quarta-feira, 31 de agosto de 2011

UM PASSEIO PELA AVENIDA

 
Numa manhã de sol, o Vovô Pedrinho passou lá em casa para darmos uma volta na
“cidade”, que era como se denominava o atual hipercentro de Belo Horizonte. Àquela época, BH era uma roça grande.  Era quando Lúcia e eu morávamos no Bairro dos Funcionários, na casa da vovó Augusta, minha avó materna.
Minha avó do Carmo, a mulher do vovô Pedrinho - com quem ele se casou quando ela tinha treze anos de idade - estava muito gorda e praticamente não saía de casa, no Bairro Cruzeiro. Com um espírito muito infantil e romântico, ela gostava de ficar ouvindo óperas numa antiga vitrola e colecionando fotos dos artistas do cinema americano, que recortava das revistas e jornais que o vovô arrumava na Imprensa Oficial, onde trabalhava.
Já o vovô, era um homem de pouca instrução, que trabalhava como um louco para manter uma prole de oito filhos. Nós já sabíamos que ele saía cedo para os Correios, onde dava expediente de oito horas, jantava rápido e se apresentava na Imprensa para passar a  noite como revisor. Trabalhava até às quatro da manhã e rumava para casa a fim de pegar um soninho até às sete e pegar o bonde para bater ponto nos Correios novamente às oito. Era uma vida dura, mas o velho elegante dava conta do recado e ainda tinha ânimo para passear com os netinhos.
Naquela época, existiam fotógrafos de rua, os conhecidos “lambe-lambe”, que ficavam postados ao longo da Afonso Pena, entre a Rua da Bahia e a Praça Sete, para fazer uns instantâneos dos passantes e ganhar uns trocados.  Temos boas fotos daqueles passeios, como essa que recuperei nos guardados da mamãe e me trouxe a lembrança daquele dia.
A escadaria que se vê ao lado, é fácil de reconhecer, é da Igreja de São José. As pedras ainda novas e branquinhas. O passeio bem decorado de pedras portuguesas, muito usadas nos passeios nobres.
Estávamos vivendo os gloriosos anos 40. A foto talvez seja de 1947. Aí, para acertar, temos que nos lembrar das roupas, da altura de cada criança e, com muitas contas, descobrir pelo menos o ano do acontecido. Felizmente, ainda tenho uma memória de elefante. Consigo me lembrar, inclusive, de que, naquele dia do passeio, fomos vestidos pela tia Marina, que nos colocou roupinhas que o papai havia trazido de Buenos Aires, onde participara de um congresso médico, dois anos antes. Era um terninho branco para mim e um vestidinho também branco para a Lúcia. Nossos trajes de gala.
Lembro-me de que naquele dia, o vovô nos deu duas pratas de hum mil réis, uma pra mim e outra pra Lúcia, para comprarmos balas. Vindo da parte dele era uma grande generosidade, pois, com a dificuldade em que vivia, era difícil sobrar umas pratas para os netinhos. Andamos muito pela Avenida, com um sol agradável. Belo Horizonte tinha uma temperatura deliciosa, amena, suave, perfumada pelos manacás, espalhados em todos os jardins das casas modestas.
Boas lembranças!
Belo Horizonte, 23 de agosto de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Hay personas que transforman el sol en una simple mancha amarilla, pero hay también quienes hacen de una simple mancha amarilla el sol. Pablo Picasso

