sexta-feira, 21 de outubro de 2016


RECUERDOS DE SAMPA 
Quando o Ronald, hoje no céu, me convidou para ir a São Paulo para visitar a LABACE 2012 - maior feira de aviões executivos na América Latina -, não titubeei. Pode marcar, Ronald, e vamos de avião de carreira, pois “o nosso” está na revisão anual e com essa máquina não  se brinca.
A secretária dele reservou hotel, restaurantes y otras cositas e partimos para a minha adorada pátria adotiva. Foi uma temporada muito boa, onde tivemos a oportunidade de conhecer mais de setenta aviões e helicópteros, a linha mais moderna destas maravilhosas máquinas voadoras. 
Combinamos com meus queridos amigos paulistas, um encontro no restaurante A Caverna do Bugre, que já contei numa outra crônica, mas, como faltaram algumas fotos e lembranças, quero registrar por inteiro aquela já saudosa noitada.
O Bugre mudou muito. Antes, uma taverna germânica com lambris e divisórias de madeira, bancos coletivos, mesas com toalhas em xadrez vermelho e um tempero especial do Seo Alexandre para as deliciosas carnes. Hoje, um restaurante legal, arrumadinho, mesas e toalhas normais, sem o charme das incalculáveis noitadas de muita conversa, cerveja e violão. Naquelas noites intermináveis, sob a proteção do Seo Manoel, garçom lusitano carinhosamente chamado de “galego” - que tanto nos serviu e protegeu numa época de dinheiro curtíssimo -, ficávamos repassando a semana vivida nos colégios, nas festas, os  novos namoros e paqueras, enfim, o Bugre era uma espécie de confessionário para os componentes daquela turma de super amigos, quase irmãos, que se encontravam todo santo dia. O Renato magro, que infelizmente nunca mais encontrei, passava lá em casa depois da aula, barba feita, paletó preto surrado – ele não tirava o paletó – para darmos uma chegada até à Rua Augusta, point da jeunesse dorée da Paulicéia Desvairada. Atravessávamos a pé pela avenida em frente ao Hospital das Clínicas, da qual não me lembro do nome, cruzávamos a Rebouças e, rapidamente, nos sentávamos no Flamingo, bar então recentemente inaugurado na Augusta. Nossas namoradinhas de plantão, a Esdraína e a Maud, pessoas formidáveis, logo chegavam. Meávamos a conta e voltávamos para o nosso reduto na Rua Teodoro Sampaio. Era um encontro que, muitos anos depois, passou a ser chamado de “amizade colorida”. Coloridíssíma! Gostaria muito de me encontrar novamente com as duas e o Renato magro.
O destino vai reservando para nós, pobres mortais, lembranças queridas que nos acompanham pela vida afora e vão ficando cada vez mais difíceis de serem revividas. Um dia, talvez, com muita dedicação e vontade, como fizemos naquele noite no Bugre, colocaremos todos juntos de novo. Estou torcendo por isto. 
Naquela gloriosa noite estiveram o Zezé e a Marília, o Renatinho, irmão dele, infelizmente falecido outro dia, o Jalil, meu colega do Ginásio Castro Alves e dos basquetes do Clube Pinheiros, do ginásio própriamente dito e do Ocara Basquete Clube, clube que criamos para os jogos de fins de semana na periferia. Foram, ainda, o Robertão, a esposa e o irmão Ruy, vulgo Ruyzinho, o Geninho e o Waldir. Foi uma noite memorável. 
PS. Lembrei-me de que o Dorival, inclusive, ganhou um jantar no Bugre quando ofertou ao Seo Alexandre o desenho de uma cara de índio, que foi emoldurado e dependurado logo na entrada do restaurante. O desenho não está mais lá, talvez esteja abandonado em alguma gaveta na casa dos filhos ou netos do Seo Manoel. Vou conferir!

