O VELHO DA MONTANHA
Numa das vezes em que fui a Denver, no Colorado, na condição de presidente do comitê mineiro, fui recebido pelo então presidente do comitê local dos Companheiros das Américas, meu amigo Fred Kail, figura emblemática de uma geração de americanos que serviram no Peace Corps. Ele morou no Brasil por uns dez anos, no Mato Grosso, onde conheceu uma americaninha, também engrenada no programa, com quem se casou. Esse bigodudo ermitão da Three Headed Mountain é uma figura sensacional.
“O velho da montanha”, como ele mesmo se denomina, mora numa casa de madeira, no alto de um condomínio de onde se avista a cidade de Denver, au complet, apesar dos 35 quilômetros de distância. Uma posição privilegiada, um prêmio! No dia da minha chegada, ele hasteou as bandeiras americana e brasileira no alto do telhado para informar que os presidentes estavam reunidos. Disse ele que o cerimonial exigia isto... Por lá, habitam ursos, alces, macacos e pássaros de diversas espécies, que alegram e animam a vida do velho recluso. Na verdade, uma escolha de vida. Pela manhã, sua primeira atividade é a de alimentar os pássaros, esquilos e macaquinhos que habitam nas árvores ao redor da casa. Num parapeito da varanda, ele coloca nozes, amendoins, alpiste, vitamina para pássaros, frutas diversas, senta-se numa confortável cadeira de braços e fica aguardando a bicharada. A primeira que chega sempre é a Baianinha, macaca levada, que ele batizou dessa forma porque é muito esperta e requebrante. Ela desce da árvore, pega um frutinho, sobe tudo de novo e vai comer lá em cima, enquanto os pássaros e esquilos ficam disputando as outras partes.
Ao acordar, naquela primeira manhã, vi o Fred na varanda e percebi que já havia preparado o breakfast, composto de ovos mexidos, bacon frito, delicioso pão feito em casa, manteiga e geléias diversas. Típico desjejum americano. Era verão, mas a temperatura externa estava em oito graus centígrados, muito agradável, conforme indicava o termômetro. E, num dia muito claro como aquele, conseguíamos enxergar até o leito do Rio Colorado, as paredes do Red Rocks Auditorium, encravado na montanha, onde assisti a uma apresentação do grande Willie Nelson, com seu violão acústico, linda voz e um repertório de folk & country songs de primeira.
Nos afazeres dele, Fred havia marcado uma visita a um juiz, responsável pelas causas ligadas à posse da água, e me convidou para acompanhá-lo. É isto mesmo. O tal magistrado só tratava das ações relacionadas com o uso da água e da sua propriedade. Quem diria! Lá, a água é tratada e discutida como um patrimônio pessoal do dono da terra e intransferível. Será que ainda vamos chegar a isto um dia, no Brasil, este grande país aquífero, reserva mundial de água? Sei lá!
Assim, eu o acompanhei nessa audiência. Chegamos à garagem e vi que havia um velho Karman-Ghia 1968 encostado. Contei a ele que gostava muito desses carros e que tinha tido uma série deles, uns quatro, sendo que um deles havia pertencido ao rei Pelé. Ele ficou entusiasmado e resolveu ligar o carro para irmos a Denver, nele. Com um graveto ele prendeu o cabo do acelerador e tocamos para a estrada. Na descida do condomínio, na portaria, ele me mostrou uma placa onde estava escrito, com giz: “Take care. There’s a bear around”. Que simplicidade, para dizer que havia uma fera solta na montanha, ameaçando as crianças e todos os habitantes daquela terra bendita.
Ele me explicou que a placa serve de comunicação direta entre os moradores, que se convidam para festas, registram aniversários, avisam sobre os perigos que rondam suas casas, marcam encontros comunitários, etc. No sábado seguinte, por exemplo, eles haviam marcado o dia da coleta do lixo. Cada um dos condôminos saía de casa com uma pá e um saco grande de lixo e ia colhendo/catando latinhas, papéis e jornais velhos, e toda a tralha que encontrava no caminho, distribuído em zonas para cada apanhador. No final do dia, reuniam-se numa das casas para apurar quem havia conseguido ajuntar mais. Naquele dia, a reunião final seria lá no Fred, onde permaneci para assistir e participar da entrega do prêmio ao “melhor gari” da vez. O prêmio? Diversos engradados de cervejas para confraternizar com os vizinhos. Bebemos até rachar.
God bless you, Fred
Um comentário:
Gostei de ler seus textos, de saber das tuas esperiências com Partners of the Americas. Contine escrevendo. Faz bem pra vc e pra nós.
Tbm sou Fellows, do grupo IX.
abraço
Silvana
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