domingo, 18 de dezembro de 2016

RESTAURANTE FILOMENA, NA CAPITAL AMERICANA
Era tarde da noite. Depois de um dia apertadíssimo de seminários, palestras e encontros nos escritórios do POA, Margarita e eu pegamos o subway em Washington/DC, em busca de um restaurante ainda aberto. Ressalte-se que os trens na capital americana são muito chiques e as estações limpas como as salas das nossas casas, nem uma poeirinha no chão.
Descemos na estação Georgetown, bairro famoso pelo comércio e vida noturna intensa, e nos embrenhamos pela Wisconsin Ave, aonde topamos com o restaurante Filomena. Grata surpresa, pois logo percebemos tratar-se de uma cantina famosa da região.
Sem reservas, conseguimos uma boa mesa e ficamos curtindo a descontraída decoração, repleta de adornos: quadros de todos os tamanhos e formas,  estatuetas de vidro, madeira e barro, bandeiras, pratinhos, panôs e uma parafernália de objetos tipicamente italianos, como os muranos, e mais outros produtos da terra.  Ambiente muito aconchegante, sem dúvida.
Deliciamo-nos com fartos pratos da saborosa comida, especialmente ofagotini ao molho pesto, que repetimos até raspar os pratos. A pasta veio acompanhada de um excelente vinho italiano, com a uva San Giovese, uma das minhas preferidas.
Depois do lauto jantar,  curtindo um friozinho de oito graus no rosto, decidimos voltar a pé até o Centro de Convenções, aonde estávamos hospedados.  Durante a caminhada, começamos a fazer os planos para as próximas etapas do programa Fellows, que previa uma estada no Equador - Guaquil, Cuenca e Quito; uma no Brasil - Fortaleza e Brasília; uma em Monteagle, no Tennessee/USA – sobre a qual já comentei aqui -; e uma última  na Jamaica, em Ocho Rios, também já registrada. Bons tempos, aqueles!
Belo Horizonte, 2014. (Foto Google)
rhbrandao@gmail.com
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Para que o mal triunfe, basta que os bons fiquem de braços cruzados”, do político e filósofo irlandês Edmund Burke 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

ENCHENTES EM BELO HORIZONTE
Certa noite recebi um telefonema do Celinho, meu cunhado, pedindo para socorrê-los na Rua São Paulo com Avenida Álvares Cabral, onde o carro em que estavam ele seus pais, Dr. Célio e dona Santa, havia sido levado pela correnteza abaixo. Imediatamente me dirigi ao local, encontrando os três sob a marquise de um prédio, debaixo de um guarda-chuva preto, ensopados e tremendo de frio. De lá mesmo, desolados com a cena, víamos o Simca Presidente preto entalado numa das muretas de um córrego que corria pela Rua São Paulo. Necessitados de um bom banho quente, levei-os imediatamente de volta para casa. 
No dia seguinte, o carrão foi rebocado para uma oficina, onde permaneceu durante meses. Foi necessário até abrir o motor, que estava cheio de gravetos e folhas. A correnteza enchera o bloco do motor, entre os cilindros, válvulas, juntas, com um monte de plantas, terra, raízes, provocando um odor podre no belíssimo sedan quatro portas. Impossível de ser combatido o mau-cheiro, o carro acabou sendo vendido com a podridão entranhada no seu habitáculo.
Em outro tempo, deixei meu Karman-Ghia vermelho, zero km, num estacionamento em frente ao Aeroporto da Pampulha e viajei para o Rio a fim de acompanhar a gravação de um áudio com o locutor Sérgio Chapelin, para um cliente de BH. Era somente um pernoite, pois a gravação estava reservada para um estúdio às 21 horas, depois que o locutor terminasse o Jornal Nacional da Rede Globo. Ao retornar a BH, no dia seguinte, fui direto ao estacionamento e encontrei-o vazio. Fiquei gelado. Entreguei o comprovante a um rapaz, que me contou desconsolado: “Ih, doutor, caiu uma bruta tempestade ontem à noite, e a enxurrada carregou todos os carros que estavam dormindo aqui. Tá tudo espalhado aí pela praça. Tome aqui a sua chave e vá procurá-lo, por favor.” A Praça Bagatelle estava uma desolação. Barro acumulado por todo lado e alguns carros - uns vinte talvez -, sobre os passeios, trombados em árvores e muros, enfim, um caos. De longe, enxerguei o vermelhinho todo enlameado, mas, felizmente, sem nenhum amassado, pois estava na parte aberta da praça, sobre um daqueles canteiros. Passei um mês lavando o carro todos os dias, mas, sem sucesso. Acabei vendendo o carrinho, também, com cheiro e tudo.  Uma lástima!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 
Uma parte de mim é permanente e a outra é um saber de repente.
Ferreira Gullar 







