quarta-feira, 28 de setembro de 2016

OS CABELOS CACHEADOS  DE MARÍLIA EN LOS AÑOS CINCUENTA 

É de você,  Marília,  que  me lembro sempre quando penso naquela formidável  São Paulo dos anos 50.  No velho ônibus Sumaré-Centro  você,  de saia xadrez até o joelho, blusinha branca, meias soquete, sapatos de salto baixo e o indispensável colecionador. Foi ali que vi o seu nome. Pois é, Marília, você não usava uniforme e só no inverno, aparecia com o blusão vermelho com o M de Mackenzie, estampado na frente. Sua roupa era típica de uma estudante daquela época gloriosa. Os jeans ainda não existiam como moda, era só uma roupa surrada e resistente dos eternos caubóis e trabalhadores americanos. Mas sobressaíam na sua figura seus cabelos cacheados, talvez a marca mais registrada de um período inesquecível da minha vida. 
Que tempo bom aquele não?
Porque el  tiempo pasa y nos vamos poniendo viejos.
Nunca conheci você,  nunca falei com você  mas sua lembrança é tão boa que talvez pudesse ter havido um namoro entre nós,  quem sabe?
El amor no lo reflejo, como ayer.
Você era tudo de que eu gostava.
Naquele tempo, contavam  muitos pontos a discrição, a serenidade, a candura da inocência e a simplicidade nos gestos. Você tinha tudo isso e mais o que vale até hoje: a  beleza, a elegância, a educação fina e os cabelos cacheados.
Que lindos cabelos Marília!
Y en cada conversación, cada beso, cada abrazo. Se impone siempre un pedazo de razón.
Nosso ônibus vencia a av. Dr. Arnaldo, descia a rua da Consolação e aproximava-se do nosso destino: o Colégio Mackenzie. Era uma trajeto curto, meia hora no máximo,
mas cheio de trejeitos, de indagações, de indecisões e daqueles inesquecíveis olhares dos anos cinquenta que naquele momento, mudamente,  só nós dois entendíamos.
No ponto de ônibus da rua Maranhão descíamos mas tomávamos rumos diferentes.  Você era aluna do Curso Clássico e eu, do Científico. Naquelas alas separadas talvez continuássemos a pensar um no outro. Por mim,  tenho certeza  de que sim pois ficava imaginando como você voltaria para casa. De ônibus? Ou talvez aceitasse alguma carona por mim indesejada? Nunca conferia, tinha  medo das  surpresas... 
Nunca vi você no recreio. Sozinho, comia  o meu cachorro-quente com Coca-Cola em meio a um turbilhão de conversas, perguntas,  marcação de programas, discussão sobre os resultados das provas e tudo o mais.  Naquele ano, por motivos justos, tomei bomba.
Y vamos viviendo, entre las horas que van murriendo, las viejas discusiones se van perdiendo entre las razones.
Mas me restava sempre o consolo de que, no dia seguinte às doze e trinta, nos encontraríamos novamente naquele velho ônibus vermelho e branco.
Porque el tiempo pasa y nos vamos...
PS. Em itálico, a letra da lindíssima música, Años , de Pablo Milanes, cubano de boa cepa.
Belo Horizonte, julho /1982

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Quando o vinho desce as palavras sobem. (Provérbio português

domingo, 18 de setembro de 2016

Filarmônica de Minas na nova sala Minas Gerais

SALA MINAS GERAIS: O PRIMEIRO MUNDO É AQUI
A convite do Diomar Silveira, presidente do Instituto Cultural Filarmônica,
fui conhecer a Sala Minas Gerais, onde estava sendo apresentado um programa com os compositores russos Mussorgsky, Prokofiev e Tchaikovsky e o espanhol Pablo de Sarasate.  No intervalo, uma taça de Chardonnay bem frio.
Fiquei impressionado com a maravilha das instalações projetadas e construídas para abrigar o Instituto, a Rede Minas de Televisão e a Rádio Inconfidência, num ambiente harmônico, só podia ser, para oferecer aos mineiros tudo de melhor nas suas respectivas funções.
O auditório, perfeito, com palco tipo arena para a Orquestra, circundado por platéia baixa, frisas e camarotes de fácil e muito bem sinalizado acesso,
proporcionando conforto total aos frequentadores, acústica e som absolutamente perfeitos onde se ouve um singelo triângulo perfeitamente harmonizado com trompas, trompetes, harpa, fagotes, violinos, cellos e toda a parafernália musical.
Comentei com o Diomar, que gentilmente sentou-se ao meu lado, que havia comparecido, em 1965, à inauguração do Lincoln Center em New York quando, estudante intercambista do Experiment in International Living, tive a oportunidade de conhecer uma sala de espetáculos musicais. Lembro-me de que foi apresentado um concerto com o pianista chileno Claudio Arrau que nos deixou embasbacados com tanta precisão e fidelidade nos acordes magistralmente interpretados pelo mestre.
Hoje, com certeza, podemos afirmar que Belo Horizonte está equipada com uma sala de concertos do mesmo nível de todas as instaladas mundo afora.
A Sala Minas Gerais é um patrimônio que nos orgulha e envaidece.
Parabéns para quem no governo teve a idéia, para os arquitetos, para os construtores e parabéns também para nós, que ganhamos esta jóia para a cultura musical, radiofônica e televisiva mineira.
Estamos no primeiríssimo mundo.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“A vaidade ferida é a mãe de todas as tragédias.” Friederich Niestzsche   
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terça-feira, 13 de setembro de 2016

