quarta-feira, 27 de julho de 2016

A ORIGEM DA CAPITÃ
Assistindo a um dos jogos da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei, identifiquei a sua capitã, Fabiana, com uma fisionomia que me lembrava alguém. Era grande a semelhança dela com aquele senhor com quem convivemos por mais de 50 anos, na Fazenda Boa Esperança, no município mineiro de Santa Luzia. Era uma super fazenda que havia sido comprada pelo pai do meu sogro, nos idos de 1930, com o objetivo de iniciar a criação de gado de raça.
Ao final da década de 1960, depois de uma temporada morando em São Paulo, voltei a morar em BH e logo iniciei o namoro com a Carminha.   Um dos nossos programas comuns era passar os fins de semana com a família naquela fazenda, que nos abrigou em namoricos furtivos pelas matas de bambus, eucaliptos e mangueiras, onde nos esgueirávamos para uns abraços e beijinhos. Naquelas escaramuças, éramos sempre vigiados pelo capataz/gerente, Alberto Claudino, montado a cavalo ou a pé, uniformizado com calça azul marinho, botas e um slack cinza de lonita com o nome da fazenda bordado no bolso. Era a sua marca registrada.
Num programa produzido pela GloboNews há alguns dias,  confirmei minha desconfiança de que a capitã da Seleção Brasileira de Vôlei,  Fabiana Claudino, é de fato neta do Alberto. E essa confirmação veio quando o pai dela, Vital Claudino, foi apresentado como motorista de ônibus interestadual. Ele também, a cara do Alberto. Então, lembrei-me de que uma vez fui buscar o papai na Rodoviária de BH - ele chegando de Ribeirão Preto -, foi quando vi o nome no crachá do motorista: Vital Claudino.Logo perguntei: Por acaso o senhor é de Santa Luzia? Ele respondeu que sim, e emendei: E o senhor conhece o Alberto Claudino? Ele é meu pai.
Com essas lembranças confirmei a procedência da capitã da Seleção, o que muito nos orgulha por ter conhecido o honrado avô, que tanto nos protegeu e ajudou em Santa Luzia.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é um emaranhado de acontecimentos entre as pessoas que, às vezes, dá certo. Roberto Brandão