domingo, 4 de dezembro de 2016



O POTE DE OURO 
Estava distraído aqui na Toca, ouvindo música e escrevendo, quando escutei uma falação, uma conversaria danada que parecia vir da rua. Chequei até a varanda e vi uma verdadeira multidão na porta do meu prédio, apontando e olhando para cima. Acompanhei os dedos e braços apontados e, como eles, também fiquei encantado. No alto do belo prédio, meu vizinho, que dá frente para a Rua Bernardo Guimarães, estava pousado um enorme arco-íris. Daqueles belos, que iluminam o fim de tarde da nossa não menos bela Horizonte.
Quando todos nós observávamos a fantástica aparição, surge um avião por detrás do prédio e atravessa o arco-íris em toda a sua extensão. Parecia que o piloto, também encantado, queria voar até o fim do arco-íris para descobrir seu segredo. Há uma lenda que fala sobre alguma coisa escondida atrás do arco-íris, um pote de ouro, quem sabe?
Muitos incorrigíveis românticos já andaram na busca que esta lenda excita, porém, nunca ninguém deu notícia de nada. Voltam sempre de mãos e ideias abanando. Nada além do arco-íris...
Já eu, que acredito piamente nesta história, vou continuar buscando o tal pote de ouro.
Lembro-me que estava na Jamaica, em Ocho Rios, numa região interessante, onde o rio encontra o mar numa forte correnteza, sobre a qual os inocentes turistas são induzidos a escalar, subindo pelas pedras, no sentido contrário ao seu curso. Uma loucura!
Fiquei observando os intrépidos aventureiros, meus colegas do grupo Fellows II, sentado numa ponte e rodeado por mais de uma dúzia de latinhas de cervejas jamaicanas, que são bem razoáveis. Daquele ponto, avistei um arco-íris formado no mar e que entrava terra adentro, numa mata fechada, que abrigava esta embocadura do rio com o mar. Eu estava, exatamente, neste ponto de encontro do arco-íris com a mata.
Pensei rápido: é hoje, estou pertinho do pote de ouro. Comecei a buscá-lo, com tanta crendice, que passei a enxergar coisas brilhantes em cada toca ou buraco que mexia ou enfiava o pé. Parecia um caçador da arca perdida! E, quanto mais cerveja, mais as visões de multiplicavam, claro, não pelo efeito do álcool, mas, pelo fascínio de estar tão perto da lenda. Sou muito curioso com essas crenças populares e esta do pote de ouro no fim arco-íris é universal e me fascina! Por todos os lugares por onde andei, os aborígenes comentavam sobre ela e sempre com o comentário decepcionante de que nunca tinham encontrado nada.
Ali, achei que era a minha vez. Continuei enfiando a cara mata adentro, quando surgiu uma borboleta amarela. Sempre elas a me acompanharem. Fui atrás por uns bons metros, escorregando mata afora, meio conduzido pela minha guia e pela minha imaginação, até que cheguei à praia. E o arco-íris entrava pelo mar e sumia no horizonte até onde a vista não alcançava.
Pensei: esta busca termina aqui. Não vou me enfiar no mar, primeiro porque nado muito mal e, segundo,porque não vou conseguir levar as cervejas comigo. E sem cervejas não ando nem muito menos nado. Ciao,pote de ouro.
Voltei da Jamaica na mesma condição em que cheguei: pobre, porém, muito feliz...
Roberto H. Brandão – 09/12/2010
FRASES, PENSMENTOS E AFORISMOS
“Se você se sente só quando está sozinho, é porque está em má companhia.” Jean Paul Sartre




domingo, 27 de novembro de 2016

ADEUS, FIDEL! JÁ VAI TARDE.
Infelizmente, o saldo desse grande líder nas Américas não é positivo. 
É interessante como o bem e o mal se confundem na formação de um reverenciado líder.
Neste final de semana, morreu uma das figuras humanas mais emblemáticas do século XX e muitos o estão reverenciando como um grande herói. Que nada! Quem manda enfileirar num muro (El Paredón) um grupo de pessoas, compatriotas contrários às suas ideias, e mete-lhes balas no coração não pode ser considerado herói. Ele foi sim um ditador duro e cruel.
É verdade que ele criou uma nova geração de gente alfabetizada gozando de boa saúde e uma equipe de esportistas de alta eficiência, mas tudo isto para viver numa ilha infecta e quase que totalmente destruída pela incapacidade de atuação de sua população fiel e subjugada.  Seria, então, um “comandante” que negociou com a saúde e a educação para dominar seu povo? Em termos de mundo, a União Soviética já havia tentado a mesma tese e o fracasso foi notório. 
O assunto não merece mais do que isto. 
Adeus, Fidel, você já vai tarde!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O preço da liberdade é a eterna vigilância. Camile de Moulain
Foto Google





domingo, 20 de novembro de 2016

Ijuí, 1945
Numa manhã Lúcia e eu acordamos loucos pra pegar nossos velocípedes e correr pelo quintal da casinha que morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Passamos pela cozinha e a mamãe lá estava coando o café para o papai tomar e ir para o quartel bem alimentado: café com pão e manteiga, e um copo de leite. Enquanto ela preparava a mesa, ele vestia a farda com todos os seus botões e talabartes, para ajudar na montaria no cavalo Guri, um Pecheron que o Exército Brasileiro adotara para os Regimentos de Cavalaria. Era um cavalo branco, grande, muito fogoso, inteiro. A raça, de origem francesa, lhe atribuía características bem próprias para o serviço militar: macio de sela, muito forte e resistente e com boa tração. O Guri era um belo exemplar! 
Naquela vidinha simples, o padeiro deixava na porta de cada casa na Vila do quartel, uma ração de pães para o dia - um pãozinho para cada morador, e um litro de leite, que vinha naquelas garrafas típicas. Mamãe mantinha uma pequena horta com alfaces, espinafres, couve, salsinha, cebolinha e tomates. Assim, nossas refeições eram simples e saudáveis, com arroz, feijão, frango e ovo do próprio galinheiro, complementadas com as folhas. O cardápio era único, variando, de vez em quando, com batatas fritas, cozidas ou puré, e muito raro, raríssimo mesmo, um bife frito. Curioso, não me lembro de comer macarrão naquela época.
Naquele dia, saímos de casa atrás dos velocípedes e não os encontramos. Voltamos desapontados e murchos, quando o papai falou: “Os ciganos devem ter roubado os velocípedes. Quando eu cheguei, ontem à noite, eles estavam começando a armar o acampamento ali no campo de futebol.” 
Quando o papai saiu, furiosos e curiosos, demos as mãos para a mamãe e fomos até o quintal para dar uma olhada no acampamento. Vizinho ao muro de fundo do nosso quintal havia um campo gramado onde a soldadesca jogava futebol nos fins de semana. 
Naquele dia, havia lá um bando de umas mil pessoas, com duas barracas enormes em volta de uma tenda, onde havia dois fogões, com a lenha espalhada por todo canto. Parecia um hotel rústico. Numa das barracas dormiam os homens solteiros, e na outra, as donzelas, rodeados por diversas barraquinhas, onde ficavam os casais com os filhos menores. E a lenha servia, ainda, para as grandes fogueiras noturnas, pois o frio era bravo. Banheiros não havia. De acordo com a lenda, as necessidades eram feitas no espesso mato ao redor. “E o banho, mamãe?” perguntou a Lúcia. “Ah, minha filha, eles devem se lavar naquele rio que passa lá do lado do quartel do seu pai.”
De longe, fomos vasculhando com os olhos para todo canto e não vimos os velocípedes. Eles haviam sumido para nunca mais.
Belo Horizonte, dezembro, 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 
É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. Abraham Lincoln, 1809-1865

