domingo, 27 de outubro de 2013

                              MOMENTOS PARISIENSES
Tempos atrás, em Paris, pegamos o metrô na estação Bir-Hakeim, a um quarteirão do prédio onde morávamos, para ir até à Opera a fim de comprar ingressos para o grande concerto Die Walkuere, de Wagner, que entraria em cartaz naquele mês. No trem, já imaginávamos o tamanho da fila, mas quando chegamos à estação o que presenciamos foi uma confusão danada com pessoas assustadas correndo. Naquele tumulto, conseguimos subir as escadas e topamos com uma manifestação de rua, do tipo dessas que temos visto acontecendo em Belo Horizonte e em todo o país.
A bandeira bleu, blanc, rouge balançando à frente de um grupo de figuras  estranhas, suadas, gritando questões de ordem e muito decididas. Pela roupa, pareciam africanos, mas eram brancos, traços delicados, narizes finos, pele lisa e estatura mediana, berrando questões de ordem e portando cartazes com textos “Vamos mudar o mundo”, “Nossos direitos de...?”, e por aí afora.
Comentei com o Flávio: “Que encrenca, hem. E agora?” Ele, calmo como um árabe de boa estirpe, falou:Pois é, cachaceiro, vamos sair do alvo dos tiros, sentar em algum lugar agradável, beber e  aguardar”. Estávamos bem em frente ao majestoso prédio da Opera e não conseguiríamos romper no meio da multidão para chegar até lá.
A delícia em Paris é que há sempre um café aconchegante, com mesas nas calçadas, gente bonita ao redor, para se fazer hora. Sentamo-nos num daqueles - não me lembro do nome - e esperamos passar a turba. Só que bebemos tanto e a conversa estava tão boa que nos esquecemos de atravessar a rua para comprar os ingressos.
Apareceu por lá um casal de americanos com uma amiga, que pediu para sentar-se conosco. O café estava lotado e eles também estavam perdidos no meio da multidão. E o papo foi ficando bom, cada um contando um pouco da própria vida, de onde vinha, o que fazia, e, curiosamente, as histórias foram se entrecruzando. Num momento, a amiga deles, Judith, de Chicago, lembrou-se da história de um grupo de estudantes brasileiros que haviam estado na casa dos pais dela, lá por volta dos anos 1960, e que, na turma, havia um até bem parecido comigo, que tocava violão. Que coincidência! Era eu mesmo, então, rapaz de 24 anos, em pleno debut na primeira viagem internacional.
Ela lembrava-se de tudo, até de um affair que teve com o meu amigo Ivan, que havia desaparecido quando chegamos a New York, e até desvendou o mistério, contando que ela e o Ivan haviam combinado um encontro em determinado dia e hora, no aeroporto La Guardia, para voarem juntos para Miami. Disse, ainda, que ficaram hospedados na casa de uma amiga dela, em Fort Lauderdale, e passaram aquela temporada juntos, no bem-bom, com direito à praia e tudo o mais. E nós, pobres mortais do grupo, havíamos ficado congelando na Big Apple, para prosseguir viagem numa longa jornada de ônibus até Miami, que era o ponto final da nossa temporada de estudos.
Como eram arriscadas essas combinações naquela época!
Belo Horizonte, outubro/2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A tragédia da vida é que ficamos velhos cedo demais e sábios, tarde demais. Benjamim Franklin
 
 
 