 O Caio comigo passeando na Fazenda          

sábado, 16 de julho de 2016

MARINA DAS DORES

Sempre perto de nós, de mim e da Lúcia, a tia Marina tem sido nossa step-mother 
a vida toda. Com amor e carinho, tomo a liberdade de escrever uma brincadeirinha sobre ela. Na verdade, nunca conheci uma pessoa tão alegre e dolorida quanto ela. Não sei como foi na sua época dourada de campeã mineira de tênis pelo Minas Tênis Clube, que honrou tanto o nome. Também não me recordo bem desta época, pois era muito pequeno e morávamos em São Paulo, longe dos esportes mineiros.
Nossos encontros mais intensos foram nas temporadas em que o papai e a mamãe se mudaram para os Estados Unidos (1947 e 1951) quando então ela assumiu as funções de mãe, tia, avó, etcétera e tal, em tempo integral. Bons tempos aqueles!
Lembro-me muito de que, entre uma dor e outra, ela nos vestia com os uniformes do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, para onde ela nos levava de bonde toda manhã e buscava na hora do almoço.
Belo Horizonte era muito pequena e provinciana, no entanto, os bondes nos conduziam com segurança e muita precisão nos horários. Para irmos ao Grupo, na Av. Paraúna, pegávamos os amarelos na Rua Ceará, que seguiam até a Praça Diogo de Vasconcelos, ponto final e retorno. Apesar da famosa padaria Savassi já estar lá, instalada, ainda conservava o nome original.
Era uma infância muito feliz na casa da vovó Augusta. O almoço, uma delícia que a cozinheira/arrumadeira/faz tudo, Maria, novinha no primeiro emprego, preparava com pratos gostosos e saudáveis, pois a vovó comprava do Joaquim as verduras e legumes fresquinhos trazidos no lombo de uma velha mula. 
Desdentado e coxo, Seu Joaquim subia e descia as ladeiras da cidade com suas preciosidades, cultivadas na própria horta. Ele gostava muito da vovó e sua sinceridade era pública e notória. Um dia ela lhe perguntou como ia a mulher dele, se ela estava boa e ele respondeu sem cerimônia: “Ela tá boa, dona Augusta, e bem menos escangaiada que a senhora.”
Na casa da vovó moravam o tio Zé e o tio Tonico, filhos solteirões, na época beirando os cinquenta anos. Eles cuidavam do quintal e mantinham, cada um o seu, belíssimos orquidários. A massa do macarrão era feita em casa, os molhos eram preparados com tomates e pimentões colhidos na hora, na horta que ela mesma cultivava. Um verdadeiro luxo!
Tinha de tudo a dois passos da cozinha, onde um antigo fogão de lenha mantinha uma enorme criação de escorpiões e um forno onde se assavam os pãezinhos para o café da manhã e o lanche. O quintal era uma beleza! Ao fundo, havia uma touceira de bananas, alguns pés de variadas laranjas, dois limoeiros, uma caramboleira, um pé de fruta de conde, mangueiras de diversas espécies e um abacateiro que fazia sombra no quarador de roupas ,
Numa coluna, ao lado do fogão, ficava o poleiro do Lôro. Papagaio esperto que falava, entre outras coisas, o próprio nome, ensinado pela vovó, sua dona: bom-dia, boa-tarde e boa-noite faziam parte do vocabulário dele e nas horas certas. Sabia, também, muitos palavrões: merda, fio da puta e pqp. Ele era muito esperto e comia frutas e pão molhado que a vovó lhe dava toda manhã. Ela só parou de alimentá-lo quando pegou uma pneumonia brava que a deixou na cama até os setenta e cinco anos.
Lembro-me de que eu me sentava aos pés da cama dela para ouvir suas histórias e, tipo Brandão, ficava batendo os pés no estrado. Era quando ela, cabelinho cinza puxado para trás me olhava com ternura e pedia: “Não bata com os pezinhos na cama não, filhinho, porque incomoda a vovó, viu?” 
E ali, na casa da vovó, passamos dois belos períodos com a tia Marina, o tio Zé e o tio Tonico. Sobre estes dois, vale registrar: tio Zé, atleticano doente, sofria de úlcera de estômago e vivia de mau humor. Era magrinho e, sempre, com uma caixinha de bicarbonato no bolso. Saía bem cedo para trabalhar no DER – Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais. Já o tio Tonico, mais novo e fortão, capitão-dentista da Força Pública, americano por amor e convicção, havia jogado como back no scretch do América Futebol Clube. Ainda como controvérsia, mas sem resultados práticos, o tio Tonico era espírita e o tio Zé, um ateu radical. No quesito religião, os dois não se entendiam, mas se respeitavam muito. Quando havia sessão espírita lá em casa-  toda quarta-feira -, o tio Zé só aparecia depois das dez, para não se incomodar com as velas acesas, os espíritos baixando e todo mundo rezando à mesa da sala de jantar.
Já a Maria, cozinheira de forno e fogão, gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho. Jogava todo dia e ficava perguntando se alguém tinha sonhado com alguma coisa e, quando alguém contava o sonho, ela fazia suas deduções. Um dia lhe contei que tinha sonhado que estava no jardim, quando vi um grilo verde pulando. Ela logo deduziu: “Isso dá borboleta, Bebeto. Sonhar com grilo tem que jogar na borboleta”. Acreditei naquela loucura e pedi uma moeda de um mil réis ao tio Tonico, para a Maria jogar. E não é que deu borboleta! Ganhamos cinco mil réis e, dali pra frente, todo dia tinha que contar a ela os meus sonhos. Por azar, nunca mais ganhamos,
Os meus amigos e vizinhos, Wilton e o irmão Eduardo, Décio Freire, o Destão Cabeçudo; Clermont Gosling, Rodrigo e Petrônio Zica, Eduardo e Júlio Brasil passavam lá em casa todo sábado para jogarmos uma pelada na Avenida Paraúna, hoje Getúlio Vargas, onde havia um canteirão de grama no meio, entre rua Aimorés e Bernardo Guimarães.
Ainda jogávamos bente-altas e finca, rolávamos nossos carrinhos de rolimã pelos passeios esburacados, trepávamos em árvores para chupar tamarindo - havia dois pés enormes, no quarteirão em frente de casa -, soltávamos papagaios, que nós mesmos fazíamos. Enfim, era uma infância saudável e feliz.
Voltemos a “Marina das Dores”, que descia a Rua Marquesa de Alorna para ir à casa da vovó, atravessando por um lote vago na Rua do Ouro. Ela ainda pulava uma pinguela na Avenida do Contorno e pegava a Rua Bernardo Guimarães até o número 305. A visita diária era para cuidar do Bebeto e da Lucinha, sobrinhos queridos. 
O telefone da casa da vovó, coisa raríssima na época, me lembro, era 2-1188.
Com um pulo na história, volto a me lembrar da tia Marina, já casada com o dentista-violonista e super bem humorado Nelson Emiliano Orsini, vulgarmente conhecido como “Nirsinho de Brito, atleticano, violeiro, cachaceiro futebol clube”. Apelido que ele mesmo criou quando se apresentava para alguém. 
Tio Nelsinho era uma pessoa especial e se dedicou à tia Marina com o maior carinho, cuidando das suas diversas dores a vida toda. Para ela, era um verdadeiro anjo da guarda. Ele também gostava de um churrasco caprichado, uma cachacinha e uma cerveja gelada. Companheiro de Noel Rosa e Ari Barroso, bem como de toda uma geração de músicos da Rádio Nacional, da Rádio Inconfidência e adjacências, acompanhou grandes cantores como Francisco Alves e tantos outros. Ele era especial mesmo!
Muitos anos depois, tendo morado em São Paulo por dez anos, voltamos para Belo Horizonte e por um período fui morar com o tio Zé, na Rua das Camélias, na Nova Suíça. Tio Tonico morrera prematuramente aos sessenta anos, de um enfarte fulminante. Assim, tio Zé vendeu a casa da vovó e construiu uma casinha pra ele. Projeto próprio, bem simples, com um quintal grande cheio de passarinhos, orquidário caprichado e uns vira-latas pra latir muito e não morder. 
Aos domingos, ele saía cedinho para ir ao Mercado Central fazer as compras da semana. Lembro-me bem dele naquelas manhãs, olhos azuis da cor do mar, sorriso mais solto depois que se livrou da úlcera, pernas tortas, descendo a Rua das Camélias com duas sacolas fechadas e enroladas debaixo dos braços, de sandálias de dedo e de bermudas, para pegar o lotação na Rua Desembargador Barcelos. Logo que chegava, sacolas cheias, Maria ia desembalando as compras e ele pegava uma cerveja e me chamava: “Vem cá, Bebeto, vamos esperar o Nelson e a Marina.” Sentávamo-nos na varanda onde havia um jogo de cadeiras e mesa de ferro, com tampo de vidro, a cerveja gelada e uma brisa agradável. 
Logo, soava a buzina – pan,paranpan,panpan – e surgia o Studbaker preto dobrando a esquina. Mais cervejas, um almoço caprichado com arroz, feijão, nhoque, capeleti com molho de frango, goiabada e doce de leite com queijo, café esturricando de quente e muita felicidade. E a “Marina das Dores” sorrindo, feliz naqueles domingos quentes dos anos 1960.