domingo, 13 de novembro de 2016

PERDIDO NUMA TARDE FRIA
Os dias nublados são sombrios e tristes para nós que vivemos neste glorioso país tropical de sol e abundância de claridade. E foi num dia assim que eu me sentia, num domingo de outono em Denver, no Colorado. Sozinho e a pé caminhava meio sem rumo no centro da cidade, quando me encontrei com um grupo de índios.
O meu amigo José Gonçalves, à época presidente do Partners Colorado, já me havia alertado para esses grupos de índios que perambulam pela cidade, aos domingos, para levantar algum trocado com algum estrangeiro perdido. Naquela época, os assaltantes não buscavam celulares, só dinheiro vivo mesmo. E eu, duro como sempre, andava por ali para chegar até à Larimer Street, onde encontraria   outros perdidos naquela tarde fria.
Não me intimidei, continuei firme na minha trajetória, quando um deles se aproximou e me perguntou: Wher` you going, latino? Não respondi e ele continuou a me seguir com aquela catinga de quem não toma banho há meses. Apressei o passo e ele veio firme, com os comparsas do outro lado da rua me olhando fixo. Mais um pouco e percebi que ele mexia nos bolsos. Pensei: buscando uma faca ou qualquer arma para me atacar. Fiz uma análise rápida. Ele era bem menor do que eu, franzino, mas estava em vantagem com os outros três do outro lado da rua.  Naquele momento, por sorte, vi que um ônibus se aproximava. Fui em sua direção e entrei para ir até qualquer lugar. Por coincidência, ele passaria pela Larimer St. Ufa, que alivio!
Uma informação: aos domingos, numa cidade média americana como Denver, os coletivos são raros aos domingos. Só mesmo um raríssimo para salvar um perdido nas suas ruas frias e desertas.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Aquilo que você imagina é aquilo que você sabe. Mallarmé


                     Downtown Denver - Foto Google


terça-feira, 1 de novembro de 2016


ALDEIA GLOBAL
No princípio foi um susto. Depois, fui me acostumando e comecei a vasculhar nas minhas coisas para ver se encontrava algo relacionado àquela época e que pudesse reavivar as adoráveis lembranças de uma viagem aos Estados Unidos, em 1965, patrocinada pelo programa Experiment in International Living.
O programa oferecia passagens de ida e volta e estadia em casas de família, cujo titular, profissional estabelecido, abria uma vaga no seu escritório/consultório para o estudante que se classificasse, a fim de cumprir um estágio que seria validado como regulamentar para o encerramento do curso. As vagas, oito, eram abertas somente para estudantes que estivessem cursando o último ano em suas faculdades e, naquele ano, eram oferecidas, somente, para o estado de São Paulo.
Preparei-me para a entrevista, que seria realizada nas dependências de um curso de inglês, em Campinas. De ônibus, me mandei pra lá.  No horário aprazado, apresentaram-se 62 estudantes, inclusive dois amigos meus de Ribeirão Preto, onde morávamos - o Ronaldo e o Manoel, estudantes de Medicina - e eu, da faculdade de Direito. Fizemos as provas e entrevistas e nós três fomos classificados. 
Em janeiro de 1965, viajamos para Highland Park, cidade da Região Metropolitana de Chicago, Ill, nos Estados Unidos, onde fomos recebidos no aeroporto pelas famílias que nos acolheriam.
Ainda faziam parte do grupo cinco estudantes de outras escolas paulistas, sob o comando do também estudante Renato Craide Cury, escolhido devido à sua vasta experiência em intercâmbios estudantis como líder de grupos. 
Na pequena cidade viramos a atração da temporada e nos enturmamos com os estudantes locais - alguns filhos dos casais onde estávamos hospedados - e fomos formando um grupo que se encontrava para diversos programas em Chicago: churrascos, passeios e atrações como teatro, cinema, música, galerias etc. 
Quanto ao susto, refiro-me à aparição no Facebook de uma amiga daquele tempo, Judith Koenigsberg - a Judy, da qual não tinha notícia há 48 anos -, solicitando minha amizade. 
Foi uma surpresa e tanto e aqui vale uma divagação! O mundo virou mesmo aquela aldeia global sugerida, em 1964, pelo filósofo canadense Marshal McLuhan, no livro Understanding Media, traduzido para o português como Os meios de Comunicação. Como poderíamos supor naquela época que um de nós, quarenta e oito anos depois, através de um programa de computador, pudesse localizar alguém completamente desconhecido, digo, sem nenhuma notoriedade, no interior do Brasil, com quem nunca mais se relacionou ou teve qualquer notícia? Aquela menina, hoje uma senhora, me contou que viu minha foto no Facebook, tocando violão, e lembrou-se de mim naquela época, cantando bossa nova, em Highland Park. Queloucura! E hoje, estamos nos entendendo como se fôssemos vizinhos e em contato pela vida toda. 
Belo Horizonte, dezembro 2013
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 

A vida necessita de ilusões ...
Então, para viver, necessitamos da arte a cada momento.
F. Nietzche

