DIVONE
Chegamos
em Genebra, na Suíça, bem tarde. Era
começo da madrugada de sábado. Dormimos e planejamos uma volta pela cidade para,
em seguida, pegarmos a estrada para Divone, pequena cidade no sul da França.
Alugamos um carro, coincidentemente, o mesmo que eu tinha em Belo Horizonte, um
Chevette na cor preta; só que o meu era amarelo. Familiarizados com o carro,
tomamos a estrada principal de saída da cidade, pisando no acelerador na faixa livre
da Auto Ban suíça.
Rapidamente
já estávamos alojados à volta da primeira mesa de roleta, na entrada do cassino.
Eu, com míseros US$ 1,000, o B com U$ 500 e o M com US$ 25,000. Imaginávamos
ser uma barbada duplicarmos essa pequena fortuna nas mesas de Baccarat e Chemin
de Fer, visto como, os frequentadores do cassino, naquele sábado, eram todos acima
dos 70 e nós, garbosos rapazes em torno dos 30. Uma moleza!
Com as
fichas nos bolsos, iniciamos a jogatina pelas roletas para juntar um bom
capital e, com a bolada, a multiplicarmos por mil, juntando-nos aos velhos no
carteado, a fim de limpá-los.
Nas
roletas não fomos muito bem. Jogava com muita parcimônia, pois meu dinheiro era
pouco e ainda teríamos que viajar para Alemanha, Suécia, Holanda e França para
comprar equipamento high-tec para
montagem de um laticínio em
BH. Perdi uns 100 dólares na primeira mesa, B uns 30.
Partimos para a segunda, pois a primeira não deu sorte. Lá se foram mais alguns
dólares. Na terceira mesa, os jogadores, muito alegres, contagiavam a todos,
insinuando tanta sorte que pretendiam “quebrar a banca”.
Iniciamos
nossos modestos joguinhos, sempre uma ficha no pleno e algumas na dúzia e no
corredor, que não voltavam premiadas. O destino delas era sempre a pá do
“croupier”. O M tinha sumido, pois, com uma grana maior, arriscava apostas bem
superiores que as nossas, em mesas mais agressivas, onde as apostas eram,
praticamente, livres. Ficávamos por
perto sem entrar nas mesas grandes, meio envergonhados com as apostinhas.
Lá pela
meia-noite, desolados num canto do cassino e com poucos dólares no bolso,
resolvemos aguardar o M, sem mais participar da jogatina. Pedimos uma cerveja,
a mais barata da casa, e resolvemos curtir nossa dureza numa sala reservada do
cassino. Eis que, subitamente, o M entra na sala e nos convoca para a jogada
final. Pediu todo o dinheiro que ainda tínhamos,
e dizia que iria “lavar a égua”. Nestes termos mesmo.
Como
ele era o patrocinador da nossa viagem, aquiescemos. Entreguei-lhe os meus
parcos U$ 150 e o B os seus US$ 100, que havia escondido na barra da calça,
para não perder tudo. Restou-nos torcer pelo M!
Ele se
dirigiu para a mesa mais barulhenta, onde havia jogadores de diversas
nacionalidades, todos muito bem vestidos e uns até, de smoking, vindos, talvez,
de alguma festa de gala. Ele era compulsivo e impulsivo, não ficava fora de
nenhuma rodada. Jogava fichas no pleno - que paga trinta e cinco vezes a aposta
-, muitas fichas na dúzia e na cor, que remuneram com o dobro da aposta, como
na coluna. Cada rodada apresentava um resultado: ora muitas fichas de volta, ora
muitas de ida. E lá ficamos até a perda da última ficha. Eram quatro horas da
manhã quando saímos, totalmente limpos, de volta para Genebra.
A
viagem de volta foi muito tensa, com pouca conversa. Quando chegamos ao hotel,
M disse: “Amanhã, saímos bem cedo para Amsterdam, onde vou tentar arranjar
algum dinheiro. Por sorte, deixei alguns dólares no cofre do Hotel, pois
conheço meus impulsos e sei que, dificilmente, voltaria com dinheiro de Divone.
Partimos,
meio desconsolados para a Holanda, já com o convite para saborear uma sopa de
ostras com o presidente da empresa, onde havíamos encomendado um tanque/filtro
que custava a bagatela de US$ 300,000. Lá chegando, fomos direto para a reunião
agendada com a diretoria da fábrica. Colocaram-nos numa sala onde entraram
cinco executivos, todos rigorosamente vestidos de ternos e gravatas de grife,
educadíssimos, que falavam, pelo menos, três línguas: a nativa, holandês; o
inglês e o francês.
O começo
da reunião foi engraçadíssimo, pois logo após a troca de cartões e
apresentações, o M foi logo dizendo: “Antes de começarmos, preciso contar uma
história e pedir-lhes um favor”. Todos ficaram em silêncio e atentos ao relato
dele. “Nosso hotel sofreu um assalto ontem à noite e os ladrões limparam os
cofres com o dinheiro dos hóspedes, inclusive o nosso. Estamos limpos e
precisamos de, pelo menos, uns trinta mil dólares para prosseguirmos viagem.” Olhou
pra mim e disse: “Brandão, traduza pra eles.” Como não esperava uma desculpa
tão esfarrapada, pois não havíamos combinado nada, fiquei um pouco sem jeito,
mas traduzi a fantasia da carochinha.
Hotel
assaltado na Suíça? Eu, hein? Um deles, que parecia o mais graduado, pediu
licença e levantou-se saindo da sala com ar sisudo. Ficamos aguardando em
silêncio e, quando ele voltou, já veio com uma maleta cheia de dólares, para
conceder o empréstimo solicitado. E assim, fomos recebendo, a cada duas horas,
um grupo novo de negociadores da empresa, para discussão sobre o tipo de
filtro, capacidade, acabamento, condições da exportação, etc. Contei quatro
grupos de executivos, incluindo um, só para nos acompanhar na sopa de ostras,
no restaurante da fábrica. Às seis da tarde, estávamos esgotados, quando voltou
o primeiro quarteto da manhã, banho tomado, bochechas vermelhas e roupas trocadas,
para o fechamento do negócio. É lógico que aceitamos todas as condições que nos
ofereceram, principalmente, porque estávamos partindo com o filtro comprado
mais um empréstimo a ser resgatado.
Boa
técnica de venda dos holandeses!!!
Roberto
H. Brandão
Belo
Horizonte, 24/06/2008
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Tudo com moderação, inclusive
a moderação. Oscar Wilde