Republico esta crônica, escrita em dezembro de 1960 e publicada aqui no blog em 2010, em homenagem à minha querida tia Marina, que faleceu no domingo passado, dia 10 de julho, aos 99 anos e quatro meses. de mãos dadas comigo e com o meu primo Maurício, também sobrinho dela. Ela fechou definitivamente os olhinhos como um passarinho e manteve aquele sorriso alegre de uma pessoa feliz.
Vai com Deus, querida!

MISSA DE SÉTIMO-DIA NESTE DOMINGO, 17 DE JULHO, ÀS 19:30, NA IGREJA DE NOSSA SENHORA RAINHA, NO BELVEDERE.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“É preciso fazer o mundo inteiro cantar. A música é tão útil

como o pão e a água.” Heitor Villa-Lobos

sábado, 9 de julho de 2016

TENOR ENGASGADO
Desde pequeno, sempre gostei de cantar.
Em Ijuí, no Rio Grande do Sul, espantava as galinhas no quintal, cantando uma ária dramática com uma vozinha em formação, mas bem forte. As galinhas corriam de medo daquele guri com voz grossa que, rápido, buscava as ovos nos poeiros para a mamãe fritar para o café da manhã. Papai, soldado, precisava sair bem alimentado para enfrentar as rotinas do dia como o único 1º Tenente médico de um batalhão de mais de 2.000 homens naquele quartel de fronteira. Montado no Guri, um Pecherón branco que o ordenança trazia selado às cinco da manhã para a árdua jornada do dia, papai, no trote, saía fortificado com os ovos que o guri havia colhido.
Bem antes, no Rio, eu era convocado para apresentar o vozeirão em todas as festinhas infantis na pensão da Rua Constante Ramos.  
Algum tempo depois, já em São Paulo e com o violão da Lúcia, minha irmã, eu voltava a cantar os tons da bossa-nova numa interpretação bem personalizada que alguns, para homenagear-me, diziam que minha voz se parecia com a voz do Dick Farney.
Nos Estados Unidos, certa vez, gravei um LP com sambas cantados no tom de Lá, bem próprio para o timbre de tenor.
E a vida foi passando e eu me frustrando, até que um dia resolvi fazer um teste para um coral que estava selecionando vozes para compor seu quadro, em Belo Horizonte. Na sede da FIEMG, os nervosos concorrentes apresentaram suas habilidades vocais e fui selecionado como tenor. Era uma vocação? Foi uma glória que não consegui atender por absoluta falta de tempo. Os ensaios eram diários e eu não tinha tempo para nada. Vivia um momento de plena dedicação ao começo de uma vida como publicitário num mercado muito competitivo em Belo Horizonte e não sobrava tempo para a música, muito menos para o iniciante tenor. O publicitário venceu, o tenor, morreu!
Um viva aos colegas Pavarotti, Carreras, Domingo e Bocelli.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Não há esperança sem medo nem medo sem esperança. Baruch Espinoza filósofo holandês (1632-1677) 