sexta-feira, 21 de outubro de 2016


RECUERDOS DE SAMPA 
Quando o Ronald, hoje no céu, me convidou para ir a São Paulo para visitar a LABACE 2012 - maior feira de aviões executivos na América Latina -, não titubeei. Pode marcar, Ronald, e vamos de avião de carreira, pois “o nosso” está na revisão anual e com essa máquina não  se brinca.
A secretária dele reservou hotel, restaurantes y otras cositas e partimos para a minha adorada pátria adotiva. Foi uma temporada muito boa, onde tivemos a oportunidade de conhecer mais de setenta aviões e helicópteros, a linha mais moderna destas maravilhosas máquinas voadoras. 
Combinamos com meus queridos amigos paulistas, um encontro no restaurante A Caverna do Bugre, que já contei numa outra crônica, mas, como faltaram algumas fotos e lembranças, quero registrar por inteiro aquela já saudosa noitada.
O Bugre mudou muito. Antes, uma taverna germânica com lambris e divisórias de madeira, bancos coletivos, mesas com toalhas em xadrez vermelho e um tempero especial do Seo Alexandre para as deliciosas carnes. Hoje, um restaurante legal, arrumadinho, mesas e toalhas normais, sem o charme das incalculáveis noitadas de muita conversa, cerveja e violão. Naquelas noites intermináveis, sob a proteção do Seo Manoel, garçom lusitano carinhosamente chamado de “galego” - que tanto nos serviu e protegeu numa época de dinheiro curtíssimo -, ficávamos repassando a semana vivida nos colégios, nas festas, os  novos namoros e paqueras, enfim, o Bugre era uma espécie de confessionário para os componentes daquela turma de super amigos, quase irmãos, que se encontravam todo santo dia. O Renato magro, que infelizmente nunca mais encontrei, passava lá em casa depois da aula, barba feita, paletó preto surrado – ele não tirava o paletó – para darmos uma chegada até à Rua Augusta, point da jeunesse dorée da Paulicéia Desvairada. Atravessávamos a pé pela avenida em frente ao Hospital das Clínicas, da qual não me lembro do nome, cruzávamos a Rebouças e, rapidamente, nos sentávamos no Flamingo, bar então recentemente inaugurado na Augusta. Nossas namoradinhas de plantão, a Esdraína e a Maud, pessoas formidáveis, logo chegavam. Meávamos a conta e voltávamos para o nosso reduto na Rua Teodoro Sampaio. Era um encontro que, muitos anos depois, passou a ser chamado de “amizade colorida”. Coloridíssíma! Gostaria muito de me encontrar novamente com as duas e o Renato magro.
O destino vai reservando para nós, pobres mortais, lembranças queridas que nos acompanham pela vida afora e vão ficando cada vez mais difíceis de serem revividas. Um dia, talvez, com muita dedicação e vontade, como fizemos naquele noite no Bugre, colocaremos todos juntos de novo. Estou torcendo por isto. 
Naquela gloriosa noite estiveram o Zezé e a Marília, o Renatinho, irmão dele, infelizmente falecido outro dia, o Jalil, meu colega do Ginásio Castro Alves e dos basquetes do Clube Pinheiros, do ginásio própriamente dito e do Ocara Basquete Clube, clube que criamos para os jogos de fins de semana na periferia. Foram, ainda, o Robertão, a esposa e o irmão Ruy, vulgo Ruyzinho, o Geninho e o Waldir. Foi uma noite memorável. 
PS. Lembrei-me de que o Dorival, inclusive, ganhou um jantar no Bugre quando ofertou ao Seo Alexandre o desenho de uma cara de índio, que foi emoldurado e dependurado logo na entrada do restaurante. O desenho não está mais lá, talvez esteja abandonado em alguma gaveta na casa dos filhos ou netos do Seo Manoel. Vou conferir!

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Independência é fazer somente o que você quer e não fazer, definitivamente, o que você não quer. O Coiote, primeiro e único

domingo, 9 de outubro de 2016

ADEUS PEUGEOT...ZÃO
Quarta-feira, cinco de outubro de 2016. Esta data ficará marcada para o resto da minha vida, como um renascimento, um novo aniversário.
Em plena tarde, 14h30min, entrei no meu Peugeot 405 SRI automático, que há 23 anos comprei, praticamente zero, do amigo Alexandre, diretor da Bordeaux. Como sempre, quando estaciono, deixo o câmbio na posição park (estacionamento) para mantê-lo imobilizado sem necessidade do freio de mão. Na rotina, como venho fazendo há tanto tempo, liguei o carro naquela posição e engrenei a marcha à ré, um ponto atrás. Daí, só me lembro de um estrondo, produzido pela trombada do carro num ônibus, na última pista interna da Av. Nossa Senhora do Carmo. O carro bateu tão acelerado na roda do ônibus parado no sinal, que voltou, subiu de novo no passeio e ficou ancorado a um passo da portaria de vidro. No ônibus um pequeno arranhão e um vidro quebrado na porta .
Foi tudo tão repentino e inesperado que quando percebi estava assentado numa cadeira à entrada da firma, tomando água e comendo um biscoito salgado. Um susto e tanto!
Meu filho Frederico me assistiu dali pra frente até levarmos o carro rebocado para um ferro-velho. Nas fotos, o estrago que torceu até o teto, caracterizando a perda total.
O episódio me convenceu de que recebi um aviso, uma advertência, um sinal de que a vida é muito frágil e está totalmente fora do nosso controle mantê-la ou perdê-la.
Naquela fração de segundo, eu poderia ter acertado uma ou diversas pessoas, sei lá. O carro atravessou um passeio largo onde normalmente transitam centenas de pessoas, e não pegou ninguém e nem eu fui atingido, pois essa avenida é, sem dúvida, uma das mais movimentadas de BH, especialmente naquela hora quando transitam carros, ônibus e motocicletas. Enfim, não morri nem matei ninguém. Muito abalado mas feliz, registro aqui minha permanência vivo, sem nenhum arranhão nem a consciência pesada do que poderia ter sido um desastre fatal de enormes proporções. Nem é bom pensar!
Perdi um companheiro, meu delicioso companheiro Peugeot, cuja perda só não é pior do que a do amigo Alexandre, que o vendeu pra mim. Soube que ele estava em casa, lendo jornal, quando sofreu um enfarte fulminante do miocárdio.
Como entender esses mistérios da vida ou da morte?
Belo Horizonte, 8 de outubro de 2016.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Entonces vamos a vivir porque para dormir hay siglos.”