terça-feira, 23 de agosto de 2011

UM SANTO HOMEM

A gente vai se mudando e, em cada lugar, assume uma função nova. Agora, por exemplo e de araque, tornei-me fiscal de trânsito. Questão de ambiente, tempo, localização e interesse.
Moro num apartamento com uma varandinha de frente para o mundo, pois todos os dias acontece de tudo na minha rua, por onde passam o caminhão de gás ou o do lixo, as buzinas, os usuários das vagas do Faixa Azul, os pedestres, os esportistas a caminho da Praça da Liberdade, os amoladores de facas, vendedores em geral, funcionários públicos, vagabundos, bandidos e assaltantes, enfim, tudo e todos desfilando pela porta do meu prédio. E, na medida em que tenho um tempinho, vou até a varanda dar uma espiada nesse movimento munícipe-mundial. E tenho visto cada uma!
Nesse posto de “trabalho voluntário”, tenho passado bons momentos, geralmente, sorvendo uma cerveja geladinha, nas doses equilibradas de Xingu com Antarctica Sub-Zero.
Reparo, principalmente, que ninguém respeita as vagas demarcadas para estacionamento. A maioria invade a faixa limítrofe, sem nenhuma cerimônia. Já outros, totalmente displicentes, param, desligam o carro e vão embora, não se importando se estão ocupando duas ou mais vagas, prejudicando outros possíveis usuários. Os mais detalhistas, descem do carro, medem tudo, chegam para frente ou para trás, entram e saem do automóvel várias vezes, somente para buscar o melhor lugar para suas máquinas. Os outros que se danem! Eta, Brasil, uma loucura! 
Ontem, por exemplo, foi demais. Uma senhora estacionou, ocupando metade da área reservada para a entrada da garagem do prédio em frente. Quando parou - e eu estava de olho -, ela desceu, viu que estava ocupando metade da entrada da garagem e não se importou. Parou o Renault Clio, trancou as portas e foi subindo a rua, falando ao
celular. Para ela, estava tudo bem. Colou o seu no carro da frente - colou mesmo -, e resolveu não frear, talvez pensando: se precisar, alguém empurra o carro sem problema. Só que ela estava embicada numa descida e, se o carro da frente saísse antes dela, rebocaria o carro pela rua afora. Cena insólita de se imaginar!
Mais um tempo e chegou a dona do carro da frente. Uma mocinha. Ela viu que o Renault estava colado no carro dela e também não se importou, ligou o carro e quis sair. Como? Tinha um carro agarrado no dela. Desceu um pouquinho e o intruso veio junto. Desceu do carro, balançou o atrevido para tentar desencaixar, mas... nada. Na verdade, o carro não estava agarrado, só apoiado e, se ela conseguisse sair, o carro desembestaria atrás dela até encontrar um obstáculo. Fiquei chocado e resolvi ajudá-la.
Lá, de cima, a solução parecia simples. Era só colocar um obstáculo, uma pedra, um tijolo, sei lá, no pneu da frente que o carro ficaria freado e ela iria embora sem problemas. Chamei a Rosângela, na portaria, e orientei para que ela informasse à moça que era só colocar uma pedra debaixo do pneu da frente que ela poderia sair sem carregar o trambolho.
Dito e feito. Ela aceitou a ideia e pediu a Rosângela para ajudá-la a arrumar a pedra e ainda uma folha de papel e uma caneta. Pedra colocada no pneu da frente, sentindo-se bem segura, começou a escrever alguma coisa apoiada no volante do carro. Olhou para cima, me enxergou na varanda e continuou escrevendo.
Terminada a bronca escrita, deixou-a presa no limpador de parabrisas do carro de trás, e foi embora. Fiquei curiosíssimo. Abandonei o meu posto de “fiscal”, lá de cima, e desci para conhecer o teor da missiva.
Dizia o seguinte: “Você é um motorista relapso (grifado mesmo). Deixou seu carro agarrado no meu e fiquei sem saber o que fazer até que a zeladora do prédio aqui em frente viesse me ajudar. Ela me falou que tem um senhor que fica na varanda o dia todo tomando conta do trânsito aqui na rua e viu quando você deixou o carro agarrado ao meu. Ele sugeriu que eu colocasse uma pedra no pneu da frente, pois, assim, seu carro ficaria escorado. Deu certo, mas perdi quase meia hora com isto. E se não fosse aquele santo homem ainda estaria presa aqui. Por favor, aprenda a lição e não faça mais isto.”
No fim da tarde, volta a distraída e oportunista, que largou o carro solto. Com cara de espanto, pegou o bilhete/carta no parabrisa. Lendo, olhou para mim lá na varanda, rasgou o bilhete com raiva e espalhou a papelada no passeio. A “sugismunda”  ligou o carro, pulou sobre a pedra que estava sob o pneu e se mandou.
Multa nela, Detran!

RHB , 7/11/2009

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Com a vingança o homem iguala-se ao inimigo. Sem ela, supera-o. Francis Bacon

domingo, 14 de agosto de 2011

O PRIMEIRO CARRO DO PEDRO. CARRO?