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Independência é fazer somente o que você quer e não fazer, definitivamente, o que você não quer. O Coiote, primeiro e único

domingo, 9 de outubro de 2016

ADEUS PEUGEOT...ZÃO
Quarta-feira, cinco de outubro de 2016. Esta data ficará marcada para o resto da minha vida, como um renascimento, um novo aniversário.
Em plena tarde, 14h30min, entrei no meu Peugeot 405 SRI automático, que há 23 anos comprei, praticamente zero, do amigo Alexandre, diretor da Bordeaux. Como sempre, quando estaciono, deixo o câmbio na posição park (estacionamento) para mantê-lo imobilizado sem necessidade do freio de mão. Na rotina, como venho fazendo há tanto tempo, liguei o carro naquela posição e engrenei a marcha à ré, um ponto atrás. Daí, só me lembro de um estrondo, produzido pela trombada do carro num ônibus, na última pista interna da Av. Nossa Senhora do Carmo. O carro bateu tão acelerado na roda do ônibus parado no sinal, que voltou, subiu de novo no passeio e ficou ancorado a um passo da portaria de vidro. No ônibus um pequeno arranhão e um vidro quebrado na porta .
Foi tudo tão repentino e inesperado que quando percebi estava assentado numa cadeira à entrada da firma, tomando água e comendo um biscoito salgado. Um susto e tanto!
Meu filho Frederico me assistiu dali pra frente até levarmos o carro rebocado para um ferro-velho. Nas fotos, o estrago que torceu até o teto, caracterizando a perda total.
O episódio me convenceu de que recebi um aviso, uma advertência, um sinal de que a vida é muito frágil e está totalmente fora do nosso controle mantê-la ou perdê-la.
Naquela fração de segundo, eu poderia ter acertado uma ou diversas pessoas, sei lá. O carro atravessou um passeio largo onde normalmente transitam centenas de pessoas, e não pegou ninguém e nem eu fui atingido, pois essa avenida é, sem dúvida, uma das mais movimentadas de BH, especialmente naquela hora quando transitam carros, ônibus e motocicletas. Enfim, não morri nem matei ninguém. Muito abalado mas feliz, registro aqui minha permanência vivo, sem nenhum arranhão nem a consciência pesada do que poderia ter sido um desastre fatal de enormes proporções. Nem é bom pensar!
Perdi um companheiro, meu delicioso companheiro Peugeot, cuja perda só não é pior do que a do amigo Alexandre, que o vendeu pra mim. Soube que ele estava em casa, lendo jornal, quando sofreu um enfarte fulminante do miocárdio.
Como entender esses mistérios da vida ou da morte?
Belo Horizonte, 8 de outubro de 2016.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Entonces vamos a vivir porque para dormir hay siglos.”