Brinde caribenho de autor desconhecido

sábado, 1 de outubro de 2016

MISTY

      Acordei no sábado, dia 16 de dezembro de 2006, com uma música na cabeça, no coração e na boca: Misty. Passei o dia e a noite de sábado, o domingo inteiro e a segunda, cantando Misty, envolvido com sua melodia suave e a letra pra lá de romântica. Na terça-feira seguinte, assistindo ao programa do David Letterman, pela televisão a cabo, ouvi dele a seguinte notícia: “Sábado passado, foi comemorado o cinquentenário de lançamento do antológico LP Heavenly, magistralmente interpretado por Johnny Mathis e que marcou época com a música Misty, no coração de diversos casais de namorados.” A data desse lançamento fora 16 de dezembro de 1956. Fiquei abismado com a coincidência da provocação da minha memória com tal aniversário.
Música é um assunto importante na minha vida. Importantíssimo. Todos os dias, logo pela manhã, depois da barba e do banho, mantenho ligado o rádio da sala, numa emissora bem musical, enquanto tomo o café da manhã. No trabalho, na minha casa, ao lado do computador, tem sempre um rádio já sintonizado na mesma estação. Portanto, é música o tempo todo. Ainda, quando saio, o rádio do carro já está conectado na chave de ignição e a música vai variando entre as rádios e cds. Com todo esse envolvimento, a coincidência foi demais.
Busquei, então, na minha velha e boa coleção de Lps, o Heavenly, datado de 1960. Tenho o hábito de datar essas compras e agora vejo como é útil este procedimento, pois devo tê-lo comprado logo que foi lançado. Naquela época, as gravações demoravam um pouco para serem reproduzidas no Brasil.
Recolhi-me no meu canto, munido de diversas latinhas de cerveja bem gelada e comecei a ouvir o bolachudo. Nenhum arranhão, apesar de ter sido ouvido, intensamente, durante mais de 40 anos. Passei a tarde/noite ouvindo Misty e decidi presentear meus amigos, neste Natal, com uma cópia em CD. Passei a telefonar para cada um deles e contar sobre a boa nova. Consegui falar com a Lúcia, o Celinho e o Zé Carlos. Ninguém mais me atendeu, nem o Eloy, nem o Brant, nem o Carlos Alberto, nem o meu compadre Flávio que, como todo interiorano, agora dorme cedo. Também, já passava da meia-noite. Alguns retornaram meu chamado, no dia seguinte. O primeiro deles foi o Márcio, que ficou muito feliz com a notícia e revelou que a música tinha sido muito importante na vida dele com a Beth, na época do namoro. Enquanto falava com o Márcio, o Ronald chamou duas vezes. Liguei pra ele e relatei o acontecido. Ele me disse: “Pois é, Roberto, tome nota aí, porque tem mais uma coincidência incrível. Considero Mistya minha música. Em qualquer lugar que eu entro, onde tenha um conjunto, orquestra ou músicos tocando, instantaneamente, começam a tocar Misty. É impressionante! Outro dia, por exemplo, estava em Nova York quando soube da apresentação do Erroll Garner num daqueles night-clubs da Broadway. Consegui, com muita dificuldade, um lugar numa mesa e corri pra lá. O show foi ótimo, pois, além de Misty, ele tinha composto diversos outros clássicos da música americana. Tocou todos, menos Misty e fiquei decepcionado, pois não era assim que acontecia comigo. Num ato de coragem, levantei-me e pedi: Mr. Garnercould you please play Misty? Of course. And I`ll do it specially for you - respondeu ele. Ganhei, assim, uma homenagem única do autor da minha música, que tocou dirigindo-se a mim o tempo todo. Foi um concerto quase particular, trocando olhares com Mr. Garner. Como você sabe, é essa coisa de músico...” E completou: “Tenho diversas gravações de Misty, mas não tenho a do Johnny Mathis.”
Ah! E ele ainda me contou outra. Disse que um dia estava jogando vôlei na praia, lá no Rio, e sentou-se pra tomar água, ao lado do grande escritor Fernando Sabino, que jogava no outro time. Conversa vai, conversa vem, começaram a falar sobre música. O Fernando tocava bateria muito bem e até tinha um conjunto amador, de jazz, com amigos. O Ronald acabou lhe contando esse episódio com o autor de Misty, que também lembrou outro semelhante que havia acontecido com ele, também em Nova York. Naquelemomento na Big Apple, estava acontecendo uma apresentação do grande maestro Tommy Dorsey, por quem ele era fanático. Mr. Dorsey foi um dos maiores e melhores band-leaders americanos, de todos os tempos. Assim, o Fernando lutou para conseguir um ingresso para o espetáculo e conseguiu uma cadeira num daqueles gargarejos do Carneggie Hall. O ótimo cronista tinha, também, sua música preferida no repertório do maestro, que também não foi tocada naquela noite. Meio sem graça, mas com a mesma coragem do Ronald, levantou-se no meio da platéia e gritou: Mr. Dorsey, what about We`ll get itO maestro respondeu-lhe: Ok, Mister unknown, I`ll play it specially for youE, flertando com o Sabino, dedicou-lhe a canção, orquestrada magistralmente.
Para atualizar minha forma de reverenciar a linda canção, corri na Acústica e encomendei uma cópia em CD do meu antigo LP.
Belo Horizonte, dezembro/2006.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 
O clássico é algo resistente ao envelhecimento. Anônimo


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

OS CABELOS CACHEADOS  DE MARÍLIA EN LOS AÑOS CINCUENTA 

É de você,  Marília,  que  me lembro sempre quando penso naquela formidável  São Paulo dos anos 50.  No velho ônibus Sumaré-Centro  você,  de saia xadrez até o joelho, blusinha branca, meias soquete, sapatos de salto baixo e o indispensável colecionador. Foi ali que vi o seu nome. Pois é, Marília, você não usava uniforme e só no inverno, aparecia com o blusão vermelho com o M de Mackenzie, estampado na frente. Sua roupa era típica de uma estudante daquela época gloriosa. Os jeans ainda não existiam como moda, era só uma roupa surrada e resistente dos eternos caubóis e trabalhadores americanos. Mas sobressaíam na sua figura seus cabelos cacheados, talvez a marca mais registrada de um período inesquecível da minha vida. 
Que tempo bom aquele não?
Porque el  tiempo pasa y nos vamos poniendo viejos.
Nunca conheci você,  nunca falei com você  mas sua lembrança é tão boa que talvez pudesse ter havido um namoro entre nós,  quem sabe?
El amor no lo reflejo, como ayer.
Você era tudo de que eu gostava.
Naquele tempo, contavam  muitos pontos a discrição, a serenidade, a candura da inocência e a simplicidade nos gestos. Você tinha tudo isso e mais o que vale até hoje: a  beleza, a elegância, a educação fina e os cabelos cacheados.
Que lindos cabelos Marília!
Y en cada conversación, cada beso, cada abrazo. Se impone siempre un pedazo de razón.
Nosso ônibus vencia a av. Dr. Arnaldo, descia a rua da Consolação e aproximava-se do nosso destino: o Colégio Mackenzie. Era uma trajeto curto, meia hora no máximo,
mas cheio de trejeitos, de indagações, de indecisões e daqueles inesquecíveis olhares dos anos cinquenta que naquele momento, mudamente,  só nós dois entendíamos.
No ponto de ônibus da rua Maranhão descíamos mas tomávamos rumos diferentes.  Você era aluna do Curso Clássico e eu, do Científico. Naquelas alas separadas talvez continuássemos a pensar um no outro. Por mim,  tenho certeza  de que sim pois ficava imaginando como você voltaria para casa. De ônibus? Ou talvez aceitasse alguma carona por mim indesejada? Nunca conferia, tinha  medo das  surpresas... 
Nunca vi você no recreio. Sozinho, comia  o meu cachorro-quente com Coca-Cola em meio a um turbilhão de conversas, perguntas,  marcação de programas, discussão sobre os resultados das provas e tudo o mais.  Naquele ano, por motivos justos, tomei bomba.
Y vamos viviendo, entre las horas que van murriendo, las viejas discusiones se van perdiendo entre las razones.
Mas me restava sempre o consolo de que, no dia seguinte às doze e trinta, nos encontraríamos novamente naquele velho ônibus vermelho e branco.
Porque el tiempo pasa y nos vamos...
PS. Em itálico, a letra da lindíssima música, Años , de Pablo Milanes, cubano de boa cepa.
Belo Horizonte, julho /1982

