domingo, 27 de abril de 2014


                                                       Belo Horizonte nos anos 1950

BONS TEMPOS AQUELES!
Montei uma casinha no passeio da Rua Bernardo Guimarães e gritei debaixo da janela do Wilton, convidando-o a jogar bente-altas. Já havia testado a bola de meia: estava no ponto, durinha e firme. Juntei umas meias velhas dos tios Tonico e Zé e embrulhei todas numa outra de nylon, que a tia Marina cedera. Naquele ano de 1951, jogar bola na rua era uma das melhores brincadeiras; aliás, a rua era o nosso verdadeiro lar. Não havia brinquedos, a não ser os que inventávamos, além de pique esconde/esconde, finca, maré, cabra-cega, rouba-palito e, claro, bente-altas e futebol de rua.
De manhã cedo íamos para o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, voltávamos ao meio-dia para almoçar, uma sonequinha em seguida, o para-casa lá pelas quatro horas e depois, rua até a hora do jantar. Lúcia e eu estávamos sempre juntos, mas quando eu estava jogando bente-altas, brincadeira de meninos, ela estava com as coleguinhas Cleide e Cleusa, vestindo bonecas, fazendo comidinhas, pulando maré ou brincando de cabra-cega. Mais no fim da tarde reuníamo-nos para as farras comuns, sempre à frente da casa de um dos participantes.
As ruas eram praticamente desertas. Raramente - talvez, uma vez por dia -, passava ou chegava um automóvel, como o do delegado Dr. Morethson, em frente à casa da vovó; o Fordinho do capitão Tonico Hermeto, chegando do Hospital Militar onde atuava como cirurgião-dentista; ou ainda o do comandante Milton Hermeto, meu primo, quando chegava de suas viagens pelo Brasil, pilotando um possante DC-3 da Nacional Aerovias. O carrão dele era o melhor da rua, um Dodge Sedan 1947, preto. Lembro-me de que nenhuma das casas de toda a rua tinha garagem.
Em agosto, mês dos ventos, era a vez de montarmos os papagaios para soltá-los nos gramados centrais da Av. Paraúna, hoje Getúlio Vargas. As lutas aéreas eram disputadíssimas, uns tentando embolar as linhas dos outros para fazer os papagaios despencarem. Quão saudáveis eram as batalhas aéreas!
Foi uma boa infância e ainda com uma alimentação caseira e saudável: os frangos, criados no próprio quintal, corriam entre a maior variedade de árvores frutíferas e em volta de uma horta pródiga, cuidada dia-a-dia pela vovó.
Ah! A Lúcia cuidava do seu gato, o Bichano; eu, do meu cachorro vira-latas, o Jipe; e a vovó, do papagaio desavergonhado, o Louro. Bons tempos aqueles!
Belo Horizonte, abril/2014

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Bernarda cree que nadie puede com ella y no sabe la fuerza que tiene un hombre entre mujeres solas." Garcia Lorca en  LA CASA DE BERNARDA ALBA

 

 


sexta-feira, 18 de abril de 2014


A CARREIRA DE UM CIENTISTA MINEIRO
Na viagem de ônibus de Putney, Vermont, para New York, resolvi fazer uma parada estratégica em Boston, onde papai e mamãe haviam morado por um ano; ele, cursando o Master of Public Health, em Harvard. Naquela rápida viagem, fiz questão de passar em frente ao bangalô onde moraram, na Commonwealth Avenue, 148. De lá, dei uma passada em frente à famosa Universidade, que fica na cidade de Cambridge, vizinha de Boston e separada apenas por uma rua. Passeei, ainda, pelas margens do Charles River que já conhecia através das inúmeras fotos tiradas pelo papai com uma câmera Leica, alemã, com lentes sensíveis a 1.5, o que significava fazer fotos sem flash até à noite. Ele deve ter fotografado uns mil kodakchromes 35 mm de 38 poses, cujos originais, armazenados num porta-slide, recolhi recentemente, na casa da Lúcia, totalmente mofados e amarelados. Uma pena, pois eram um registro importante para nossas vidas, quando pudemos vivenciar, através das fotos, aqueles momentos de muito estudo para o papai e felicidade descontraída da mamãe. Foram registrados inúmeros piqueniques nos gramados dos parques ao longo das margens do rio, churrascos nas casas de colegas, almoços e jantares formais nas celebrações da faculdade, enfim, uma experiência muito nova e audaciosa , em 1951, para uma modesta família.
Com aquela graduação Magna Cum Laude, ele foi o primeiro da turma e tornou-se o primeiro médico brasileiro a diplomar-se no Curso de Higiene e Saúde Pública, em Harvard. Um grande feito que abriu para ele todas as portas para uma vitoriosa carreira acadêmica. Na foto, paramentado para a festa de entrega dos diplomas, aos 36 anos.
Logo que voltaram, papai assumiu a cadeira de professor-assistente de Microbiologia e Imunologia, da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP. Posteriormente, foi convidado a lecionar na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, também da USP, onde se tornou professor-catedrático de Microbiologia até a aposentadoria, tendo publicado inúmeros trabalhos de pesquisa nas principais revistas médicas. Uma belíssima carreira a do professor Dr. Helvécio Brandão.  
Belo Horizonte, abril/2014.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é a melhor coisa que me foi dada. Gabriel Garcia Marques