sábado, 2 de julho de 2016

NOITES MAL DORMIDAS
Creio que todos nós lembramos mais das piores e mal dormidas noites do que das melhores, o que é um bom sinal, pois significa que a maioria delas foi bem dormida. No meu caso, sou colecionador dessa extravagância do mal-dormir.
Nos automóveis, posso até citar as marcas deles todos, a começar pelo Dauphine do Dorival, quando fomos passar o Carnaval acampados na Ilha Bela, litoral-norte de São Paulo. Havia sido convidado de última hora sem lugar nas barracas, com todos seus catres ocupados. Era uma para os homens e outra para as mulheres. Felizmente, dormi uma só noite no carro, porque na segunda descobri um jeito melhor. Ou ficava nos bailes ou perambulava pela noite até de manhã, quando, então, meus amigos acampados se levantavam e iam com suas namoradas para a praia. Aí, era só escolher a vaga e mergulhar no sono profundo com as odaliscas e havaianas da passada noite.
Outro carro/hospedagem foi o Volkswagen do meu amigo Celso “Quatrocentão”. Naquele “fusquinha” foram diversas as noites em viagens pelo interior de São Paulo e pelo litoral - Guarujá, Santos, Ilha Porchat, Praia Grande, São Vicente e até mesmo uma chegada ao Rio, quando certo dia lá amanhecemos sem pouso definido. Acho que essa foi a pior das noites porque o dono do carro enroscou-se no banco de trás e para mim sobrou a poltrona do carona. Acordei com o guarda-vidas batendo na janela e advertindo: É proibido estacionar aqui na Avenida Atlântica, moço. Cê vai ser multado.
A noite da Ilha Porchat também foi trágica, pois além de muito quente veio acompanhada de pernilongos,
Outra bem curiosa foi num Pontiac, numa cidade do interior de Illinois/EUA, a 25 graus abaixo de zero.  Um policial, educadamente,  perguntou: You both are sure to be sleeping here? Congelados, respondemos, - Yes, Mr. Policeman. Thanks to protect us. Ocorre que o Pontiac aquecido era muito confortável, com bancos largos de couro e tudo mais...
Já num Gordini II, este do papai, foram muitas noites no calor escaldante de Ribeirão Preto. Eu ficava “com vergonha” de chegar de madrugada e dormia no carro para me apresentar só pela manhã. Felizmente, não dormia sozinho e mamãe, já coando o café e esquentando o pãozinho de sal, ficava muito feliz quando me ouvia entrar.
Noite diferente passei no Karmann-Ghia, também do amigo “Quatrocentão”, quando voltávamos para São Paulo, carregando o excêntrico costureiro Clodovil. Sem os documentos, fomos obrigados a dormir no posto da Polícia Rodoviária e só seguir viagem de manhã, sol a pino, para buscar o documento em São Paulo. Três no Karmann-Ghia? Dormi na lataria, sobre o porta-malas.
Naquela época não havia Lei Seca, mas não permitiam que o motorista flagrado bêbado seguisse viagem. Por isso é que estou vivo até hoje! GD.
Ah! Houve ainda aquela noite em Ubatuba, na rede da varanda de uma casa que ficava à beira da estrada de acesso à cidade. Todos os carros que por ali passavam faziam a gentileza de dirigir o farol alto para os meus olhos assustados e arregalados, com medo de que errassem o caminho e entrassem direto na varanda. Um tormento!
(Foto Google) 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
El hombre no deja de enamorarse cuando envejece, por el contrario:
envejece cuando deja de enamorarse. Pablo Picasso