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Quando o vinho desce as palavras sobem. (Provérbio português

domingo, 18 de setembro de 2016

Filarmônica de Minas na nova sala Minas Gerais

SALA MINAS GERAIS: O PRIMEIRO MUNDO É AQUI
A convite do Diomar Silveira, presidente do Instituto Cultural Filarmônica,
fui conhecer a Sala Minas Gerais, onde estava sendo apresentado um programa com os compositores russos Mussorgsky, Prokofiev e Tchaikovsky e o espanhol Pablo de Sarasate.  No intervalo, uma taça de Chardonnay bem frio.
Fiquei impressionado com a maravilha das instalações projetadas e construídas para abrigar o Instituto, a Rede Minas de Televisão e a Rádio Inconfidência, num ambiente harmônico, só podia ser, para oferecer aos mineiros tudo de melhor nas suas respectivas funções.
O auditório, perfeito, com palco tipo arena para a Orquestra, circundado por platéia baixa, frisas e camarotes de fácil e muito bem sinalizado acesso,
proporcionando conforto total aos frequentadores, acústica e som absolutamente perfeitos onde se ouve um singelo triângulo perfeitamente harmonizado com trompas, trompetes, harpa, fagotes, violinos, cellos e toda a parafernália musical.
Comentei com o Diomar, que gentilmente sentou-se ao meu lado, que havia comparecido, em 1965, à inauguração do Lincoln Center em New York quando, estudante intercambista do Experiment in International Living, tive a oportunidade de conhecer uma sala de espetáculos musicais. Lembro-me de que foi apresentado um concerto com o pianista chileno Claudio Arrau que nos deixou embasbacados com tanta precisão e fidelidade nos acordes magistralmente interpretados pelo mestre.
Hoje, com certeza, podemos afirmar que Belo Horizonte está equipada com uma sala de concertos do mesmo nível de todas as instaladas mundo afora.
A Sala Minas Gerais é um patrimônio que nos orgulha e envaidece.
Parabéns para quem no governo teve a idéia, para os arquitetos, para os construtores e parabéns também para nós, que ganhamos esta jóia para a cultura musical, radiofônica e televisiva mineira.
Estamos no primeiríssimo mundo.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“A vaidade ferida é a mãe de todas as tragédias.” Friederich Niestzsche   
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terça-feira, 13 de setembro de 2016

LIVRO DE GRAÇA NA PRAÇA 2016
Os lançamentos anuais do LGP - e lá se vão quatro anos com a minha participação -, nos proporcionam momentos muito agradáveis e felizes, quando nos dispomos a autografar para a meninada, na Praça Duque de Caxias, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Neste último domingo, 16/09, aconteceu o lançamento da edição 2016, que contou com a participação de 26 autores.  
Com alguma divulgação, a praça vira um palco cheio de meninos e meninas ávidos para adquirirem seus respectivos exemplares e sair mostrando para todo mundo. A alegria deles é contagiante e é o que mais nos emociona.
Como faço todo ano, registro os nomes mais frequentes em cada ocasião e, desta vez, os que mais se destacaram foram Gabriel e Alice. Até certo ponto, contei mais de duzentos autógrafos, o que muito me honra e alegra, pois sei que o projeto proporciona, para muitas dessas crianças, a oportunidade de iniciação ao hábito da leitura, indispensável à formação educacional e humana de futuros profissionais, então capazes de garantir um futuro próspero e feliz.
Parabéns ao José Mauro, Ronaldo Simões e Yêda Galvão pela iniciativa e coordenação do LGP! E vamos em frente!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é um palco. Nós todos somos atores.
W. Shakespeare



domingo, 4 de setembro de 2016

BELAS PERNAS VOADORAS
Em julho de 2008, foi-se a nossa deslumbrante bailarina Cyd Charisse, que enfeitiçou as matinês e soirèes dos cinemas Rio e Majestic, na gloriosa década de 50, em São Paulo. Suas pernas, verdadeiros monumentos à beleza feminina, eram tão perfeitas que haviam merecido um seguro de milhões de dólares para garantia e preservação de sua eficiência no balé e manutenção de sua perfeição na estética.
Chamo-a de nossa porque ela pertenceu a todos nós, apaixonados e cultuadores da beleza distante de suas pernas. Seus pares, Fred Astaire e Gene Kelly, que a solicitavam para palcos no mundo inteiro, eram o alvo do nosso maior ciúme, quando tocavam aquelas pernas para embalá-las em passos acrobáticos e perfeitos até pousarem no chão, magistralmente.
Hollywood produzia filmes para o entretenimento com muita música e dança que embalavam os namoros dos casais apaixonados. Lembro-me de mãos dadas com minha namorada, a Cecilinha  - sósia brasileira da Brigitte Bardot-, quando fomos ao Cine Rio, que ficava num prédio na Rua da Consolação, onde ela morava, no quarto andar. Eu falei tanto das pernas de Miss Charisse que ela ameaçou retirar-se do cinema.
Aquelas pernas nos encantavam, voando nos compassos de Cantando na Chuva, A Lenda dos Beijos Perdidos, Meias de Seda e Dançando nas Nuvens, alguns dos musicais de maior sucesso daquela maravilhosa gazela voadora.
Quando vi anunciada a morte de Cid Charisse, senti uma pontada no coração, porque nos devaneios do rapaz, que vivia numa cidade grande e poderosa como São Paulo, os sonhos tinham que ser alimentados, confrontando-se com a realidade de uma vida tocada a duras penas, com poucos recursos. Desde a bicicleta de segunda mão, comprada da zeladora do prédio, das roupas consertadas do pai e dos tios, da comida simples servida na mesa apertada da cozinha, enfim, aqueles sonhos com as pernas voadoras serviam para colorir um pouco a vida meio cinzenta, numa cidade escurecida pela garoa e pela falta de dinheiro. Voilá! Cyd Charisse dans nos rêves.
Numa dessas tardes cinemáticas de domingo, culminamos com um filme dela, no Majestic, na Rua Augusta, depois de uma longa noite pelos clubes Pinheiros e Paulistano e uma jornada boêmia pelos bares das avenidas São João e Ipiranga. Tudo a pé, com muita cuba libre e Pervitins na cabeça. A fantástica bailarina ficou tão mais acessível, com tantos estímulos alcoólicos e anfetamínicos, que eu e o Renatinho decidimos comprar uma passagem para Hollywood para conhecê-la de perto. Saímos do cinema dispostos a procurar uma agência de viagens e voar para os Estados Unidos, naquele dia mesmo. Sonhos vãos! Nossa inocência não nos permitia saber que, para sair do país, seriam necessários documentos próprios, legalizados e autorizados pelas embaixadas. Sonhos vãos!
Já restabelecidos e na maior ressaca, consultamos o papai sobre as possibilidades de levar a cabo nossa aventura hollywoodiana. Ele disse: “Como é bom sonhar, meninos. Mas não desistam, porque a vida merece seus sonhos.” Ajeitamos os colecionadores e fomos para a aula ginasial, ainda extasiados com as belas pernas voadoras.
Ficou, para sempre, a nossa saudade
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Enquanto os sábios discutem as incertezas, os imbecis atacam de surpresa.

