domingo, 29 de dezembro de 2013


ALDEIA GLOBAL
No princípio foi um susto. Depois, fui me acostumando e comecei a vasculhar nas minhas coisas para ver se encontrava algo relacionado àquela época e que pudesse reavivar as adoráveis lembranças de uma viagem aos Estados Unidos, em 1965, patrocinada pelo programa Experiment in International Living.
O programa oferecia passagens de ida e volta e estadia em casas de família, cujo titular, profissional estabelecido, abria uma vaga no seu escritório/consultório para o estudante que se classificasse, a fim de cumprir um estágio que seria validado como regulamentar para o encerramento do curso. As vagas, oito, eram abertas somente para estudantes que estivessem cursando o último ano em suas faculdades e, naquele ano, eram oferecidas, somente, para o estado de São Paulo.
Preparei-me para a entrevista, que seria realizada nas dependências de um curso de inglês, em Campinas. De ônibus, me mandei pra lá.  No horário aprazado, apresentaram-se 62 estudantes, inclusive dois amigos meus de Ribeirão Preto, onde morávamos - o Ronaldo e o Manoel, estudantes de Medicina - e eu, da faculdade de Direito. Fizemos as provas e entrevistas e nós três fomos classificados.
Em janeiro de 1965, viajamos para Highland Park, cidade da Região Metropolitana de Chicago, Ill, nos Estados Unidos, onde fomos recebidos no aeroporto pelas famílias que nos acolheriam.
Ainda faziam parte do grupo cinco estudantes de outras escolas paulistas, sob o comando do também estudante Renato Craide Cury, escolhido devido à sua vasta experiência em intercâmbios estudantis como líder de grupos.
Na pequena cidade viramos a atração da temporada e nos enturmamos com os estudantes locais - alguns filhos dos casais onde estávamos hospedados - e fomos formando um grupo que se encontrava para diversos programas em Chicago: churrascos, passeios e atrações como teatro, cinema, música, galerias etc.
Quanto ao susto, refiro-me à aparição no Facebook de uma amiga daquele tempo, Judith Koenigsberg - a Judy, da qual não tinha notícia há 48 anos -, solicitando minha amizade.
Foi uma surpresa e tanto e aqui vale uma divagação! O mundo virou mesmo aquela aldeia global sugerida, em 1964, pelo filósofo canadense Marshal McLuhan, no livro Understanding Media, traduzido para o português como Os meios de Comunicação. Como poderíamos supor naquela época que um de nós, quarenta e oito anos depois, através de um programa de computador, pudesse localizar alguém completamente desconhecido, digo, sem nenhuma notoriedade, no interior do Brasil, com quem nunca mais se relacionou ou teve qualquer notícia? Aquela menina, hoje uma senhora, me contou que viu minha foto no Facebook, tocando violão, e lembrou-se de mim naquela época, cantando bossa nova, em Highland Park. Que loucura! E hoje, estamos nos entendendo como se fôssemos vizinhos e em contato pela vida toda.
Et vive la comunication!
Belo Horizonte, dezembro 2013

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida necessita de ilusões ...
Então, para viver, necessitamos da arte a cada momento.
F. Nietzche

                                         Judith, a filha Laurie, o genro e netos.
 

 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Ijuí, 1945
Numa manhã Lúcia e eu acordamos loucos pra pegar nossos velocípedes e correr pelo quintal da casinha que morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Passamos pela cozinha e a mamãe lá estava coando o café para o papai tomar e ir para o quartel bem alimentado: café com pão e manteiga, e um copo de leite. Enquanto ela preparava a mesa, ele vestia a farda com todos os seus botões e talabartes, para ajudar na montaria no cavalo Guri, um Pecheron que o Exército Brasileiro adotara para os Regimentos de Cavalaria. Era um cavalo branco, grande, muito fogoso, inteiro. A raça, de origem francesa, lhe atribuía características bem próprias para o serviço militar: macio de sela, muito forte e resistente e com boa tração. O Guri era um belo exemplar!
Naquela vidinha simples, o padeiro deixava na porta de cada casa na Vila do quartel, uma ração de pães para o dia - um pãozinho para cada morador, e um litro de leite, que vinha naquelas garrafas típicas. Mamãe mantinha uma pequena horta com alfaces, espinafres, couve, salsinha, cebolinha e tomates. Assim, nossas refeições eram simples e saudáveis, com arroz, feijão, frango e ovo do próprio galinheiro, complementadas com as folhas. O cardápio era único, variando, de vez em quando, com batatas fritas, cozidas ou puré, e muito raro, raríssimo mesmo, um bife frito. Curioso, não me lembro de comer macarrão naquela época.
Naquele dia, saímos de casa atrás dos velocípedes e não os encontramos. Voltamos desapontados e murchos, quando o papai falou: “Os ciganos devem ter roubado os velocípedes. Quando eu cheguei, ontem à noite, eles estavam começando a armar o acampamento ali no campo de futebol.” 
Quando o papai saiu, furiosos e curiosos, demos as mãos para a mamãe e fomos até o quintal para dar uma olhada no acampamento. Vizinho ao muro de fundo do nosso quintal havia um campo gramado onde a soldadesca jogava futebol nos fins de semana.
Naquele dia, havia lá um bando de umas mil pessoas, com duas barracas enormes em volta de uma tenda, onde havia dois fogões, com a lenha espalhada por todo canto. Parecia um hotel rústico. Numa das barracas dormiam os homens solteiros, e na outra, as donzelas, rodeados por diversas barraquinhas, onde ficavam os casais com os filhos menores. E a lenha servia, ainda, para as grandes fogueiras noturnas, pois o frio era bravo. Banheiros não havia. De acordo com a lenda, as necessidades eram feitas no espesso mato ao redor. “E o banho, mamãe?” perguntou a Lúcia. “Ah, minha filha, eles devem se lavar naquele rio que passa lá do lado do quartel do seu pai.”
De longe, fomos vasculhando com os olhos para todo canto e não vimos os velocípedes. Eles haviam sumido para nunca mais.
Belo Horizonte, dezembro, 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. Abraham Lincoln, 1809-1865
 