sábado, 19 de outubro de 2013

DIVONE
Chegamos em Genebra, na Suíça,  bem tarde. Era começo da madrugada de sábado. Dormimos e planejamos uma volta pela cidade para, em seguida, pegarmos a estrada para Divone, pequena cidade no sul da França. Alugamos um carro, coincidentemente, o mesmo que eu tinha em Belo Horizonte, um Chevette na cor preta; só que o meu era amarelo. Familiarizados com o carro, tomamos a estrada principal de saída da cidade, pisando no acelerador na faixa livre da Auto Ban suíça.
Rapidamente já estávamos alojados à volta da primeira mesa de roleta, na entrada do cassino. Eu, com míseros US$ 1,000, o B com U$ 500 e o M com US$ 25,000. Imaginávamos ser uma barbada duplicarmos essa pequena fortuna nas mesas de Baccarat e Chemin de Fer, visto como, os frequentadores do cassino, naquele sábado, eram todos acima dos 70 e nós, garbosos rapazes em torno dos 30. Uma moleza!
Com as fichas nos bolsos, iniciamos a jogatina pelas roletas para juntar um bom capital e, com a bolada, a multiplicarmos por mil, juntando-nos aos velhos no carteado, a fim de limpá-los.
Nas roletas não fomos muito bem. Jogava com muita parcimônia, pois meu dinheiro era pouco e ainda teríamos que viajar para Alemanha, Suécia, Holanda e França para comprar equipamento high-tec para montagem de um laticínio em BH. Perdi uns 100 dólares na primeira mesa, B uns 30. Partimos para a segunda, pois a primeira não deu sorte. Lá se foram mais alguns dólares. Na terceira mesa, os jogadores, muito alegres, contagiavam a todos, insinuando tanta sorte que pretendiam “quebrar a banca”.
Iniciamos nossos modestos joguinhos, sempre uma ficha no pleno e algumas na dúzia e no corredor, que não voltavam premiadas. O destino delas era sempre a pá do “croupier”. O M tinha sumido, pois, com uma grana maior, arriscava apostas bem superiores que as nossas, em mesas mais agressivas, onde as apostas eram, praticamente, livres.  Ficávamos por perto sem entrar nas mesas grandes, meio envergonhados com as apostinhas.
Lá pela meia-noite, desolados num canto do cassino e com poucos dólares no bolso, resolvemos aguardar o M, sem mais participar da jogatina. Pedimos uma cerveja, a mais barata da casa, e resolvemos curtir nossa dureza numa sala reservada do cassino. Eis que, subitamente, o M entra na sala e nos convoca para a jogada final. Pediu  todo o dinheiro que ainda tínhamos, e dizia que iria “lavar a égua”. Nestes termos mesmo.
Como ele era o patrocinador da nossa viagem, aquiescemos. Entreguei-lhe os meus parcos U$ 150 e o B os seus US$ 100, que havia escondido na barra da calça, para não perder tudo. Restou-nos torcer pelo M!
Ele se dirigiu para a mesa mais barulhenta, onde havia jogadores de diversas nacionalidades, todos muito bem vestidos e uns até, de smoking, vindos, talvez, de alguma festa de gala. Ele era compulsivo e impulsivo, não ficava fora de nenhuma rodada. Jogava fichas no pleno - que paga trinta e cinco vezes a aposta -, muitas fichas na dúzia e na cor, que remuneram com o dobro da aposta, como na coluna. Cada rodada apresentava um resultado: ora muitas fichas de volta, ora muitas de ida. E lá ficamos até a perda da última ficha. Eram quatro horas da manhã quando saímos, totalmente limpos, de volta para Genebra.
A viagem de volta foi muito tensa, com pouca conversa. Quando chegamos ao hotel, M disse: “Amanhã, saímos bem cedo para Amsterdam, onde vou tentar arranjar algum dinheiro. Por sorte, deixei alguns dólares no cofre do Hotel, pois conheço meus impulsos e sei que, dificilmente, voltaria com dinheiro de Divone.
Partimos, meio desconsolados para a Holanda, já com o convite para saborear uma sopa de ostras com o presidente da empresa, onde havíamos encomendado um tanque/filtro que custava a bagatela de US$ 300,000. Lá chegando, fomos direto para a reunião agendada com a diretoria da fábrica. Colocaram-nos numa sala onde entraram cinco executivos, todos rigorosamente vestidos de ternos e gravatas de grife, educadíssimos, que falavam, pelo menos, três línguas: a nativa, holandês; o inglês e o francês.
O começo da reunião foi engraçadíssimo, pois logo após a troca de cartões e apresentações, o M foi logo dizendo: “Antes de começarmos, preciso contar uma história e pedir-lhes um favor”. Todos ficaram em silêncio e atentos ao relato dele. “Nosso hotel sofreu um assalto ontem à noite e os ladrões limparam os cofres com o dinheiro dos hóspedes, inclusive o nosso. Estamos limpos e precisamos de, pelo menos, uns trinta mil dólares para prosseguirmos viagem.” Olhou pra mim e disse: “Brandão, traduza pra eles.” Como não esperava uma desculpa tão esfarrapada, pois não havíamos combinado nada, fiquei um pouco sem jeito, mas traduzi a fantasia da carochinha.
Hotel assaltado na Suíça? Eu, hein? Um deles, que parecia o mais graduado, pediu licença e levantou-se saindo da sala com ar sisudo. Ficamos aguardando em silêncio e, quando ele voltou, já veio com uma maleta cheia de dólares, para conceder o empréstimo solicitado. E assim, fomos recebendo, a cada duas horas, um grupo novo de negociadores da empresa, para discussão sobre o tipo de filtro, capacidade, acabamento, condições da exportação, etc. Contei quatro grupos de executivos, incluindo um, só para nos acompanhar na sopa de ostras, no restaurante da fábrica. Às seis da tarde, estávamos esgotados, quando voltou o primeiro quarteto da manhã, banho tomado, bochechas vermelhas e roupas trocadas, para o fechamento do negócio. É lógico que aceitamos todas as condições que nos ofereceram, principalmente, porque estávamos partindo com o filtro comprado mais um empréstimo a ser resgatado.
Boa técnica de venda dos holandeses!!!
Roberto H. Brandão
Belo Horizonte, 24/06/2008   
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS


Tudo com moderação, inclusive a moderação. Oscar Wilde


sábado, 12 de outubro de 2013

                                          Av. Afonso Pena, na década de 1940


                                    MEIA HORA NA AFONSO PENA

Depois de um almoço na Associação Comercial de Minas, oferecido pela missão comercial de Hong Kong, desci para esperar o motorista na porta do prédio e lá fiquei observando os passantes e a situação em geral. Eram 14 horas. De maneira geral, o pessoal que transita por ali é feio, mal vestido e de humor duvidoso, pois todos de cara amarrada.
Um Fiat Dobló estaciona bem na porta e saem dois ocupantes: o que conduzia um carrinho de supermercado e um porta-treco com rodas vira-se para o motorista e fala: “Eu vou demorar, pelo menos, uma hora pra recolher tudo”. O outro responde: “Vai tranquilo, eu dou um jeito”. O jeito dele foi abrir o capô da perua, buscar uma garrafa de água e ficar fingindo que estava arrumando o motor do carro e, muito atento, ficar observando se aparecia algum fiscal de trânsito.
Duas moças - jovens senhoras - param à minha frente e continuam uma conversa que já deviam estar tratando há muito tempo, pois estavam se despedindo e uma tentava convencer a outra.
- Você tem que ir é para casa, eu sei o que você está passando e o jeito é enfrentar a situação.
- Pois é, mas eu queria mesmo era sumir!
Uma grita:  
- Não, senhora. Eu vou levar você pra casa e fim de papo.
- Mas eu não tenho mais ambiente, ele nem olha mais pra mim.
- Bobagem, é só você se ajeitar um pouquinho que ele vem de rastro, podes crer.
- Mas eu não quero, estou sem jeito, muito desapontada.
- Queira ou não, eu vou levá-la pra casa  - falou a mandona, pegando a amiga pelo braço e a arrastando em direção ao carro dela.
Fiquei distraído ouvindo a discussão delas e não vi uma mocinha, até bonitinha, de jeans bem curtinho, pernas finas e botas, que para na minha frente e diz, entregando-me um cartão: “Não sei se sou o seu tipo, mas tenho certeza de você vai gostar”. No cartão impresso com verniz, dizia, “Fulana de Tal” - Acompanhante de luxo – Fone: (31) xyxyxyxy - fulana.com.br/detal E seguiu caminho olhando para ver se percebia alguma reação da minha parte. Nada.
Viro o rosto e vejo um rapaz vindo em minha direção. Aperto o bolso que estava com a carteira e seguro o celular no outro bolso do paletó.  Ele para na minha frente com um papel na mão e pergunta: “Você sabe onde é o xerox?” Disse que não tinha a menor ideia e fiquei prestando atenção numa mulher bem gorda que tentava entrar pela porta do ônibus. Tem um ponto em frente. Não conseguiu, berrou alguma coisa para o motorista, que se mandou acelerando.
Nisto, aparece o Paulão, motorista da Epamig, a pé e abanando a mão, no meio da avenida: “Dr. Brandão, não consegui atravessar pra este lado, o carro está lá em frente”, apontando o outro lado da avenida.
Preparava-me para atravessar a avenida quando fui abordado por Mr. Louis Ho, HKTDC Regional Director for the Américas, que falou sorrindo: “Hei Roberto, with this glasses you look like James Bond”. E eu: “But I’m not a spy, Mr. Ho, be sure. See you in Hong Kong next year”. Ele riu muito e entrou no táxi.