Millôr Fernandes

terça-feira, 30 de agosto de 2016

PRESSÃO ATMOSFÉRICA
A cidade de Quito, capital do Equador, está a 2.850 m do nível do mar. Esta altura é enorme, quando sabemos que o ponto mais alto do Brasil, o Pico do Itatiaiuçu, está a 2.790m. É muita coisa.
Estou falando nisto porque a Seleção Brasileira enfrentará a seleção equatoriana esta semana num estádio daquela cidade.
Quando os comentaristas esportivos tratam do assunto, eles sempre se referem à dificuldade de locomoção dos jogadores naquelas grandes alturas, bem como, na velocidade da bola que, com maior pressão atmosférica, toma rumos diferentes dos que os craques gostariam que tomasse. É uma dificuldade a mais para a jovem equipe acostumada a jogar na maioria das vezes ao nível do mar.
Os jogos em La Paz, na Bolívia, também, causam o mesmo tipo de sensação com a pressão atmosférica, pois está localizada num platô ainda mais alto, a 3.660 m..
Lembro-me de que, quando desembarquei em Quito, senti um peso na cabeça e nos ombros, provocado pela pressão atmosférica. Diferente do que ocorre aqui. Na rua, por exemplo - para nós de Belo Horizonte a 850 m de altura -, a diferença é de mais de 2.000 m, uma loucura! No meio daquela visita, quando tive a oportunidade de participar de um seminário de desenvolvimento internacional, ainda pude ficar com um pé no hemisfério sul e outro no hemisfério norte. A linha do Equador passa, justamente, a poucos quilômetros da cidade. É um sítio interessante onde foi erigido um monumento exatamente naquele quadrante do planeta.
Vamos acompanhar a movimentação dos nossos jogadores e da bola para ver se percebemos essa diferença atmosférica.
E que vença a Seleção Brasileira!
FRASES. PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Não quero saber de suas leis, quero saber de seus intérpretes.” Martin Luther King




domingo, 21 de agosto de 2016

Fachada majestosa do Cibe Marrocos, na inauguração (Foto Google)
OS CINEMAS DE SÃO PAULO: MEMÓRIA REVISITADA
Quando eu, infeliz, recordava aqui na semana passada a tragédia ocorrida com o Cine Marrocos em São Paulo, recebi o telefonema de um amigo/irmão daquela gloriosa época e fomos catando na memória os momentos felizes de nossa temporada juntos, especialmente naqueles tempos de surgimento de vários cinemas na cidade, como o Cine Rio, na Rua da Consolação, quando na sua inauguração até arranjamos namorada. Fiquei com a Cecilinha, que morava no prédio em cima do cinema e era a cara da Brigite Bardot, e ele, com a Lúcia, que morava em frente.
Já o Majestic, na Augusta, novinho, também virou um dos cinemas do momento. As cadeiras eram confortáveis e modernas e tinham um movimento de acomodação como as do Marrocos.
O Cine Regência surgiu bem lá no final da Rua Augusta e lembramo-nos ainda do Cine Ritz, na esquina de Consolação com a Av. Paulista, mas este era velho e mal frequentado.
Todos nós da turma da Arruda Alvim tínhamos menos de 14 anos e fazíamos mágicas para assistir aos “inocentes” filmes proibidos para menores.
Durante o telefonema, voltou-nos à lembrança também a carona num caminhão de bananas que nos pegou em Itanhaém e nos levou até o bairro do Brás, em São Paulo, onde o meu amigo/irmão entrou numa padaria para conseguir algum dinheiro a fim de pegarmos os bondes até Pinheiros, onde morávamos. O dono da padaria deu a ele um sonho que dividiu comigo até chegarmos a casa a pé, esgotados! E, divertidamente, veio a recordação do dia em que saímos do Clube Pinheiros e fomos para casa também a pé, é claro, até  a Rua Teodoro Sampaio a quilômetros de lá,  com alguns comprimidos de Pervitin na cabeça, que dias antes havíamos comprado para alguma emergência, numa farmácia no Largo do Arouche.
Esse amigo/irmão é o arquiteto Luiz Armando Filinto da Silva, o “Mando”, testemunha ocular dessas e de todas as peripécias que aprontamos em São Paulo. God bless you my friend.
E muito obrigado pelo seu telefonema.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