Quando o Pedro completou dezoito anos, carteira de habilitação na mão e já frequentando o Curso de Mecatrônica no Campus da Católica, lá no bairro Dom Cabral, procurou-me com um olhar pedinte, alegando estar, então, chegando atrasado às aulas quase todos os dias, porque tinha de tomar dois ônibus e, às vezes, até perdia o horário. Ele queria um carro, qualquer um, para não perder aula, pois o curso era muito apertado.
Com as finanças sempre justas, prometi pensar no assunto e, depois de umas tantas cervejas, tive uma ideia, que considerei genial.
Eu já havia comprado, por duas vezes, a cota do Minas Tênis e a não ser por umas poucas aulas de tênis que o Pedro iniciou nunca frequentamos o clube. Aliás, nossa família nunca foi clubística. Assim, com a venda da primeira cota comprei do Luiz Flávio, meu primo, três janelas e duas portas de madeira maciça, para uma casinha de campo que, à época, estava construindo em Santa Luzia. A casa ficou linda, arejada e era bem mais frequentada que o clube. Mais pra frente, comprei nova cota com o firme propósito recorrente de usufruir ao máximo do super clube. Outra decepção, nada aconteceu. 
Assim, depois das inspiradoras cervejas, resolvi vender a segunda cota para comprar o carro do Pedro e, com a economia do condomínio, ainda fornecer-lhe a gasolina que, na época, estava a preço de banana. Dito e feito, com essa super grana na mão, começamos a ler anúncios e a procurar o tal primeiro carro do Pedro. Quando o automóvel é caro, é muito fácil encontrá-lo. Já quando é barato, também é muito fácil, porque você não tem opção. Ou não é ou não é.
No primeiro fim de semana de busca, achamos numa Concessionária um carro usado que se encaixava no preço. Acertamos o negócio e pegamos o Passat verde Pampa 1980, classificação de fábrica, bem usado mesmo, com os bancos tão gastos que tínhamos a sensação de andar com a bunda arrastando no asfalto. Uai, pra começar estava muito bom, pensamos.
O Pedrão ficou mesmo muito feliz, mas logo começaram a aparecer uns probleminhas. Já na primeira noite, muita chuva e ele, para estrear o carrão, gentilmente, foi levar a namorada em casa. Numa curva mais fechada, quase perdeu a garota: a porta se abriu e ela ficou dependurada com os longos cabelos na enxurrada. Heroicamente, ele conseguiu resgatá-la para o interior do veículo e decidiu que, a partir dali, iria colocar uma corda amarrando a porta. Pediu ao avô uma daquelas cordas de plástico, que ele usava nos cabrestos dos cavalos da fazenda, e amarrou a porta, como ocorria com os velhos táxis de BH. Quando o passageiro descia, o chofer puxava a corda, amarrada na maçaneta, para fechar a porta. Pelo menos, o Pedro já contava com um eficiente uso comprovado das cordas.
Outra boa do uso do “carrão” era quando ele voltava da Faculdade. Abria o porta-malas e mandava os colegas entrarem. Eles mesmos colocaram um apelido no espaço: “chiqueirinho”. E vinha a patota empoleirada até a Praça Sete.
Para tornar o Passat mais confortável, tive outra ideia, que também imaginei ser ótima. Resolvi estofar os bancos da máquina e levei num capoteiro amigo meu, que caprichou mesmo. Montou dois pufes para os bancos da frente que - dizia o Pedro - tinha que dirigir com um olho no chão e o outro no parabrisa. Os bancos ficaram tão altos que as cabeças se encurvavam para não bater no teto.
Com a pintura bastante desbotada, quando o poderoso foi vendido já tinha ganhado o apelido de “verdinho diarréia”. Ainda bem que ele não cheirava...
Belo Horizonte, 12 de agosto de 2011.
Nas fotos um irmão da fera!
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O problema de morar sozinho é que é sempre a nossa vez de lavar a louça.  Al Bernstein

