bacon, colocava os pães na torradeira e o Barney observava.
Ele gostava de pão molhado e das sobras da farta mesa de lanches.
Tomamos o café ralo e Arthur me convidou para, com uma enxada e um vassoura dura, limparmos e varrermos o passeio, a entrada da casa e a pista da garagem, se não, o Buicão não sairia do abrigo. Comentou que, se alguém caísse em frente da casa dele, um pedestre qualquer, o lixeiro ou o carteiro, pela falta de limpeza do passeio, a responsabilidade seria dele e lá, as penas são duras para este tipo de displicência e desatenção com o próximo. Hard American rules.
Limpamos tudo, passamos um scratcher nos vidros e nas maçanetas do carro, para soltar o gelo e partimos para a estação de trem.
Muito atencioso, ele me emprestou um casacão preto, com gola de pele, um boné com abas para proteger as orelhas e luvas de couro. Brincou: “Estas suas luvinhas não conseguem impedir que seus dedos congelem e cuidado com o nariz e as orelhas. Viram gelo se não estiverem protegidos.”
- 25º. é frio demais. Felizmente a gente fica pouco tempo exposto pois todas as casas, escritórios e lojas, são aquecidos. 
Chegamos em Chicago às 9 para mais um dia de trabalho no Fórum.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

“Se há um idiota no poder é porque os que o elegeram estão bem representados.”Barão de Itararé

sábado, 10 de outubro de 2015

THELONIOUS MONK
Em 1965, morava em New York, num apartamentozinho minúsculo em Greenwich Village, com mais dois amigos brasileiros e um americano.
Éramos muito felizes e sabíamos.
Numa daquelas noites foi anunciada uma performance do pianista Thelonious Monk, no Village Vanguard, a poucos quarteirões de casa.
Conhecíamos, de nome, o pianista que havia gravado, pelo menos, duas músicas antológicas no mundo jazzístico: Round Midnight e Lulu’s Go Back in Town, então, em todas as paradas nas rádios e televisões.
Ivan e eu, fanáticos por jazz, fizemos uma vaquinha, pedimos dinheiro emprestado aos amigos e atravessamos a rua para a grande noitada. O “velho Monk”, como era chamado, era uma figura muito esquisita. Com um gorro ensebado na cabeça, sentou-se ao piano acompanhado de um baixista e de um baterista que, infelizmente, não me recordo dos nomes - desatenção nossa com os músicos diante do grande mestre, que encobria qualquer coadjuvante, por melhor que fosse.
Nunca tínhamos ouvido o som que ele tirava do piano. Notas fortes e  muito bem marcadas, num desenho melódico intrigante e fascinante ao mesmo tempo.
Na época, e continuo sendo até hoje, viciado em Jack Daniel`s - whisky americano destilado no Tennessee -, tomamos vários cowboys e nos encantamos com a música do mestre TM. Ainda guardo com muito carinho o LP comprado na portaria do Vanguard.
Belo Horizonte, outubro/2015.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Querer a felicidade já é ser feliz.” Jacques Demy 

"Pois é, mas você tem que correr atrás da felicidade, tem que querer mesmo, porque ela não cai no seu colo",- como complementa o meu primo, o psicólogo Marco Antonio Ladeira  

sábado, 3 de outubro de 2015

O DESTINO DE CADA UM

Encontramos uma vez, o Roberto Brant e eu, com o Mileto, irmão do meu querido afilhado João Stamatto, num Scotch Bar na Av. Angélica, em São Paulo.
Ele tocava clarineta/saxofone na banda do Hermeto Paschoal. No intervalo, ele foi até a nossa mesa, nós dois felissíssimos, pois não nos víamos há muitos anos e o convidei para sentar e tomar um drinque conosco. Ele agradeceu e disse que os músicos não podiam beber no recinto. Heim? Então, o convidamos para tomar uma cerveja lá fora, no bar da esquina. Topou na hora. Em pé, no balcão de mármore encardido de um velho bar paulista, tomamos umas cervejas deliciosas e recordamos as mil e uma noites em que, em Ribeirão Preto, tocamos na noite e fizemos serenatas, com certeza, per tutti belle donne de la cittá. Naquele momento solene de um encontro de dois grandes amigos a conversa fluiu no mesmo timbre e nível daqueles tempos e ele, subitamente me perguntou: “Você está fazendo o quê?” Respondi, hesitante: “Eu sou advogado, e você?” Ele me olhou no fundo dos olhos e, desafiadoramente, respondeu: “Eu sou músico!”. Quase batendo no peito de orgulho por ter escolhido uma profissão maravilhosa e de acordo com sua formação prática na vida. Nós tínhamos passado metade da vida tocando e cantando juntos em Ribeirão  e em quase todo o interior de São Paulo: Franca, Araraquara, Campinas, Jundiaí, Sertãozinho e muitas outras. Nós éramos os músicos da época. E esta frase dele foi tão forte pra mim que uma furtiva lágrima escorreu no meu olho esquerdo. Uma só. Ele não viu mas o Brant percebeu. Bebemos mais uma só, ele tinha que voltar para finalizar a apresentação da banda. Voltamos à nossa mesa e tomamos um derradeiro drinque, pois, eu estava arrasado. Voltamos para o Hotel sem dar uma palavra. O Brant foi muito sábio, nem comentou o assunto.
Afinal, foi uma escolha minha, ao invés de ser músico, tinha decidido ser advogado. E bem que tive chances, muitas. Nos Estados Unidos, numa determinada época, um pouco antes daquele encontro, havia lecionado violão para uma brasileira, Valucha, cantora e artista plástica que morava em Chicago e que me conseguiu um emprego de professor de violão na Folk and Country School of Music, em Chicago, onde poderia ter iniciado a carreira. Ela e eu gravamos um LP, capa desenhada por uma artista local, com 18 músicas que nunca soube do paradeiro dele. Encontrei um apartamentinho em Old Town, zona boêmia da cidade, para morar e começar minha carreira. Nada disso. Não deu certo. Eu era apaixonado demais! Abandonei o projeto.
E assim, com a paixão e pela paixão, transformei um músico razoável num advogado medíocre que acabou transmudado, com o tempo, num publicitário de relativo sucesso. Ces’t le destin. Coisa inexplicável, mas, irreversívelmente, verdadeira.
Naquela hora, aprendi uma lição definitiva. Nunca pergunte sobre o destino de alguém quando você não tiver a resposta que gostaria de dar. Fatalmente, ele vai devolver a pergunta, e aí, você chora. Chora mesmo, porque a gente não consegue mudar o próprio destino, este traço que alguém risca para nós e pronto.
Ninguém consegue. Sem nenhuma filosofia barata: de onde vem isto?
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Uma mulher pertence de direito ao homem que a ama e a quem ela adora mais que a própria vida.” Da obra “De l`Amour” de Stendhal