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Jandira e tia Marina
MAMÃO CURIOSO
Depois que minha mãe se foi, há mais de cinco anos, faço uma visitinha à minha tia Marina, irmã dela, todos os domingos, no bairro da Serra. A desculpa é tomar um café coado na hora e comer um bolo especial assado pela Jandira, que está com ela desde 1962. Haja tempo!
Nessas visitas dominicais, a cada dia conheço um acontecimento novo sobre a vida dela, um episódio interessante da sua vida de solteira ou quando casada com o Dr. Nelson Emiliano Orsini, odontólogo, exímio violonista de sambas, boleros, guarânias, marchas e qualquer outro ritmo que se lhe pedissem.
Muito bem-humorado, brincalhão e amante da vida, ele mesmo havia se apelidado de Nirsinho de Brito, casado, brasileiro, dentista, cachaceiro, futebol clube. Um tremendo gozador, que acompanhou grandes cantores e compositores brasileiros como Sílvio Caldas, Jorge Goulart, Noel Rosa e muitos outros, na então novata Rádio Inconfidência.  
Tia Marina, 96, e Jandira, 84, não esquecem nada quando narram  as peripécias dele. E contam com todos os detalhes. É uma viagem no tempo e na história de Belo Horizonte que torna essas manhãs muito agradáveis.
No outro dia, por exemplo, me presentearam com um mamão quase maduro que – disseram - havia nascido na parede da escada para o barracão.
“Como?” - perguntei.
“Venha cá que você vai comprovar com seus próprios olhos” - comentaram as duas em uníssono. Puxaram-me pela mão e lá fomos nós ver o mamão nascido no concreto. Fiquei estupefato. No entroncamento do degrau da escada com o chão de cimento, no meio da parede, lá estava o pé de mamão forte e exuberante que florescia uma safra de uns seis frutos saudáveis e vigorosos. Veja nas fotos a origem e a fartura da safra. Ofertaram-me o mais maduro.
Tia Marina explicou: “Nasceu uma plantinha ali no canto e deixamos crescer pra ver o que era. Aguávamos todo dia como todas as outras do jardim e, de repente, virou este mamoeiro lindo. Leva um, Bebeto!”
_ Obrigado, meninas.
Belo Horizonte, dezembro/2013.
 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é uma combinação de magia e espaguete. Federico Fellini
 
 
 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Convidado pelo Dr. Ronaldo Simões Coelho, psiquiatra e escritor de histórias infantis, para participar do 11º ano do Livro de Graça na Praça, edição 2013, aventurei-me na seara dos contos infantis, pois já havia participado, junto com ele, da antologia Novos Contistas Mineiros, editada em 1997, pela Editora Mercado Aberto, do Rio Grande do Sul.
Assim, transcrevo a crônica publicada, para os que não puderam comparecer ao lançamento na Praça da Liberdade, em 22 de setembro.
Foi uma forte emoção autografar para mais de 200 crianças que disputavam um lugar na longa fila para ganhar o livro. O nome mais ouvido foi Gabriel, embora tenha conhecido, também, Uóchito - um só -, diversos Carlos, Luiz e Thiagos - com e sem agá-, Isabelas – também com z ou dois eles -, Stefanys e até uma Esthephany.
Sei que foi uma manhã espetacular para o estreante no universo infantil. 
 
O SOL E A LUA
Sentadinha na varanda ela pergunta:
- Vovô, quem acende a Lua? São as pessoas que moram lá?
- Não, Iara, ninguém mora na Lua! Lá não tem ar para as pessoas respirarem e, sem ar, não dá pra viver.
- Mas, então, como é que ela fica acesa quando está de noite?
- É o Sol que acende a Lua, querida.
- No Sol tem ar e mora gente pra acender a Lua? Como faz pra ele brilhar tanto?
- No Sol não mora ninguém, pois lá também não tem ar respirável. O sol é uma bola de fogo que fica queimando o tempo todo. Ele ilumina a Terra durante o dia e a Lua quando é de noite.
- Como assim, vovô?
- É que a Terra vai girando no Universo e tem uma hora em que ela fica entre a Lua e o Sol. Aí, é dia na Terra e noite na Lua, entendeu?
- Mas quem ateou fogo no Sol e apagou a Lua, vovô?
- Esta é uma das leis do universo, Iarinha: o equilíbrio do Sistema Solar. Todos os planetas giram em torno do Sol e ele fornece luz a todos e vida para nós, habitantes da Terra.
- E mora gente nos outros planetas, vovô?
- Não, minha querida, até agora não sabemos se existe vida nos outros planetas. Mas, se existir, será diferente da dos seres vivos da Terra.
- Que mistério, hem! Então, com o Sol, nós ganhamos um prêmio, que é a Vida, não é vovô?
Belo Horizonte, setembro/2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É relativamente fácil suportar a injustiça. O mais difícel é suportar a justiça.
H.L. Mencken -  (1880-1956) Escritor americano

sábado, 23 de novembro de 2013

                                          Ponte Vecchio - FIRENZE - Foto Google


POLLO A LA FIORENTINA
Eram
seis e meia da tarde e andávamos numa estreita rua de Florença, na Itália, já com  fome e muita vontade de tomar um bom vinho. Havia notado um tremorzinho em minhas mãos que, com certeza, não era de frio, pois usava luvas e o clima era bem agradável. Na Itália, como de resto em todo o mundo, o outono é a melhor estação do ano e um convite às comidas e bebidas.
Havíamos chegado de Roma, via Pisa, pelo trem das quatro, onde paramos para conhecer a famosa torre e o Monastério, ao seu lado, que é uma magnífica construção medieval, perfeitamente restaurada. A fim de poupar minha coluna lombar, já defeituosa, subi somente até o terceiro pavimento da Torre, suficiente para ter uma ótima visão daquele belo e simples sítio turístico.

