sábado, 28 de novembro de 2015

O NOVO VERBO “CISCAR”
Minha avó Augusta chamou-me e disse: “Roberto, pegue um pouco de milho lá na cozinha e jogue pras galinhas. Elas estão ciscando muito”.
Cabreiro, peguei o saco de milho e fui para o quintal. Logo, as galinhas, frangos, galos e pintinhos foram me seguindo, enquanto eu distribuía o milho. Já conhecia aquela cena com a vovó, meus tios ou a minha irmã Lúcia, que também costumavam tratar dos bichos, quando estes ficavam picando o chão, descontroladamente, buscando uma semente ou algum alimento entre os gravetos, ciscos, lixos etc. Aquilo sim a gente sabia que era “ciscar”, ou seja, as aves limpavam o chão, catando a própria refeição. Uma cena comum de antigamente, que acabou despertando a criatividade das pessoas que, hoje, encontraram uma nova leitura para o verbo “ciscar”.
Caminhando na praça, vejo pessoas assentadas nos bancos com o dedo indicador batendo sobre a tela de seus telefones, tablets e outras máquinas, no mesmo ritual das galinhas... ciscando. Alguns, incontroláveis, vão caminhando e ciscando nos seus aparelhos; outros, aguardando nos pontos de ônibus ciscando; dentro dos ônibus, passageiros também ciscando.
Quando retorno ao prédio onde moro, o porteiro está ciscando sobre a mesa; a faxineira, encostada com uma vassoura debaixo do braço, ciscando; o entregador de alguma encomenda conversando com o atendente e ciscando; alguém esperando um morador, assentado na poltrona, ciscando; o outro, esperando o elevador e ciscando.
É, acho que voltamos à era das galinhas e vamos ciscar por muito tempo até que descubram uma maneira dos olhos acionarem os comandos das máquinas. Será?
Belo Horizonte, novembro 2015.  Foto Google
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“Os cacos da vida quando se juntam formam uma estranha xícara.” Carlos Drummond de Andrade




sábado, 21 de novembro de 2015

IJUÍ, 1945
Numa manhã Lúcia e eu acordamos loucos pra pegar nossos velocípedes e correr pelo quintal da casinha onde morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Passamos pela cozinha e a mamãe lá estava coando o café para o papai tomar e ir para o quartel bem alimentado: café com pão e manteiga, e um copo de leite. Enquanto ela preparava a mesa, ele vestia a farda com todos os seus botões e talabartes, para ajudar na montaria no cavalo Guri, um Pecherón que o Exército Brasileiro adotara para os Regimentos de Cavalaria. Era um cavalo branco, grande, muito fogoso, inteiro. A raça, de origem francesa, lhe atribuía características bem próprias para o serviço militar: macio de sela, muito forte e resistente e com boa tração. O Guri era um belo exemplar!
Naquela vidinha simples, o padeiro deixava na porta de cada casa na Vila do quartel, uma ração de pães para o dia - um pãozinho para cada morador, e um litro de leite, que vinha naquelas garrafas típicas. Mamãe mantinha uma pequena horta com alfaces, espinafres, couve, salsinha, cebolinha e tomates. Assim, nossas refeições eram simples e saudáveis, com arroz, feijão, frango e ovo do próprio galinheiro, complementadas com as folhas. O cardápio era único, variando, de vez em quando, com batatas fritas, cozidas ou puré, e muito raro, raríssimo mesmo, um bife. Curioso, não me lembro de comer macarrão naquela época.
Naquele dia, saímos de casa atrás dos velocípedes e não os encontramos. Voltamos desapontados e murchos, quando o papai falou: “Os ciganos devem ter roubado os velocípedes. Quando eu cheguei, ontem à noite, eles estavam começando a armar o acampamento ali no campo de futebol.” 
Quando o papai saiu, furiosos e curiosos, demos as mãos para a mamãe e fomos até o quintal para dar uma olhada no acampamento. Vizinho ao muro de fundo do nosso quintal havia um campo gramado onde a soldadesca jogava futebol nos fins de semana.
Naquele dia, havia lá um bando de umas mil pessoas, com duas barracas enormes em volta de uma tenda, onde havia dois fogões, com a lenha espalhada por todo canto. Parecia um hotel rústico. Numa das barracas dormiam os homens solteiros, e na outra, as donzelas, rodeados por diversas barraquinhas, onde ficavam os casais com os filhos menores. E a lenha servia, ainda, para as grandes fogueiras noturnas, pois o frio era bravo. Banheiros não havia. De acordo com a lenda, as necessidades eram feitas no espesso mato ao redor. “E o banho, mamãe?” perguntou a Lúcia. “Ah, minha filha, eles devem se lavar naquele rio que passa lá do lado do quartel do seu pai.”
De longe, fomos vasculhando com os olhos para todo canto e não vimos os velocípedes. Eles haviam sumido para nunca mais.
Belo Horizonte, dezembro, 2013.                                                                               Foto Google.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. Abraham Lincoln, 1809-1865