“Mulheres são como saquinhos de chá. Você nunca sabe o quanto elas são fortes até colocá-las na água quente.” Eleanor Roosevelt

sábado, 13 de agosto de 2016

O CINE MARROCOS
Na gloriosa década de 1950, quando todos os países do ocidente iniciavam uma recuperação moral e econômica, saindo da nefasta influência da Segunda Guerra Mundial, o Brasil e, principalmente São Paulo, surgia como um grande pólo de desenvolvimento e esperança para dias melhores. A cidade florescia com sua mescla de raças e credos, inaugurando points importantes na vida paulistana como a emergente Rua Augusta, o Conjunto Nacional na Av. Paulista, a Oscar Freire comercial, enfim, era uma nova e promissora etapa para aquela geração, a minha geração.
Os cinemas Metro, Marabá e Ipiranga, no “centrão” da cidade, reinavam silenciosos nas suas exuberantes construções art decô.
Lembro-me, então, de uma inauguração importante, a do Cine Marrocos, com suas majestosas colunas que abriam para uma entrada luxuosa e bem decorada. Na porta, estacionamento permitido, os carrões americanos desfilavam suas linhas com frisos cromados em toda sua volta. Uma beleza!
Lembro-me de que papai estacionou o poderoso Mercury preto 1950 na porta e entramos para assistir As Neves do Kilimanjaro.
Papai, mamãe, Lúcia e eu extasiados com o luxo do cinema. Na plateia, poltronas de veludo verde – chiquérrimas! O público sempre bem vestido e elegante frequentemente assistia aos grandes lançamentos de Hollywood.
E, recentemente, triste e decepcionado, assisti a uma matéria na GloboNews, apresentando o Cine Marrocos como sede do MSTS – Movimento dos Sem Teto de São Paulo, onde uma quadrilha havia se instalado para chefiar roubos e assaltos no centro da cidade. O vídeo apresentava uma entrada suja, emporcalhada e pichada daquele que havia sido um dos símbolos da emergente riqueza paulista. Uma pena!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

“Se você se sente só quando está sozinho, é porque está em má companhia.” Jean Paul Sartre
(foto Google)

sábado, 6 de agosto de 2016

MEIA-NOITE EM RIBEIRÃO
Numa daquelas noites memoráveis, quando saíamos para mais uma serenata tivemos uma recepção inesperada. Decidimos iniciar a noitada seresteira num pensionato da vizinhança cheio de garotas lindas. Lugar ideal para ganhar beijinhos à distância, pedidos de músicas e até umas palminhas incontidas. Com os violões e marimba a tiracolo, eu, o Marquinhos, colega da Faculdade de Direito, o João e o Fred – estes eram da Medicina - éramos rotineiramente os seresteiros oficiais da cidade. E, naquela noite, até àquela hora, nada fugira da rotina.
No Pinguim, bar boêmio bem no centro da cidade, encontramo-nos para fazer o aquecimento das vozes e a escolha do repertório. Depois de muitos chopes intercalados por doses de Steinheger, decidimos pelas músicas mais românticas que, sabíamos, iriam agradar as meninas. Muitas vezes, elas ficavam tão apaixonadas que até ameaçavam se atirar pelas janelas para cair nos nossos braços. Mal sabiam que não conseguiríamos sustentá-las nem por um segundo, pois estávamos sempre borrachos.
Saímos, então, a pé mesmo, cantando pelas ruas, como um puro grupo de seresteiros originais. Éramos tão duros que não tínhamos carros nem outras facilidades.  Às vezes, como convidados, fazíamos serenatas sofisticadas e com a maior mordomia. As meninas agraciadas com a seresta abriam suas casas para receber os namorados e os simpáticos músicos. Rolava whisky importado, salgados finos, uma festa! Já chegávamos botando banca a bordo de carrões importados dos fazendeiros apaixonados.  Um luxo só!
E naquela noite, início do ano letivo, o pensionato estava cheio. Começamos a cantoria no mesmo embalo de sempre, muita bossa-nova e algumas canções de nossa própria lavra.  
O pensionato ficava num prédio fininho, antigo, de uns três andares no meio do quarteirão, espremido entre outros prédios enormes e, naquele lugar, a serenata não ficava individualizada e acabávamos cantando para toda a vizinhança. Daí porque o agrado não era unânime.
Eis que, naquela noite, levamos baldes d`água na cabeça. Felizmente, o calor infernal de Ribeirão Preto nos conteve. Enxugamos os violões e partimos para a próxima esquina, pois os seresteiros são assim, se arriscam muito...
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“É preciso fazer o mundo inteiro cantar. A música é tão útil
como o pão e a água.” Heitor Villa-Lobos

  

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A ORIGEM DA CAPITÃ
Assistindo a um dos jogos da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei, identifiquei a sua capitã, Fabiana, com uma fisionomia que me lembrava alguém. Era grande a semelhança dela com aquele senhor com quem convivemos por mais de 50 anos, na Fazenda Boa Esperança, no município mineiro de Santa Luzia. Era uma super fazenda que havia sido comprada pelo pai do meu sogro, nos idos de 1930, com o objetivo de iniciar a criação de gado de raça.
Ao final da década de 1960, depois de uma temporada morando em São Paulo, voltei a morar em BH e logo iniciei o namoro com a Carminha.   Um dos nossos programas comuns era passar os fins de semana com a família naquela fazenda, que nos abrigou em namoricos furtivos pelas matas de bambus, eucaliptos e mangueiras, onde nos esgueirávamos para uns abraços e beijinhos. Naquelas escaramuças, éramos sempre vigiados pelo capataz/gerente, Alberto Claudino, montado a cavalo ou a pé, uniformizado com calça azul marinho, botas e um slack cinza de lonita com o nome da fazenda bordado no bolso. Era a sua marca registrada.
Num programa produzido pela GloboNews há alguns dias,  confirmei minha desconfiança de que a capitã da Seleção Brasileira de Vôlei,  Fabiana Claudino, é de fato neta do Alberto. E essa confirmação veio quando o pai dela, Vital Claudino, foi apresentado como motorista de ônibus interestadual. Ele também, a cara do Alberto. Então, lembrei-me de que uma vez fui buscar o papai na Rodoviária de BH - ele chegando de Ribeirão Preto -, foi quando vi o nome no crachá do motorista: Vital Claudino.Logo perguntei: Por acaso o senhor é de Santa Luzia? Ele respondeu que sim, e emendei: E o senhor conhece o Alberto Claudino? Ele é meu pai.
Com essas lembranças confirmei a procedência da capitã da Seleção, o que muito nos orgulha por ter conhecido o honrado avô, que tanto nos protegeu e ajudou em Santa Luzia.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é um emaranhado de acontecimentos entre as pessoas que, às vezes, dá certo. Roberto Brandão

 O Caio comigo passeando na Fazenda