Naquela caminhada, topamos com uma cantina bem aconchegante com salames e queijos do teto até as mesas, toalhas quadriculadas de vermelho e branco, i tutti buona genti fartando-se com todas as iguarias disponíveis, muito vinho e alegria. Era o que queríamos.
Sentamo-nos numa mesa bem próxima da janela para apreciarmos a movimentação de dentro e de fora do restaurante pois, lá, as ruas vivem cheias de gente de todas as cores, credos e nacionalidades. Bandos de japoneses - cada um com sua máquina fotográfica - em fila com a matriarca à frente; enormes alemães, corados e exuberantes; ingleses discretos e observadores; franceses atentos e curiosos; americanos falantes, indianos desconfiados e nós, sul-americanos, todos deslumbrados com a exuberância arquitetônica de uma das cidades mais lindas e agradáveis do mundo. A vida em Florença é uma festa sem fim.
No cardápio, um prato típico da terra: Pollo a la Fiorentina. Comentei com o Ronald: “É hora de conhecermos a receita”. Pedimos, então, ao garçom que nos desse as dicas do prato. Gentilmente, ele nos convidou a chegar até a cozinha para conhecer todos os detalhes da confecção do pollo. Os italianos, gentilíssimos e professorais, sentem enorme prazer em fazer um obséquio. Na cozinha exalava um forte e delicioso cheiro de parmesão misturado com orégano, molho de tomate e manjericão que, al fine, é o próprio cheiro da Itália. Serviram-nos um excelente Chianti e, de gole em gole, fomos acompanhando a feitura do prato.
O Chef, exuberante, colocou pedaços fartos de peito de frango temperados com alho e sal para marinar no leite, reservou e aconselhou: Piu tempo infuso, meglio. Buscou os que já estavam preparados há umas duas horas e os cozinhou no próprio leite, até ficarem bem macios. Numa vasilha branca para servir direto na mesa, virou os pedaços de frango e, sobre eles, salpicou aipo picado em pedaços médios, uns raminhos de alecrim e creme de leite, até cobrir. E, sério como se estivesse passando um segredo de estado, polvilhou a mistura com bastante queijo parmesão ralado e colocou para gratinar. Serviu-nos lá na cozinha mesmo, bem quente. Acompanhou o prato um arroz branco, misturado com arroz selvagem. O Chef observou: Il vino no cambia. Estava, mesmo, perfeitamente harmonizado.
Voltamos a pé para o hotel comentando sobre o belíssimo passeio e a excelente refeição.
Em Belo Horizonte, somente no Buona Távola repetimos um Pollo tão saboroso como aquele.
Roberto H. Brandão – março/2006

 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Aquele que trabalha com as mãos é um operário.
Aquele que trabalha com as mãos e com a cabeça é um artesão.
Aquele que trabalha com as mãos, com a cabeça e com o coração é um artista.
São Francisco de Assis

 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

                                                        O MINUANO
Numa manhã chuvosa como esta de hoje, em Belo Horizonte, lembrei-me de uma situação de risco que a Lúcia, minha irmã, e eu corremos em Porto Alegre, nos idos de 1946. Como sempre, brincávamos muito nas ruas e naquele dia saímos do prédio onde morávamos para jogar bola com um amiguinho, em frente à nossa casa.
De repente, despencou uma tempestade terrível, com ventos e raios. Ficamos apavorados e rumamos velozmente para casa, mas o nosso amigo, cujo nome me esqueci, resolveu buscar a bola que havia rolado pela rua e estava bem longe, talvez, a um quarteirão de onde brincávamos.
Gritamos para ele esquecer a bola, voltar conosco e esperar a chuva melhorar um pouco, e ele nada. O gauchinho era valente. Não se intimidou, continuou correndo atrás da bola até que uma lufada de vento, ao som estrondoso de um trovão, o levantou no ar e sumiu com ele. A Lúcia e eu gritamos em uníssono: “Mamãe, socorro! O fulano sumiu, o vento o levou, saiu voando agarrado na bola e desapareceu”. E a água caindo impiedosamente.
Mamãe já vinha descendo a escada, aflita, procurando por nós e ficou estupefata quando lhe contamos do sumiço dele. “Vamos já pra dentro”, disse ela. Entramos no prédio, ensopados, tremendo de frio e de pavor com o que havia acontecido. Coitadinho do fulano, pra onde ele foi? O que vai acontecer com ele?
Nada podíamos fazer. Nem a mamãe, nem a polícia, nem os bombeiros. Ninguém. Passamos o resto da tarde muito cabreiros, sem trocar palavra, até com medo de tocar no assunto.
Papai chegou do quartel e, enquanto desafivelava o talabarte e desvestia a farda, contamos-lhe o ocorrido. Ele olhou para nós e, calmamente, como sempre, disse:
“Não se preocupem não, é o vento Minuano, daqui a pouco eles o encontram”. Nem se abalou e continuou descalçando as botas.
E não deu outra. No dia seguinte o gauchinho apareceu lá em casa com a mãe dele, para contar como havia virado um pássaro sem querer e que havia sido encontrado a uns dois quarteirões do lugar onde estávamos, desmaiado, ensopado e agarrado à bola.
Na verdade, nem ele nem a mãe haviam entendido nada do que acontecera. Ele se lembrava, somente, de que havia subido aos céus e que fora encontrado no meio da rua pelos vizinhos.
Mas a Lúcia e eu o vimos desaparecer.
Belo Horizonte, outubro de 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
  
“As repúblicas acabam pelo luxo, as monarquias pela pobreza.”
(Montesquieu – 1689-1755)
                                  
 

domingo, 10 de novembro de 2013

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PETRIKA E SPINELLI

Na década de 1950, foram inauguradas em São Paulo duas fábricas de sapatos que passaram a oferecer modelos sob medida das suas criações.

A Petrika, de origem grega, mostrava uma linha mais formal, em couro alemão, sapatos sociais na maioria pretos, chiquérrimos mesmo, e a Altemio Spinelli, que apresentava uma linha mais descontraída, baseada nos lindos modelos dos lançamentos italianos. Ela ainda está lá na Rua Oscar Freire, quase esquina de Augusta. O meu amigo Eloy deve se lembrar dessas marcas.

A italiana Spinelli era a minha preferida. E eles duram tanto que ainda tenho dois pares em boas condições de uso, comprados naquela época. Lembro-me, inclusive, de uma bota de cano curto, em desenho inglês tipo Oxford, que levou muitas meias-solas até não suportar mais as costuras e ir pro brejo.

