ANTÔNIO, MARIA E JOSÉ
Um triângulo amoroso como outro qualquer. A-pa-ren-te-men-te.
Antônio é um artista e anda como se fosse um comendador. Observa tudo ao seu redor, as pessoas, os animais, as plantas e o Rio das Velhas. Altivo, ele tem o olhar de um sonhador. Acorda sempre antes do amanhecer, dá uma espreguiçada e prepara-se para sair. Com um olhar, convida Maria para apreciar, do alto, o movimento da missa dominical na matriz de Santa Luzia, cidade histórica do interior mineiro. Os dois seguem felizes. O passeio, para eles, é sagrado, principalmente no domingo, quando tudo está mais calmo, sem aquela barulheira e correria do meio da semana. Ela também tem sua rotina: acorda, quase que simultâneamente com Antônio, espreguiça-se bastante, estica daqui e de lá, abre bem os olhos e aguarda o convencional chamado dele.
Eles acham delicioso sair juntos e felizes mundo afora. Fazem isto há tanto tempo, desde que se conheceram num dia qualquer de verão, quando os dois estavam flanando no espaço. Um bateu o olho no outro e foi aquela paixão instantânea. São muitos anos de convivência, comprovando que, para se viver feliz, é muito simples, basta querer. E, nesse longo tempo juntos, tem acontecido de tudo.
Relaxados, eles sobem, sobem, levando a imaginação até quase o infinito. Lá do alto, apertadinhos, descem como uma flecha até o limite da segurança. Aí, levantam o peito, redobram os esforços e sobem novamente, com a cabeça erguida para um novo rumo determinado. É o próprio vai-vem da vida e eles sabem que subir e descer só depende deles.
Além dos dois, há também o José, aquele companheiro inseparável que está sempre rondando por ali. É um bom amigo, eles sabem, mas não precisava ser assim tão íntimo. De vez em quando, José dá um mergulho em cima de Maria, que foge assustada. Ela corre pra cá, escorrega pra lá, coitada, fugindo dele que só para suas investidas quando Antônio reage agressivamente. Ele não gosta nem admite essas brincadeiras com Maria. Afinal, Maria é sua. Ninguém pode nem deve se engraçar com ela. Nem mesmo José, que só pelo fato de ser vizinho já é suspeito. Maria é sua e pronto. Antônio tem sua posse há tempos. Cuida bem dela e dos filhos, dedicando especial atenção a todos. E não aceita que nenhum intruso, mesmo brincalhão, se intrometa na vida deles.
Todos nasceram na mesma área e sempre estiveram por perto, um observando o outro. Agora, já adultos, parece que José perdeu o respeito e fica provocando Maria. Ele está sempre de olho nela. O casal se prepara para sair e logo ele aparece. Com cara de sonso e distraído, incorpora-se ao passeio. Vão os três na mesma balada e ele de olho nela. Num átimo, José chega mais perto e dá uma raspada em Maria.
Todos que, como eu, estão observando aquele trio, percebem a malandragem de José. Afinal, a cidade de Santa Luzia, onde vivem, é bem pequena e uma situação dessas pode virar uma tremenda fofoca. Maria não gosta, sai de lado e se faz de desentendida. Mas, ele não dá trégua, é muito insistente e está doido pra tirar um sarrinho. É só Antônio se distrair um pouco que José se aproxima e dá uma raspadela em Maria. No fundo, José tem medo porque Antônio é bem maior do que ele e, quando fica bravo, ninguém segura. Vira um bicho! Mas, José é safado e quer mesmo é tirar uma casquinha em Maria. Só um sarrinho mesmo, nada de mais. E não é só com a Maria, não. É com a parentada toda. Com quem estiver mais perto. Ô José levado, sô!
E assim continuam os três, voando durante todo o dia até o crepúsculo. Da varanda do sítio Zuza, acompanho, curioso, aquele lindo vôo dos três românticos urubus.
Belo Horizonte, julho/2001.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O pior dessa juventude é que a gente não faz parte dela. Bernard Shaw