OS CABELOS
CACHEADOS DE MARÍLIA EN LOS AÑOS CINCUENTA
É de você, Marília, que me lembro sempre quando penso naquela
formidável São Paulo dos
anos 50. No velho ônibus
Sumaré-Centro você, de saia xadrez até o joelho, blusinha
branca, meias soquete, sapatos de salto baixo e o indispensável colecionador.
Foi ali que vi o seu nome. Pois é, Marília, você não usava uniforme e só no
inverno, aparecia com o blusão vermelho com o M de Mackenzie, estampado na
frente. Sua roupa era típica de uma estudante daquela época gloriosa. Os jeans
ainda não existiam como moda, era só uma roupa surrada e resistente dos eternos
caubóis e trabalhadores americanos. Mas sobressaíam na sua figura seus cabelos
cacheados, talvez a marca mais registrada de um período inesquecível da minha
vida.
Que tempo bom aquele não?
Porque el tiempo pasa y nos vamos poniendo
viejos.
Nunca conheci você, nunca falei com você mas sua lembrança é tão boa que talvez
pudesse ter havido um namoro entre nós, quem
sabe?
El amor no lo reflejo, como ayer.
Você era tudo de que eu gostava.
Naquele tempo, contavam muitos pontos a discrição, a
serenidade, a candura da inocência e a simplicidade nos gestos. Você tinha tudo
isso e mais o que vale até hoje: a beleza,
a elegância, a educação fina e os cabelos cacheados.
Que lindos cabelos Marília!
Y en cada conversación, cada beso, cada
abrazo. Se impone siempre un pedazo de razón.
Nosso ônibus vencia a av. Dr. Arnaldo,
descia a rua da Consolação e aproximava-se do nosso destino: o Colégio
Mackenzie. Era uma trajeto curto, meia hora no máximo,
mas cheio de trejeitos, de indagações, de
indecisões e daqueles inesquecíveis olhares dos anos cinquenta que naquele
momento, mudamente, só nós
dois entendíamos.
No ponto de ônibus da rua Maranhão descíamos
mas tomávamos rumos diferentes. Você
era aluna do Curso Clássico e eu, do Científico. Naquelas alas separadas talvez
continuássemos a pensar um no outro. Por mim, tenho certeza de que sim pois ficava imaginando como
você voltaria para casa. De ônibus? Ou talvez aceitasse alguma carona por mim
indesejada? Nunca conferia, tinha medo
das surpresas...
Nunca vi você no recreio. Sozinho,
comia o meu cachorro-quente
com Coca-Cola em meio a um turbilhão de conversas, perguntas, marcação de programas, discussão sobre
os resultados das provas e tudo o mais. Naquele
ano, por motivos justos, tomei bomba.
Y vamos viviendo, entre las horas que van
murriendo, las viejas discusiones se van perdiendo entre las razones.
Mas me restava sempre o consolo de que, no
dia seguinte às doze e trinta, nos encontraríamos novamente naquele velho
ônibus vermelho e branco.
Porque el tiempo pasa y nos vamos...
PS. Em itálico, a letra da lindíssima
música, Años , de Pablo Milanes, cubano de boa
cepa.
Belo Horizonte, julho /1982
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Quando o vinho desce as palavras sobem.
(Provérbio português