Na nossa turma lá da Rua Arruda Alvim havia os que preferiam os Petrikas - caso do Estácio -, e nós outros que preferíamos os italianos Spinelli. Entusiasmado, ele juntou umas economias e comprou o sapato grego bem estiloso, meias de seda e viajou conosco para a Cidade Ocean, condomínio recém-inaugurado na Praia Grande. O pai do Renato “magro”, também da turma, tinha lá um apartamento para onde íamos, invariavelmente, todo fim de semana. O Renato, eu e o meu violão éramos fixos; os outros da turma se revezavam. E, naquele feriado prolongado, o Estácio era um deles, que não desgrudava do sapato novo nem para ir à praia.

Todos os banhistas descalços ou com sandálias e ele desfilando com o seu Petrika, muito bem engraxado, calçado sobre meias pretas. Acabou virando uma figura folclórica durante aquelas férias.

À noite, quando arrumávamos companhia, promovíamos uns banhos noturnos, tipo Adão e Eva. Numa daquelas noites, o Estácio já bem animado com umas canas descalçou a preciosidade e mergulhou no mar, deixando-a junto com as roupas na areia. Nadou a se fartar e quando saiu do mar para se vestir, os sapatos haviam sumido. Ficou doido, baratinado. Começou a correr de um lado pro outro, gritando: “Fui roubado, pegaram meus sapatos, me ajudem, por favor. Meus sapatos custaram uma fortuna. Chamem a polícia, tem ladrão na praia. Imploro que me ajudem!”

E assim, pelado, ele saiu correndo e berrando, Cidade Ocean adentro. Na rua central, onde ficam todos os prédios, as janelas foram-se abrindo e nós, de longe, morrendo de rir do desespero dele pedindo ajuda para descobrir o ladrão de sapatos pedidndo o....omias nelli.  a de semana.os os prtro, nu  em pelo e gritando: pegaram .

e o Renato Magro tinha um aprtamento. .  Já esgotado, cabisbaixo e triste, voltou vaiado por alguns turistas nas janelas e chegou até às roupas, que vestiu e quase chorando desistiu da gritaria.

Daquele dia em diante, passou a conferir os calçados de todos os hóspedes do belo balneário à beira-mar, mas nunca mais viu o par de Petrikas.

Na gozação, sugerimos a ele que fizesse, toda manhã, um plantão no Mercado dos Peixes para verificar nos pés grossos, cascudos e rachados dos pescadores se havia algum andando desengonçado com os finíssimos sapatos pretos.

Belo Horizonte, outubro/2013.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

 

As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o
presente e encaram o futuro sem medo. Epicuro

 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


A MÃE RAPTADA

Com um mal-estar súbito, a mãe deles foi internada num ótimo hospital onde conheciam o diretor-clínico. Com esta facilidade, conseguiram a internação sem maiores burocracias, pois uma vaga hospitalar em Belo Horizonte, na época, era coisa raríssima.  A senhora foi muito bem assistida, exames clínicos e laboratoriais imediatamente aplicados e o diagnóstico: pneumonia tripla.

O velho diretor aconselhou aos rapazes: Não se preocupem, vai ficar tudo bem aqui no hospital. Repouso obrigatório, alimentação balanceada e medicação correta, com uns dez dias ela terá alta. Os dois irmãos ficaram mais ou menos calmos porque o Natal estava chegando e seria uma lástima não ter a mãe em casa para as comemorações. Era ela quem preparava tudo: a ceia, as brincadeiras com os presentes, regia a cantoria, enfim, era a figura central e mais importante na modesta casa na Floresta. Mas ela vai ficar sozinha?- perguntaram.

O plano dela não autorizava um acompanhante e, conformados, os filhos foram embora. Saíram pensativos, se entreolhando e maquinando alguma ideia para raptar a mãe e levá-la para casa a tempo do Natal. Não deu outra. Marcaram para o dia seguinte, depois das oito da noite na porta do fundo do hospital, os dois de branco. Encontraram-se como o combinado e formularam o rapto.

Marcaram para o dia seguinte, depois das oito da noite, usando a porta dos fundos do hospital e ambos vestidos de branco. Entramos pelo estacionamento, que nessa hora está vazio, pegamos uma cadeira de rodas - há muitas na porta de trás do hospital -, subimos pelo elevador de macas e, sem dar satisfação a ninguém, vamos até o quarto, colocamos a velha na cadeira e nos mandamos. Tudo bem.

O plano saiu perfeito só que ao chegarem à saída dos fundos caiu uma tremenda chuva. E agora, a velha tá com pneumonia, como fazemos? Já que viemos até aqui, vamos levá-la de qualquer maneira, com pneumonia tripla e tudo. Assim, a mãe ensopada foi acomodada no carro, e a cadeira de rodas foi abandonada no passeio. Rindo muito do sucesso do mal-feito, eles se mandaram para casa. Lá, acomodaram a mãe na cama com todo cuidado e foram pitar um cigarrinho no quintal. A chuva já havia passado. Nisto, o diretor do hospital telefona comunicando o sumiço da paciente - coisa que nunca acontecera naquele hospital -, e informando que já haviam tomado todas as providências, enfim, que não se preocupassem, pois logo  tudo estaria resolvido etc., etc. O do telefone falou: Não se preocupe não, doutor, mamãe está conosco aqui em casa e até foi à padaria comprar uns pães pra servir com um cafezinho. O senhor aceita?