Brinde caribenho de autor desconhecido

sábado, 1 de outubro de 2016

MISTY

      Acordei no sábado, dia 16 de dezembro de 2006, com uma música na cabeça, no coração e na boca: Misty. Passei o dia e a noite de sábado, o domingo inteiro e a segunda, cantando Misty, envolvido com sua melodia suave e a letra pra lá de romântica. Na terça-feira seguinte, assistindo ao programa do David Letterman, pela televisão a cabo, ouvi dele a seguinte notícia: “Sábado passado, foi comemorado o cinquentenário de lançamento do antológico LP Heavenly, magistralmente interpretado por Johnny Mathis e que marcou época com a música Misty, no coração de diversos casais de namorados.” A data desse lançamento fora 16 de dezembro de 1956. Fiquei abismado com a coincidência da provocação da minha memória com tal aniversário.
Música é um assunto importante na minha vida. Importantíssimo. Todos os dias, logo pela manhã, depois da barba e do banho, mantenho ligado o rádio da sala, numa emissora bem musical, enquanto tomo o café da manhã. No trabalho, na minha casa, ao lado do computador, tem sempre um rádio já sintonizado na mesma estação. Portanto, é música o tempo todo. Ainda, quando saio, o rádio do carro já está conectado na chave de ignição e a música vai variando entre as rádios e cds. Com todo esse envolvimento, a coincidência foi demais.
Busquei, então, na minha velha e boa coleção de Lps, o Heavenly, datado de 1960. Tenho o hábito de datar essas compras e agora vejo como é útil este procedimento, pois devo tê-lo comprado logo que foi lançado. Naquela época, as gravações demoravam um pouco para serem reproduzidas no Brasil.
Recolhi-me no meu canto, munido de diversas latinhas de cerveja bem gelada e comecei a ouvir o bolachudo. Nenhum arranhão, apesar de ter sido ouvido, intensamente, durante mais de 40 anos. Passei a tarde/noite ouvindo Misty e decidi presentear meus amigos, neste Natal, com uma cópia em CD. Passei a telefonar para cada um deles e contar sobre a boa nova. Consegui falar com a Lúcia, o Celinho e o Zé Carlos. Ninguém mais me atendeu, nem o Eloy, nem o Brant, nem o Carlos Alberto, nem o meu compadre Flávio que, como todo interiorano, agora dorme cedo. Também, já passava da meia-noite. Alguns retornaram meu chamado, no dia seguinte. O primeiro deles foi o Márcio, que ficou muito feliz com a notícia e revelou que a música tinha sido muito importante na vida dele com a Beth, na época do namoro. Enquanto falava com o Márcio, o Ronald chamou duas vezes. Liguei pra ele e relatei o acontecido. Ele me disse: “Pois é, Roberto, tome nota aí, porque tem mais uma coincidência incrível. Considero Mistya minha música. Em qualquer lugar que eu entro, onde tenha um conjunto, orquestra ou músicos tocando, instantaneamente, começam a tocar Misty. É impressionante! Outro dia, por exemplo, estava em Nova York quando soube da apresentação do Erroll Garner num daqueles night-clubs da Broadway. Consegui, com muita dificuldade, um lugar numa mesa e corri pra lá. O show foi ótimo, pois, além de Misty, ele tinha composto diversos outros clássicos da música americana. Tocou todos, menos Misty e fiquei decepcionado, pois não era assim que acontecia comigo. Num ato de coragem, levantei-me e pedi: Mr. Garnercould you please play Misty? Of course. And I`ll do it specially for you - respondeu ele. Ganhei, assim, uma homenagem única do autor da minha música, que tocou dirigindo-se a mim o tempo todo. Foi um concerto quase particular, trocando olhares com Mr. Garner. Como você sabe, é essa coisa de músico...” E completou: “Tenho diversas gravações de Misty, mas não tenho a do Johnny Mathis.”
Ah! E ele ainda me contou outra. Disse que um dia estava jogando vôlei na praia, lá no Rio, e sentou-se pra tomar água, ao lado do grande escritor Fernando Sabino, que jogava no outro time. Conversa vai, conversa vem, começaram a falar sobre música. O Fernando tocava bateria muito bem e até tinha um conjunto amador, de jazz, com amigos. O Ronald acabou lhe contando esse episódio com o autor de Misty, que também lembrou outro semelhante que havia acontecido com ele, também em Nova York. Naquelemomento na Big Apple, estava acontecendo uma apresentação do grande maestro Tommy Dorsey, por quem ele era fanático. Mr. Dorsey foi um dos maiores e melhores band-leaders americanos, de todos os tempos. Assim, o Fernando lutou para conseguir um ingresso para o espetáculo e conseguiu uma cadeira num daqueles gargarejos do Carneggie Hall. O ótimo cronista tinha, também, sua música preferida no repertório do maestro, que também não foi tocada naquela noite. Meio sem graça, mas com a mesma coragem do Ronald, levantou-se no meio da platéia e gritou: Mr. Dorsey, what about We`ll get itO maestro respondeu-lhe: Ok, Mister unknown, I`ll play it specially for youE, flertando com o Sabino, dedicou-lhe a canção, orquestrada magistralmente.
Para atualizar minha forma de reverenciar a linda canção, corri na Acústica e encomendei uma cópia em CD do meu antigo LP.
Belo Horizonte, dezembro/2006.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 
O clássico é algo resistente ao envelhecimento. Anônimo