Belo Horizonte, outubro/2013
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

A tragédia da vida é que ficamos velhos cedo demais e sábios, tarde demais. Benjamim Franklin

 

 

domingo, 6 de outubro de 2013


MAIORIDADE PENAL?

Discute-se hoje um tema que vem preocupando gerações e mais gerações, pois a cada

dia as crianças vão se tornando cada vez mais maduras em menor tempo. Pensando nisto, fiz uma regressão aos meus tempos de infância e comecei a me lembrar como eram e que brinquedos e brincadeiras encantavam a nossa geração. Eram bem toscos, fabricados por nós mesmos ou pelos pais, tios ou avós: patinetes, rolimãs, bola de gude, bente-altas (bola de meia), finca (faca de cozinha), amarelinha (marcada com giz ou carvão), cabra-cega (venda com meia velha), pegador (correria de rua com o pique nos poste), passa-anel, boneca (de pano, feita em casa), rolimã, pião, bodoque, chicotinho queimado e pula corda.

Com papel, então, fazíamos de tudo: aviõezinhos, barquinhos, pagagaios (pipas), origamis. Recortávamos, dobrávamos, desenhávamos e inventávamos tantos outros. Mal sabíamos que aqueles brinquedinhos inocentes e inofensivos estavam prolongando nossas deliciosas infâncias ad infinutum. Como éramos felizes e bem sabíamos!

Lúcia, minha irmã e eu, então, dispúnhamos de uma antiga (na época, nova) máquina de costura Singer da mamãe, com as gavetas cheias de retroses, botões de todos os tipos e cores, alfinetes de mola, agulhas rombudas de todas as medidas, que possibilitavam uma série enorme de brinquedos e brincadeiras que nos mantiveram inocentemente distraídos por anos a fio. E olhe que nós morávamos em cidades pequenas naquela época, como Ijuí e Cruz Alta no Rio Grande do Sul, mas, também, aprontávamos com aqueles brinquedos, correndo saudáveis pelas ruas e avenidas em cidades bem maiores como as capitais Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio e São Paulo.

Lembro-me de que, soltando papagaio (pipa) na Rua Bernardo Guimarães em Belo Horizonte, saí correndo pelo meio da rua e bati com a cabeça num poste de ferro. Desmaiei e fui acordar na cama da casa da vovó, com uma junta de tios, minha avó e a empregada Natalina ao meu redor aplicando compressas quentes e demonstrando preocupação. Era um tempo da inocência, sem dúvida!

Já nas últimas décadas - talvez de 1960 para cá -, aquelas inocentes crianças foram ficando maduras mais prontamente, com uma variedade enorme de brinquedos elétricos e eletrônicos que já as remetiam para uma vida cheia de comparações, de concorrências, de exibições, de competições e que as amadureciam mais depressa.

Daí, afinal, a pertinência dessa discussão: ou o poder público resgata energicamente a segurança para as crianças voltarem a brincar nas ruas ou diminuímos a idade limite para considerá-las maiores.

À consideração dos leitores.

Belo Horizonte, setembro/2013.

 

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

O ignorante é um auto-didata por conta própria.


Mário Quintana