Belo Horizonte, outubro/2103.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

No mundo da mulher poucas naufragam de noite, muitas, ao amanhecer


Antonio Machado


 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 27 de outubro de 2013

                              MOMENTOS PARISIENSES
Tempos atrás, em Paris, pegamos o metrô na estação Bir-Hakeim, a um quarteirão do prédio onde morávamos, para ir até à Opera a fim de comprar ingressos para o grande concerto Die Walkuere, de Wagner, que entraria em cartaz naquele mês. No trem, já imaginávamos o tamanho da fila, mas quando chegamos à estação o que presenciamos foi uma confusão danada com pessoas assustadas correndo. Naquele tumulto, conseguimos subir as escadas e topamos com uma manifestação de rua, do tipo dessas que temos visto acontecendo em Belo Horizonte e em todo o país.
A bandeira bleu, blanc, rouge balançando à frente de um grupo de figuras  estranhas, suadas, gritando questões de ordem e muito decididas. Pela roupa, pareciam africanos, mas eram brancos, traços delicados, narizes finos, pele lisa e estatura mediana, berrando questões de ordem e portando cartazes com textos “Vamos mudar o mundo”, “Nossos direitos de...?”, e por aí afora.
Comentei com o Flávio: “Que encrenca, hem. E agora?” Ele, calmo como um árabe de boa estirpe, falou:Pois é, cachaceiro, vamos sair do alvo dos tiros, sentar em algum lugar agradável, beber e  aguardar”. Estávamos bem em frente ao majestoso prédio da Opera e não conseguiríamos romper no meio da multidão para chegar até lá.
A delícia em Paris é que há sempre um café aconchegante, com mesas nas calçadas, gente bonita ao redor, para se fazer hora. Sentamo-nos num daqueles - não me lembro do nome - e esperamos passar a turba. Só que bebemos tanto e a conversa estava tão boa que nos esquecemos de atravessar a rua para comprar os ingressos.
Apareceu por lá um casal de americanos com uma amiga, que pediu para sentar-se conosco. O café estava lotado e eles também estavam perdidos no meio da multidão. E o papo foi ficando bom, cada um contando um pouco da própria vida, de onde vinha, o que fazia, e, curiosamente, as histórias foram se entrecruzando. Num momento, a amiga deles, Judith, de Chicago, lembrou-se da história de um grupo de estudantes brasileiros que haviam estado na casa dos pais dela, lá por volta dos anos 1960, e que, na turma, havia um até bem parecido comigo, que tocava violão. Que coincidência! Era eu mesmo, então, rapaz de 24 anos, em pleno debut na primeira viagem internacional.
Ela lembrava-se de tudo, até de um affair que teve com o meu amigo Ivan, que havia desaparecido quando chegamos a New York, e até desvendou o mistério, contando que ela e o Ivan haviam combinado um encontro em determinado dia e hora, no aeroporto La Guardia, para voarem juntos para Miami. Disse, ainda, que ficaram hospedados na casa de uma amiga dela, em Fort Lauderdale, e passaram aquela temporada juntos, no bem-bom, com direito à praia e tudo o mais. E nós, pobres mortais do grupo, havíamos ficado congelando na Big Apple, para prosseguir viagem numa longa jornada de ônibus até Miami, que era o ponto final da nossa temporada de estudos.
Como eram arriscadas essas combinações naquela época!
Belo Horizonte, outubro/2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A tragédia da vida é que ficamos velhos cedo demais e sábios, tarde demais. Benjamim Franklin
 
 
 

sábado, 19 de outubro de 2013

DIVONE
Chegamos em Genebra, na Suíça,  bem tarde. Era começo da madrugada de sábado. Dormimos e planejamos uma volta pela cidade para, em seguida, pegarmos a estrada para Divone, pequena cidade no sul da França. Alugamos um carro, coincidentemente, o mesmo que eu tinha em Belo Horizonte, um Chevette na cor preta; só que o meu era amarelo. Familiarizados com o carro, tomamos a estrada principal de saída da cidade, pisando no acelerador na faixa livre da Auto Ban suíça.
Rapidamente já estávamos alojados à volta da primeira mesa de roleta, na entrada do cassino. Eu, com míseros US$ 1,000, o B com U$ 500 e o M com US$ 25,000. Imaginávamos ser uma barbada duplicarmos essa pequena fortuna nas mesas de Baccarat e Chemin de Fer, visto como, os frequentadores do cassino, naquele sábado, eram todos acima dos 70 e nós, garbosos rapazes em torno dos 30. Uma moleza!
Com as fichas nos bolsos, iniciamos a jogatina pelas roletas para juntar um bom capital e, com a bolada, a multiplicarmos por mil, juntando-nos aos velhos no carteado, a fim de limpá-los.
Nas roletas não fomos muito bem. Jogava com muita parcimônia, pois meu dinheiro era pouco e ainda teríamos que viajar para Alemanha, Suécia, Holanda e França para comprar equipamento high-tec para montagem de um laticínio em BH. Perdi uns 100 dólares na primeira mesa, B uns 30. Partimos para a segunda, pois a primeira não deu sorte. Lá se foram mais alguns dólares. Na terceira mesa, os jogadores, muito alegres, contagiavam a todos, insinuando tanta sorte que pretendiam “quebrar a banca”.
Iniciamos nossos modestos joguinhos, sempre uma ficha no pleno e algumas na dúzia e no corredor, que não voltavam premiadas. O destino delas era sempre a pá do “croupier”. O M tinha sumido, pois, com uma grana maior, arriscava apostas bem superiores que as nossas, em mesas mais agressivas, onde as apostas eram, praticamente, livres.  Ficávamos por perto sem entrar nas mesas grandes, meio envergonhados com as apostinhas.
Lá pela meia-noite, desolados num canto do cassino e com poucos dólares no bolso, resolvemos aguardar o M, sem mais participar da jogatina. Pedimos uma cerveja, a mais barata da casa, e resolvemos curtir nossa dureza numa sala reservada do cassino. Eis que, subitamente, o M entra na sala e nos convoca para a jogada final. Pediu  todo o dinheiro que ainda tínhamos, e dizia que iria “lavar a égua”. Nestes termos mesmo.
Como ele era o patrocinador da nossa viagem, aquiescemos. Entreguei-lhe os meus parcos U$ 150 e o B os seus US$ 100, que havia escondido na barra da calça, para não perder tudo. Restou-nos torcer pelo M!
Ele se dirigiu para a mesa mais barulhenta, onde havia jogadores de diversas nacionalidades, todos muito bem vestidos e uns até, de smoking, vindos, talvez, de alguma festa de gala. Ele era compulsivo e impulsivo, não ficava fora de nenhuma rodada. Jogava fichas no pleno - que paga trinta e cinco vezes a aposta -, muitas fichas na dúzia e na cor, que remuneram com o dobro da aposta, como na coluna. Cada rodada apresentava um resultado: ora muitas fichas de volta, ora muitas de ida. E lá ficamos até a perda da última ficha. Eram quatro horas da manhã quando saímos, totalmente limpos, de volta para Genebra.
A viagem de volta foi muito tensa, com pouca conversa. Quando chegamos ao hotel, M disse: “Amanhã, saímos bem cedo para Amsterdam, onde vou tentar arranjar algum dinheiro. Por sorte, deixei alguns dólares no cofre do Hotel, pois conheço meus impulsos e sei que, dificilmente, voltaria com dinheiro de Divone.
Partimos, meio desconsolados para a Holanda, já com o convite para saborear uma sopa de ostras com o presidente da empresa, onde havíamos encomendado um tanque/filtro que custava a bagatela de US$ 300,000. Lá chegando, fomos direto para a reunião agendada com a diretoria da fábrica. Colocaram-nos numa sala onde entraram cinco executivos, todos rigorosamente vestidos de ternos e gravatas de grife, educadíssimos, que falavam, pelo menos, três línguas: a nativa, holandês; o inglês e o francês.
O começo da reunião foi engraçadíssimo, pois logo após a troca de cartões e apresentações, o M foi logo dizendo: “Antes de começarmos, preciso contar uma história e pedir-lhes um favor”. Todos ficaram em silêncio e atentos ao relato dele. “Nosso hotel sofreu um assalto ontem à noite e os ladrões limparam os cofres com o dinheiro dos hóspedes, inclusive o nosso. Estamos limpos e precisamos de, pelo menos, uns trinta mil dólares para prosseguirmos viagem.” Olhou pra mim e disse: “Brandão, traduza pra eles.” Como não esperava uma desculpa tão esfarrapada, pois não havíamos combinado nada, fiquei um pouco sem jeito, mas traduzi a fantasia da carochinha.
Hotel assaltado na Suíça? Eu, hein? Um deles, que parecia o mais graduado, pediu licença e levantou-se saindo da sala com ar sisudo. Ficamos aguardando em silêncio e, quando ele voltou, já veio com uma maleta cheia de dólares, para conceder o empréstimo solicitado. E assim, fomos recebendo, a cada duas horas, um grupo novo de negociadores da empresa, para discussão sobre o tipo de filtro, capacidade, acabamento, condições da exportação, etc. Contei quatro grupos de executivos, incluindo um, só para nos acompanhar na sopa de ostras, no restaurante da fábrica. Às seis da tarde, estávamos esgotados, quando voltou o primeiro quarteto da manhã, banho tomado, bochechas vermelhas e roupas trocadas, para o fechamento do negócio. É lógico que aceitamos todas as condições que nos ofereceram, principalmente, porque estávamos partindo com o filtro comprado mais um empréstimo a ser resgatado.
Boa técnica de venda dos holandeses!!!
Roberto H. Brandão
Belo Horizonte, 24/06/2008   
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS


