RABBIT HUNTING
Num dia de janeiro de
1977, partimos para uma viagem curiosa e marcante a Lund, na Suécia, com
escalas em Paris, Hanover, Kopenhagen e Malmo. Éramos dois brasileiros, o
Jarjour e eu, mais o laticinista nascido em Lyon, na França, o Barbier.
Arrumamos nossas malas
com roupas bem pesadas, pois sabíamos do frio naquela região do planeta. As
vestes tropicais seriam incapazes de agasalhar naquelas temperaturas sempre
abaixo de zero. Assim, cachecol inglês, blusa de lã, carinhosamente tricotada
pela mamãe, meias mais grossas, calça de sarja grossa, luvas de couro
americanas, sem forro, e mais umas bobagens pretensiosamente aquecedoras. Como
eu, meus companheiros também estavam despreparados. Partimos, então, com todo o
ânimo e a honrosa missão de comprar uma empacotadeira, para lançamento do Leite
BIGem Belo Horizonte, pioneiro no país, com os famosos “leites de caixinha”.
A primeira classe da
Varig era realmente um luxo. Champagnee
caviar logo no embarque; um lauto jantar quente com sopa de aspargos, lagosta à belle meuniére, acompanhada de
um maravilhoso riesling alemão, rigorosamente a 11º C; cassata
e expressos, licores, bombons, etc. E um sono tranquilo, em seguida, para
atravessar o Atlântico em paz.
Com o avião vazio, o
Jarjour pediu ao Barbier, ao seu lado, que trocasse de lugar, pois ele preferia
dormir sem o desagradável cheiro das meias do francês, que já tinha chutado a
botina para debaixo da poltrona.
Depois das escalas,
sem qualquer atropelo, desembarcamos na belíssima Kopenhagen, cuja temperatura
era de –10º C. Empacotamo-nos com os casaquinhos mineiros e iniciamos o
primeiro dos quinze dias gelados da missão. Para minha sorte, o Ronald havia me
emprestado um casacão de lã verde militar, que me rendeu o apelido de Her General.
Passamos o dia
conhecendo um pouco da cidade, onde nos informaram que deveríamos tomar um ferry-boat com destino a Malmo, na Suécia, do
outro lado do Mar Báltico e, de lá, pegar um trem até a pequena cidade de Lund,
bem ao sul, onde ficava a fábrica e os escritórios da Tetra-Pak.
À custa de muita
vodca, atravessamos o mar gelado e desembarcamos numa estação ferroviária, onde
um velho trem a vapor aguardava para levar os trabalhadores para casa, depois
de um longo dia de trabalho no país vizinho. Parecia um daqueles
trens-cargueiros com passageiros de olhares curiosos e cansados, barba meio
crescida e semblante abatido, carregando umas sacolinhas que deviam ser suas
marmitas. Uns liam jornais amarelados, outros jogavam com pedrinhas plásticas
um jogo diferente, desconhecido para nós; alguns ficavam recostados nas
janelas, tirando uma soneca, enfim, um legítimo trem suburbano com sua exótica
população. Nossos companheiros de viagem nos contaram que muitos suecos fazem
diariamente esse trajeto, pois trabalham na Dinamarca e moram na Suécia.
Sentimo-nos totalmente
avulsos no meio daquela gente mas, com bastante fair-play, tentamos nos misturar como se
fizéssemos parte daquela turma de trabalhadores fatigados. A viagem foi curta,
uma hora e meia, e chegamos em
Lund. Na estação, já nos
aguardavam o presidente e o vice da Tetra-Pak, que nos levaram, num carro só,
pois estavam praticando o transporte solidário, em pleno início da crise do
petróleo. Apertamo-nos para caber na van e rumamos para o Hotel Lundia. O
presidente nos deu uns minutos para descarregar a bagagem e descemos para
jantar no restaurante do hotel. Comidas diferentes regadas com bom vinho
francês e um convite inusitado: no dia seguinte, um sábado, ele havia combinado
com os amigos para uma caçada aos coelhos e, gentilmente, nos convidava para
acompanhá-lo. Espertos, Jarjour e eu agradecemos, desculpando-nos por não
termos as roupas apropriadas, mas o Barbier, corajosamente, aceitou.
Na manhã seguinte,
tomávamos o café, quando o Barbier apareceu para narrar a caçada. Parecia um
pinguim. Depois de um whisky duplo puro, contou-nos que o
presidente e os amigos haviam chegado às cinco da manhã para buscá-lo, vestidos
com uniforme de inverno sueco. Calça justa sobre ceroula de lã, botas até o
joelho, blusa de tricô com gola rolê, tapa orelhas, óculos de neve, gorro russo
de pele, um over-coataté o
calcanhar, enfim, armas e munições para exterminar um exército de coelhos. E ele,
coitado, com a roupinha de Minas: camisa de algodão, suéter e meias normais,
sapatos comuns, luvas finas, enfim, um sério candidato a uma pneumonia tripla.
Com pena, emprestaram-lhe uma capa, entregaram-lhe a carabina e se embrenharam
no mato. Depois de um fôlego e um segundo cow-boy,
considerou que tinha sido um péssimo programa, pois todos haviam se escondido
numa moita - eram quatro -, onde ficaram aguardando os coelhos. Ele
embrulhou-se na capa cobrindo até a cabeça, escondendo o rosto e as orelhas e
sem enxergar nada, pois não tinha os óculos apropriados.
Uma tragédia! Com os
pés e as mãos congelados, tremendo, fizeram um plantão durante umas duas horas
- ele calculava -, pois havia perdido a noção do tempo. Disse ainda que,
apoiado na espingarda enorme, dormiu e só acordou com um estrondo quando todos
dispararam ao mesmo tempo. Havia aparecido um único exemplar do inocente
pequeno mamífero leporídeo, que foi estraçalhado pelo tiroteio ao pé de uma
árvore.
Havia acabado a caçada
a – 45º. C.
(Foto Google)
FRASES,
PENSAMENTOS E AFORISMOS
“A verdadeira arte de
viajar... A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se
estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo...” Mario Quintana