LIVRO DE GRAÇA NA PRAÇA 2016
Os lançamentos anuais do LGP - e lá se vão quatro anos com a minha participação -, nos proporcionam momentos muito agradáveis e felizes, quando nos dispomos a autografar para a meninada, na Praça Duque de Caxias, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Neste último domingo, 16/09, aconteceu o lançamento da edição 2016, que contou com a participação de 26 autores.  
Com alguma divulgação, a praça vira um palco cheio de meninos e meninas ávidos para adquirirem seus respectivos exemplares e sair mostrando para todo mundo. A alegria deles é contagiante e é o que mais nos emociona.
Como faço todo ano, registro os nomes mais frequentes em cada ocasião e, desta vez, os que mais se destacaram foram Gabriel e Alice. Até certo ponto, contei mais de duzentos autógrafos, o que muito me honra e alegra, pois sei que o projeto proporciona, para muitas dessas crianças, a oportunidade de iniciação ao hábito da leitura, indispensável à formação educacional e humana de futuros profissionais, então capazes de garantir um futuro próspero e feliz.
Parabéns ao José Mauro, Ronaldo Simões e Yêda Galvão pela iniciativa e coordenação do LGP! E vamos em frente!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é um palco. Nós todos somos atores.
W. Shakespeare



domingo, 4 de setembro de 2016

BELAS PERNAS VOADORAS
Em julho de 2008, foi-se a nossa deslumbrante bailarina Cyd Charisse, que enfeitiçou as matinês e soirèes dos cinemas Rio e Majestic, na gloriosa década de 50, em São Paulo. Suas pernas, verdadeiros monumentos à beleza feminina, eram tão perfeitas que haviam merecido um seguro de milhões de dólares para garantia e preservação de sua eficiência no balé e manutenção de sua perfeição na estética.
Chamo-a de nossa porque ela pertenceu a todos nós, apaixonados e cultuadores da beleza distante de suas pernas. Seus pares, Fred Astaire e Gene Kelly, que a solicitavam para palcos no mundo inteiro, eram o alvo do nosso maior ciúme, quando tocavam aquelas pernas para embalá-las em passos acrobáticos e perfeitos até pousarem no chão, magistralmente.
Hollywood produzia filmes para o entretenimento com muita música e dança que embalavam os namoros dos casais apaixonados. Lembro-me de mãos dadas com minha namorada, a Cecilinha  - sósia brasileira da Brigitte Bardot-, quando fomos ao Cine Rio, que ficava num prédio na Rua da Consolação, onde ela morava, no quarto andar. Eu falei tanto das pernas de Miss Charisse que ela ameaçou retirar-se do cinema.
Aquelas pernas nos encantavam, voando nos compassos de Cantando na Chuva, A Lenda dos Beijos Perdidos, Meias de Seda e Dançando nas Nuvens, alguns dos musicais de maior sucesso daquela maravilhosa gazela voadora.
Quando vi anunciada a morte de Cid Charisse, senti uma pontada no coração, porque nos devaneios do rapaz, que vivia numa cidade grande e poderosa como São Paulo, os sonhos tinham que ser alimentados, confrontando-se com a realidade de uma vida tocada a duras penas, com poucos recursos. Desde a bicicleta de segunda mão, comprada da zeladora do prédio, das roupas consertadas do pai e dos tios, da comida simples servida na mesa apertada da cozinha, enfim, aqueles sonhos com as pernas voadoras serviam para colorir um pouco a vida meio cinzenta, numa cidade escurecida pela garoa e pela falta de dinheiro. Voilá! Cyd Charisse dans nos rêves.
Numa dessas tardes cinemáticas de domingo, culminamos com um filme dela, no Majestic, na Rua Augusta, depois de uma longa noite pelos clubes Pinheiros e Paulistano e uma jornada boêmia pelos bares das avenidas São João e Ipiranga. Tudo a pé, com muita cuba libre e Pervitins na cabeça. A fantástica bailarina ficou tão mais acessível, com tantos estímulos alcoólicos e anfetamínicos, que eu e o Renatinho decidimos comprar uma passagem para Hollywood para conhecê-la de perto. Saímos do cinema dispostos a procurar uma agência de viagens e voar para os Estados Unidos, naquele dia mesmo. Sonhos vãos! Nossa inocência não nos permitia saber que, para sair do país, seriam necessários documentos próprios, legalizados e autorizados pelas embaixadas. Sonhos vãos!
Já restabelecidos e na maior ressaca, consultamos o papai sobre as possibilidades de levar a cabo nossa aventura hollywoodiana. Ele disse: “Como é bom sonhar, meninos. Mas não desistam, porque a vida merece seus sonhos.” Ajeitamos os colecionadores e fomos para a aula ginasial, ainda extasiados com as belas pernas voadoras.
Ficou, para sempre, a nossa saudade
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Enquanto os sábios discutem as incertezas, os imbecis atacam de surpresa.

Millôr Fernandes