Tudo com moderação, inclusive a moderação. Oscar Wilde


sábado, 12 de outubro de 2013

                                          Av. Afonso Pena, na década de 1940


                                    MEIA HORA NA AFONSO PENA

Depois de um almoço na Associação Comercial de Minas, oferecido pela missão comercial de Hong Kong, desci para esperar o motorista na porta do prédio e lá fiquei observando os passantes e a situação em geral. Eram 14 horas. De maneira geral, o pessoal que transita por ali é feio, mal vestido e de humor duvidoso, pois todos de cara amarrada.
Um Fiat Dobló estaciona bem na porta e saem dois ocupantes: o que conduzia um carrinho de supermercado e um porta-treco com rodas vira-se para o motorista e fala: “Eu vou demorar, pelo menos, uma hora pra recolher tudo”. O outro responde: “Vai tranquilo, eu dou um jeito”. O jeito dele foi abrir o capô da perua, buscar uma garrafa de água e ficar fingindo que estava arrumando o motor do carro e, muito atento, ficar observando se aparecia algum fiscal de trânsito.
Duas moças - jovens senhoras - param à minha frente e continuam uma conversa que já deviam estar tratando há muito tempo, pois estavam se despedindo e uma tentava convencer a outra.
- Você tem que ir é para casa, eu sei o que você está passando e o jeito é enfrentar a situação.
- Pois é, mas eu queria mesmo era sumir!
Uma grita:  
- Não, senhora. Eu vou levar você pra casa e fim de papo.
- Mas eu não tenho mais ambiente, ele nem olha mais pra mim.
- Bobagem, é só você se ajeitar um pouquinho que ele vem de rastro, podes crer.
- Mas eu não quero, estou sem jeito, muito desapontada.
- Queira ou não, eu vou levá-la pra casa  - falou a mandona, pegando a amiga pelo braço e a arrastando em direção ao carro dela.
Fiquei distraído ouvindo a discussão delas e não vi uma mocinha, até bonitinha, de jeans bem curtinho, pernas finas e botas, que para na minha frente e diz, entregando-me um cartão: “Não sei se sou o seu tipo, mas tenho certeza de você vai gostar”. No cartão impresso com verniz, dizia, “Fulana de Tal” - Acompanhante de luxo – Fone: (31) xyxyxyxy - fulana.com.br/detal E seguiu caminho olhando para ver se percebia alguma reação da minha parte. Nada.
Viro o rosto e vejo um rapaz vindo em minha direção. Aperto o bolso que estava com a carteira e seguro o celular no outro bolso do paletó.  Ele para na minha frente com um papel na mão e pergunta: “Você sabe onde é o xerox?” Disse que não tinha a menor ideia e fiquei prestando atenção numa mulher bem gorda que tentava entrar pela porta do ônibus. Tem um ponto em frente. Não conseguiu, berrou alguma coisa para o motorista, que se mandou acelerando.
Nisto, aparece o Paulão, motorista da Epamig, a pé e abanando a mão, no meio da avenida: “Dr. Brandão, não consegui atravessar pra este lado, o carro está lá em frente”, apontando o outro lado da avenida.
Preparava-me para atravessar a avenida quando fui abordado por Mr. Louis Ho, HKTDC Regional Director for the Américas, que falou sorrindo: “Hei Roberto, with this glasses you look like James Bond”. E eu: “But I’m not a spy, Mr. Ho, be sure. See you in Hong Kong next year”. Ele riu muito e entrou no táxi.