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O DESTINO DE CADA UM

Num Scotch Bar da Avenida Angélica, em São Paulo, o Roberto Brant e eu encontramos o Mileto, irmão do meu querido amigo/afilhado João Stamatto. Ele estava  tocando clarineta/saxofone na banda do Hermeto Paschoal. No intervalo, foi até a nossa mesa e, convidado a tomar um drinque conosco, agradeceu explicando que os músicos não podiam beber no recinto. Então, o convidamos para tomar uma cerveja no bar da esquina. Topou na hora. Estávamos os dois felicíssimos, pois não nos víamos há muitos anos. Em pé, no balcão de mármore encardido de um velho bar, tomamos umas cervejas deliciosas e recordamos as mil e uma noites em Ribeirão Preto, quando tocávamos na noite e fazíamos serenatas, com certeza, per tutti belle signorini de la cittá.
A conversa fluiu no mesmo timbre e nível daqueles tempos e ele, subitamente, me perguntou: “Brandão, você está fazendo o quê?” Respondi, hesitante: “Eu sou advogado, e você?” Ele me olhou no fundo dos olhos e, desafiadoramente, respondeu: “Eu sou músico” - quase batendo no peito de orgulho, por ter escolhido uma profissão maravilhosa e de acordo com sua formação prática na vida. Afinal, tínhamos passado metade da vida tocando e cantando juntos em Ribeirão e em quase todo o interior de São Paulo: Franca, Araraquara, Campinas, Jundiaí, Sertãozinho, Barretos e muitas outras cidades. Ele, o irmão João, o Marquinhos e eu, éramos os músicos da época, naquele lugar.
A afirmação dele foi tão forte para mim que uma furtiva lágrima escorreu no meu olho esquerdo. Uma só. Ele não viu, mas o Brant percebeu e, sabiamente, ficou quieto, não fez nenhum comentário. Bebemos mais uma só, pois ele tinha que voltar para finalizar a apresentação com a banda. Brant e eu voltamos à nossa mesa e tomamos um derradeiro drinque. Eu estava arrasado. Voltamos para o hotel sem dar uma palavra. Eu só pensava: afinal, fora uma escolha minha. Ao invés de ser músico decidi ser advogado. E bem que tive muitas chances de me tornar músico.
Nos Estados Unidos, numa determinada época - pouco antes daquele encontro -, havia lecionado violão para uma brasileira, Valucha, cantora e artista plástica, que morava em Chicago e que me conseguiu um emprego de professor de violão na Folk and Country School of Music, naquela cidade, onde poderia ter iniciado a carreira. Até um apartamentozinho encontrei em Old Town, zona boêmia da cidade, para morar e frequentar a turma musical da cidade. Valucha e eu gravamos um LP com dezoito músicas e capa desenhada por uma artista local. Nunca soube do paradeiro dele. Mas, àquela época, eu estava apaixonado demais no Brasil e abandonei o projeto.
Assim, com a paixão e pela paixão, transformei um músico razoável num advogado medíocre, que acabou transmudado, com o tempo, num publicitário de relativo sucesso. Ces’t le destin. Coisa inexplicável, mas, irreversivelmente, verdadeira.
Naquele momento com o Mileto, aprendi uma lição definitiva: nunca pergunte sobre o destino de alguém quando você não tiver a resposta livre e franca que gostaria de dar. Fatalmente, ele vai devolver a pergunta e você vai chorar. E chora mesmo, não de arrependimento, mas porque a gente não consegue mudar o próprio destino, esse traço que alguém risca para nós e pronto. E de onde vem isto?
Roberto H. Brandão – dezembro/2010.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O destino é o acaso metido a besta. Ferreira Gullar

terça-feira, 2 de agosto de 2011

ZORBA, O GREGO

Lá se foi o grande Michael Cacoyannis, diretor e roteirista do fantástico, espetacular e fabuloso filme Zorba, o Grego. Ele transformou o livro do não menos talentoso Nikos Kazantizakis, num dos maiores best-sellers da história literária mundial, bem como deu uma personalidade fidelíssima ao protagonista, na interpretação magistral de Anthony Quinn, e ao não menos talentoso ator britânico, Alan Bates, no papel de um frustrado escritor inglês, que resolve reativar uma mina de linhito na Ilha de Creta, então pertencente ao seu falecido pai. Como o aventureiro Zorba se oferece, com seus conhecimentos sobre mineração, a ajudá-lo na empreitada, os dois se instalam numa pensão, única hospedagem de um lugarejo da ilha, com o pomposo nome de Hotel Ritz.
Zorba amasia-se com a dona da pensão, Hortense, e Basil - nome do escritor inglês -, começa a curtir uma paixão correspondida por uma bela mulher, que vivia na janela de sua modesta casa, apreciando a movimentação dos dois.
Começa ali uma das melhores histórias da amizade de dois desconhecidos que se apaixonam profundamente pela vida livre e desordenada dos aventureiros.
Os diálogos e as cenas são inesquecíveis. Quando os dois, testando um teleférico para o transporte do minério - construído pelo mineiro de araque, Zorba -, na primeira tentativa de uso, com transporte de água, a estrutura se desmorona como um dominó e a pequena fortuna do frustrado inglês vai, literalmente, por água abaixo. Atônito, ele apela para Zorba: _ Teach me to dance. O grego, abismado, joga o paletó no chão, abre os braços e o convida a segui-lo, ensinando-lhe os passos da sirtaki, do compositor Mikis Theodorakis, que ficou conhecidíssima como a “canção e a dança do Zorba”. Uma apoteose!
Os dois desfilam uma dança sincronizada, pelas falésias cretenses, numa cena contagiante.
Belo Horizonte, 2 de agosto de 2011.
Em homenagem ao meu querido sobrinho/afilhado Caio, admirador, como eu, desta grande obra literária e cinematográfica

Ouçam essa maravilha musical e vejam a cena registrada nas MELHORES, THE BEST.
Vale a pena.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Quem não perde o juízo para certas coisas, não tem juízo a perder.
G. E. Lessing (filósofo alemão)