segunda-feira, 14 de abril de 2014


UMA AVENTURA E TANTO
Chegamos a Acapulco para passar um dia e, pelo menos, molhar os pés no Oceano Pacífico. Era final de inverno no Hemisfério Norte e ainda muito frio, proibitivo para os banhos de mar. De qualquer forma, vestimos nossos shorts e fomos à praia.
Logo de saída, uma surpresa: ofereceram-nos um voo dependurados por uma corda num enorme papagaio, com um manete no final, e puxados por uma lancha potente. Por tantos pesos mexicanos, dava para voar uns cinco minutos e esquiar mais uns cinco ao largo da baía. Meus amigos logo correram para a fila de venda dos bilhetes. Era demais para mim!
Assim, observei o Ivan, que voltou deslumbrado; o Manoel, mais ainda, contando os calafrios que havia passado na hora de levantar voo e amerissar; e ainda o Renato que, esportista frequente, contratou duas voltas na asa delta. E eu, quieto, permanecia sentado na areia até que, subitamente, os companheiros me agarraram, insistindo que o voo sobre a praia era uma aventura inédita e maravilhosa. Continuei recusando, mas me carregaram até a bilheteria, me fizeram comprar o bilhete e lá estava eu calçando os esquis, já amarrado na asa delta, e pronto para a maior aventura da minha vida.

Com apenas 24 anos, eu me sentia pronto para qualquer coisa, menos voar numa geringonça daquelas. A meu favor, um bom preparo físico, pois jogava basquete em Ribeirão, no time da Faculdade e no da Recreativa, o que acontecia, pelo menos, uma vez por semana.
Assim, lá fui eu pelos ares, como um pássaro desengonçado, os esquis trançados à minha frente e um frio na barriga. Meus amigos, lá embaixo, me aplaudiam e eu, meio perdido, sem saber o que fazer. Com gestos, eles me estimulavam para que eu subisse mais, que fizesse umas manobras no ar, enfim, que assumisse a condição de pássaro de primeiro voo. A sensação é, realmente, maravilhosa, mas tremendamente assustadora.
Posso até dizer que gostei, mas o melhor mesmo foi quando aterrissei, me desvesti da tralha e corri para o botequim a fim de tomar umas cervejas.
Infelizmente, minha aventura aérea não foi registrada, pois na época não havia telefones/ câmeras/filmadoras e nenhum de nós tinha uma máquina fotográfica disponível.
Mas me lembro até hoje do frio na espinha.

Belo Horizonte, abril/2014
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida necessita de ilusões ...
Então, para viver, necessitamos da arte a cada momento.
F. Nietzche

Foto google.

segunda-feira, 7 de abril de 2014


OUTONO EM DENVER, NO COLORADO
A propósito, como hoje, eu estava só, num domingo outonal de Denver, nos Estados Unidos. Fora do seu país de origem esse é um dia sempre chato e cansativo, mesmo estando numa cidade que se conhece bem. Mas sem nada o que fazer na cidade deserta.
Também lá as pessoas se mandam para suas casas de campo ou vão visitar os filhos e parentes em outros lugares. É o programa de fim de semana. E você, sozinho, fica meio perdido.
Assim, enquanto tomava um breakfast reforçado, vi anunciada no jornal uma apresentação do velho e fabuloso Willie Nelson, cantor e compositor de música country, escritor, ator, poeta e ativista americano, que foi considerado o 77º melhor guitarrista de todos os tempos, pela revista norte-americana Rolling Stone. Pronto, ganhei o dia. O show seria à tarde, no Red Rocks, um anfiteatro no sopé das Montanhas Rochosas, com transporte incluído no ingresso.
Como em New York, Denver também tem um TKTS Downtown, onde vendem ingressos para todas as atrações culturais em apresentação na cidade. Comprei o meu, almocei numa cafeteria por ali mesmo e fui para a Larimer Street, onde se pegava o ônibus. Tive vontade de parafrasear o Simon, quando no show do Central Park: what a day!!
Viagem curta de meia-hora. O lugar estava estufado de gente e era belíssimo: um anfiteatro grego esculpido na encosta dos montes de terra vermelha, com o palco no centro, no piso inferior, circundado pelas arquibancadas.
Era um dia frio de outono de céu límpido e azul; uma maravilha! Acomodei-me num dos andares bem próximo ao palco. Apesar da terra vermelha, você não se suja quando assenta. Não precisa levar jornal, lenço ou qualquer protetor, pois a terra é seca como se fosse um mármore ou um granito. 
Sobre o show, vou falar pouco, pois foi indescritível. O velho corria por todo o palco, ao ritmo de sua música contagiante. Acompanhado por uma banda grande, com muitos instrumentos típicos das country songs, com banjos, gaitas, flautas, violões e guitarras. Formidável!
Assim, passei um domingo de outono agradabilíssimo no estrangeiro, quando não havia qualquer perspectiva. Thanks, Mr. Nelson!
Belo Horizonte, abril/2014
 Willie Nelson
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
 
 
 
"Quando recupero a razão, enlouqueço." Julio Ramón Ribeyro