Belo Horizonte, outubro/2013
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

A tragédia da vida é que ficamos velhos cedo demais e sábios, tarde demais. Benjamim Franklin

 

 

domingo, 6 de outubro de 2013


MAIORIDADE PENAL?

Discute-se hoje um tema que vem preocupando gerações e mais gerações, pois a cada

dia as crianças vão se tornando cada vez mais maduras em menor tempo. Pensando nisto, fiz uma regressão aos meus tempos de infância e comecei a me lembrar como eram e que brinquedos e brincadeiras encantavam a nossa geração. Eram bem toscos, fabricados por nós mesmos ou pelos pais, tios ou avós: patinetes, rolimãs, bola de gude, bente-altas (bola de meia), finca (faca de cozinha), amarelinha (marcada com giz ou carvão), cabra-cega (venda com meia velha), pegador (correria de rua com o pique nos poste), passa-anel, boneca (de pano, feita em casa), rolimã, pião, bodoque, chicotinho queimado e pula corda.

Com papel, então, fazíamos de tudo: aviõezinhos, barquinhos, pagagaios (pipas), origamis. Recortávamos, dobrávamos, desenhávamos e inventávamos tantos outros. Mal sabíamos que aqueles brinquedinhos inocentes e inofensivos estavam prolongando nossas deliciosas infâncias ad infinutum. Como éramos felizes e bem sabíamos!

Lúcia, minha irmã e eu, então, dispúnhamos de uma antiga (na época, nova) máquina de costura Singer da mamãe, com as gavetas cheias de retroses, botões de todos os tipos e cores, alfinetes de mola, agulhas rombudas de todas as medidas, que possibilitavam uma série enorme de brinquedos e brincadeiras que nos mantiveram inocentemente distraídos por anos a fio. E olhe que nós morávamos em cidades pequenas naquela época, como Ijuí e Cruz Alta no Rio Grande do Sul, mas, também, aprontávamos com aqueles brinquedos, correndo saudáveis pelas ruas e avenidas em cidades bem maiores como as capitais Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio e São Paulo.

Lembro-me de que, soltando papagaio (pipa) na Rua Bernardo Guimarães em Belo Horizonte, saí correndo pelo meio da rua e bati com a cabeça num poste de ferro. Desmaiei e fui acordar na cama da casa da vovó, com uma junta de tios, minha avó e a empregada Natalina ao meu redor aplicando compressas quentes e demonstrando preocupação. Era um tempo da inocência, sem dúvida!

Já nas últimas décadas - talvez de 1960 para cá -, aquelas inocentes crianças foram ficando maduras mais prontamente, com uma variedade enorme de brinquedos elétricos e eletrônicos que já as remetiam para uma vida cheia de comparações, de concorrências, de exibições, de competições e que as amadureciam mais depressa.

Daí, afinal, a pertinência dessa discussão: ou o poder público resgata energicamente a segurança para as crianças voltarem a brincar nas ruas ou diminuímos a idade limite para considerá-las maiores.

À consideração dos leitores.

Belo Horizonte, setembro/2013.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

O ignorante é um auto-didata por conta própria.


Mário Quintana

 

 

domingo, 29 de setembro de 2013

                                Rua Teodoro Sampaio, 316, Ed. São Miguel Arcanjo, SP
A PRIMEIRA NAMORADA
Leony era o nome dela. Ela foi minha primeira namorada. O ano era 1955 e a cidade, São Paulo. Filha de franceses, ela estudava no DesOiseaux, um colégio de freiras, famosíssimo pela fina e sofisticada educação ali ministrada. E eu, pobretão, estudava no Ginásio Castro Alves, na própria Rua Teodoro Sampaio com Alves Guimarães, a três quadras, como dizem os paulistas, lá de casa.
Quando o Studbaker cinza-1948 subia a Rua Teodoro Sampaio, às cinco da tarde, eu sabia que ia namorar no fim-de-semana. Ansioso, ficava sentado na porta do prédio onde eu morava, esperando a passagem do carrão, que virava à esquerda na Rua Mapuera e deixava a linda Leony na casa das amigas Marisa e Marília.
Subia as escadas correndo para tomar banho antes que o papai chegasse da Faculdade de Higiene e a Lúcia do Banco Nacional, onde trabalhava. Era a conta certa, pois ambos sempre chegavam lá pelas cinco e meia. Papai vinha a pé - a Faculdade era a meio quarteirão lá de casa, ele cortava caminho pelos jardins -, e a Lúcia vinha de bonde, que pegava na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal, centrão da cidade, ao lado do Viaduto do Chá.
Era um namoro de adolescentes - os dois com quatorze anos - e se limitava a ficarmos de mãos dadas no portão da casa das amigas, contando as atividades da semana que passou. Esse “santo” namoro era controlado pelos pais das meninas que ficavam obrigados a fazer um relatório de todas as atividades dos namoradinhos aos pais da Leony. Ela me contava todos os detalhes da conversa: Aí, meu pai perguntava se ficávamos de mãos dadas, se tinham ouvido nossa conversa, se havíamos saído para umas voltas no quarteirão... Beijos? Nem no rosto. Leony tinha uma pele clarinha, tentadora, com as bochechinhas rosadas, uma legítima francesinha de raça pura.
A mãe da Marisa respondia que nosso comportamento era exemplar e que eu era um rapaz muito respeitador. Viva eu! Durante a semana, zoneiro e avacalhado; boêmio até a alma, tocador de violão e com um fã-clube enorme no ginásio. Mas, nos fins de semana, eu ficava comportadíssimo com a estrangeirinha charmosa.
Quando ouço a Carla Bruni ou a vejo nalguma revista ou TV, lembro-me imediatamente da Leony. Era o mesmo tipo. Gostaria muito de saber o paradeiro dela, mas não sei nem por onde começar.
Se fué, como diz o Luiz Eduardo Aute na música El Unicórnio azul.
Belo Horizonte, setembro/2013. 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Os poetas nos ajudam a amar.
E só servem para isso.
Anatole France (1874-1922)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

