sábado, 7 de abril de 2012

MEMÓRIAS BELORIZONTINAS

A respeito de umas fotos que o Henrique Oswaldo me mandou – registros da cidade de Belo Horizonte nos anos 1930 e 1940 -, uma delas, em especial, me chamou a atenção: o início da Avenida Afonso Pena, com Avenida Paraná, num ângulo talvez sacado do alto de um prédio da Feira de Amostras, então localizada onde é hoje o estacionamento do Terminal Rodoviário. Aquelas árvores da Afonso Pena me remetem a lembranças muito boas dos tempos de menino.
Corria o ano de 1951, quando o papai e a mamãe moravam nos Estados Unido e a Lúcia e eu morávamos na casa da vovó Augusta, mãe da mamãe, na Rua Bernardo Guimarães, 305, entre Ceará e Piauí. Era uma casinha com jardim e quintal, num pequeno lote, mas suficiente para abrigar um variado pomar com laranjeiras, limoeiros, abacateiro, goiabeiras, uma touceira de bananas, mamoeiro e um raríssimo pé de carambola, que tanto encantaram a nossa vida.
Meus tios solteirões, que também moravam na casa - o tio José, atleticano roxo, desenhista de projetos no DER e o tio Tonico, ex-beque do América, capitão-dentista da Polícia Militar -, se desdobravam para atender aos queridos sobrinhos, gentilmente promovidos à categoria de filhos. Um tempo feliz e inocente, numa cidade ainda pequena e provinciana, cujas lembranças são inesquecíveis. A foto que ilustra esta crônica, por exemplo, me remete ao tempo em que descíamos pela Rua Bernardo Guimarães até a Afonso Pena, atravessando a muito arborizada Bernardo Monteiro. Nós podíamos pegar o bonde na Rua Ceará, mas, preferíamos este caminho a pé, com o tio Tonico, pois ele aproveitava para procurar saber tudo sobre a nossa vida em São Paulo: se era perigoso viver lá, se era muito frio, se a garoa era todo dia mesmo, como eram os ônibus e os bondes, se o nosso bairro era grande, se praticávamos esportes, se o nosso ginásio era perto, se íamos a pé, enfim, tudo que um tio zeloso pudesse saber para tentar substituir nossas alegrias e rotinas por atividades aqui correspondentes, a fim de não causar nenhum impacto nas nossas novas e temporárias vidinhas. Ele era o meu “padrinho”, posso assim dizer, visto que o tio José era o da Lúcia, que fazia as mesmas perguntas para ela.
À mesa, todo dia, no almoço ou no jantar, os dois tios nos estimulavam a torcer pelo Galo ou pelo Coelho, colocando os talheres apontados um para o outro. Quem se lembrasse primeiro do desafio e colocasse os talheres em posição de ataque, ganhava a disputa daquele dia. Era uma brincadeira bobinha que nos levou a torcer pelos respectivos times deles. Uma rivalidade sadia e muito divertida.
Voltando ao nosso passeio, quando chegávamos à Afonso Pena, descíamos até a Av. Carandaí para tomar o bonde. Eles vinham sempre vazios, eram abertos com os estribos à mostra. As linhas da Serra ou do Cruzeiro desembocavam ali, onde, na esquina, me lembro, já existia aquela central de energia da Cemig. No bonde, seguíamos até o retorno da Rua da Bahia, onde os motorneiros trocavam as suas manoplas de dirigir, do fundo para a frente ou vice-versa, viravam os  suspensórios, aquelas hastes que eram ligadas aos fios elétricos aéreos e assim, invertiam seus trajetos. Naquele percurso, eles corriam por dentro de uma alameda de fícus australianos muito altos, como um prédio de dois andares, que tinham suas copas aparadas em forma retangular. Uma maravilha registrada na foto enviada pelo amigo HO.
Belo Horizonte, março/2012



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