 
 MANHÃ DE AUTÓGRAFOS
Domingo, 22 de setembro de 2013, foi o dia em que tive a oportunidade de viver uma das maiores emoções da minha vida. Convidado pelo meu colega de livro - na antologia Novos Contistas Mineiros, publicada em 1997 -, o psiquiatra e escritor, Ronaldo Simões Coelho, para escrever um conto infantil, para a campanha Livro de Graça na Praça, a princípio fiquei assustado. Depois me animei com o novo desafio e topei a parada. E, nesta aventura, vivi um domingo de muita alegria e realização.
Talvez tenha autografado mais de duzentos livros para uma criançada animada com a leitura da forma tradicional: folheando o livro mesmo. Com os pais, avôs e avós, eles se postaram, pacientemente, numa fila que ia da Praça da Liberdade até o Palácio dos Despachos, das nove da manhã até às duas e meia da tarde. Que prêmio, que felicidade! - comentei com o Ronaldo.
Os meninos e meninas passavam pela mesa de autógrafos com seus livrinhos na mão, anunciando “Meu nome é...” Acho que o nome mais ouvido foi Gabriel. E muitos Pedros, Stephanis, Natálias (também com th), Daniéis, Rafaéis (também com ph), Marianas, Anas (com um ou dois enes), Isabelas (com s, com z, com um ou dois ll), Luísas (com s e com z), mas poucos Luíses, nenhum Ronald, e dezenas de nomes diferentes como Sthevam, Vasigton, Kevenn, dois únicos Josés, um Carlos e o Maria - meu colega da Epamig – e mais Juan, Valentim, Ethan. Nenhuma simplesmente Maria; uma Lúcia e ainda diversas Eduardas, Lívias, Níveas, Carolinas, Maíras, Thaíses (também sem th) e Jaquelines.
Eram momentos de glória quando os pequenos pediam o meu autógrafo. E eu aproveitava para instigá-los a ler e depois contar aos pais qual a melhor história daquela edição de autores diversos, a mais gozada, a mais doida, enfim eu ia dando qualquer outra sugestão para que lessem mesmo.
Num determinado momento, apareceu uma jornalista e me pediu uma entrevista. Claro, você quer saber o quê? Pergunta e resposta óbvias: O que o senhor acha da promoção Livro de Graça na Praça? Tudo, respondi. É a melhor maneira de levar essa meninada a buscar o livro e mantê-lo vivo, entendendo que folhear um livro é muito mais prazeroso do que teclar no computador. O livro é vivo, caminha com você. Abre e fecha quando você quer e, a cada página, traz uma surpresa e uma nova emoção.
Assim, não me canso de repetir, sem pieguice, que foi um dos melhores dias da minha vida.
Fico imaginando agora a criançada entretida com as belas histórias dos meus outros 23 companheiros do livro “Porcós, Pulgos e Fogo-Apagous”, a décima primeira edição da campanha do Livro de Graça na Praça.
Belo Horizonte, setembro/2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A mente que se abre para uma nova ideia jamais voltará ao tamanho original. Albert Einstein

terça-feira, 17 de setembro de 2013


EPITÁFIO A UM AMIGO ARTISTA
Quero falar hoje de um amigo, um artista, que se foi.
Lembro-me de que, por acaso, quando ainda advogava e tinha um pequeno escritório na Av. Afonso Pena, atravessei a avenida para procurar um alfaiate. A advocacia exigia, como até hoje exige, terno e gravata para o trabalho. Assim, cheguei ao Edifício Sulacap que, no térreo, tinha uma alfaiataria - Diniz & Verona. O Diniz, muito simpático me atendeu e contei-lhe sobre a minha necessidade. Ele falou: Hermano, tire as medidas deste jovem advogado, Vamos deixá-lo muito chique!
Ali, começava uma amizade feliz e verdadeira. O oficial ainda me ajudou a escolher o tecido, um Príncipe de Gales legítimo. Disse ele: Casimira inglesa, um dos nossos melhores panos.
Na verdade, o jovem advogado de 26 anos ficou muito bem vestido, no entanto, destoava dos sisudos colegas no Fórum Lafaiete e no Tribunal de Justiça, com ternos escuros e mal cortados, inclusive o do seu tio Hermeto, com quem ele dividia a banca advocatícia.
Daquele primeiro terno - vaidoso como sempre -, o advogado partiu para outros e foi acompanhando aquele oficial artista que o havia atendido tão bem. O seguinte já foi encomendado na salinha do Ed. Helena Passig, para onde o Hermano havia se mudado, iniciando carreira solo, com a plaquinha “Hermano Alfaiate”. Muitos anos no prédio e o “Tesoura de Ouro”, título que recebeu numa promoção jornalística, resolveu mudar-se para uma casa fora do centrão de Belo Horizonte. Aquela clientela aleatória estava muito fraquinha para o talento dele. Mudou-se para uma casa na Rua Santa Rita Durão, quando lhe ofereci uma placa que está lá até hoje, exibida na coluna da varanda da casa. Estava montado ali o atelier do melhor alfaiate mineiro de todos os tempos, competentemente assistido pelo Oswaldo, outro mestre do corte e da costura. Com bom humor incomparável e uma risada que cativava e inundava todo o quarteirão.
Estive lá por diversas vezes somente para ouvir seus comentários inteligentes sobre a política brasileira e saber de suas acrobacias com os aeromodelos que montava e os colocava no ar. Com aquelas acrobacias ele  arejava sua cabeça privilegiada e, naquelas visitas, eu me deliciava com suas risadas irreverentes.
Aqui, minha homenagem ao amigo e mestre da tesoura , que partiu para um voo mais longo.
Um dos herdeiros do mestre, o Marcelo, que vi nascer, está seguindo os passos do pai, com a Blade Runer, etiqueta de sucesso.
Belo Horizonte, setembro/2013.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
(Fernando Pessoa)