sábado, 14 de novembro de 2015

EL ALMENDRÓN - Fellows II
Numa praia deserta, em Puerto Plata, na República Dominicana, fui apresentado à maior castanheira que jamais vi, conhecida pelo apelido de el almendrón. A propósito, as almendras - em espanhol -, bastante frondosas e capazes de proporcionar uma sombra acolhedora, são muito comuns nas ruas de Belo Horizonte e nas praias pelo Brasil afora.
Pois bem, ali, debaixo daquela árvore enorme, junto com a minha colega Gilda, uma equatoriana de Guayaquil, fiquei imaginando sobre os países escolhidos para os próximos seminários a que iríamos comparecer. Naquela ilha caribenha, estávamos iniciando uma comunhão fraterna entre 20 profissionais latino-americanos e 20 norte-americanos, patrocinados pela Fundação Kellogg, para um programa de capacitação que objetivava a formação de líderes regionais a serviço dos Partners of the Americas.
Assim, nos três anos seguintes, tivemos a oportunidade de viver uma das melhores e mais importantes experiências de vida oferecidas a um pequeno grupo de profissionais liberais que, a cada seis meses, se reuniam para um encontro de dez dias num país qualquer da América Latina ou num estado americano ou brasileiro.
Faço questão de registrar tais acontecimentos neste blog como um relato
de minhas memórias e como um legado para os meus filhos e  netos, bem como para os leitores eventuais das minhas crônicas. Cada etapa, tenho certeza, foi uma nova lição de vida num país de língua e cultura diferentes ou num estado americano ou brasileiro, também diversos em hábitos e costumes de seus pares.
Comentando com um casal de amigos sobre essas super oportunidades que surgem em nossas vidas, contaram-me que o filho, Saulo, engenheiro cursando uma faculdade em Budapeste, na Hungria, é um dos 88.000 bolsistas do “Programa Ciências Sem Fronteiras”, e tem aproveitado para conhecer toda a Europa, a Rússia, a Turquia e adjacências, enquanto bolsista. Lembrei-me de que conosco, do Fellows II, não foi diferente. No caminho para o Equador, conheci Bolívia e Peru; no caminho para Jamaica, conheci Venezuela, México, Panamá e Honduras; no caminho para Trinidad&Tobago, conheci Colômbia e Porto Rico; no caminho para a República Dominicana, conheci o Haiti. Aqui no Brasil, no caminho para Fortaleza, conheci João Pessoa e Natal; no caminho para Brasília, conheci Goiânia, e nos Estados Unidos, no caminho para Washington, conheci Hartford, no Connecticut e Boston, em Massachusets. Ainda, no caminho para Nashville, no Tenessee, conheci Little Rock, no Arkansas, e New Orleans, no Alabama. Assim, é só saber como aproveitar ao máximo a oportunidade no caso da bolsa formidável do “Ciências”, promovida pelo Governo Federal. Haja fôlego!
No grifo as sedes dos seminários do Kellogg Fellows II.  God bless.
Belo Horizonte, junho/2014.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O que é o céu senão um suborno e o que é o inferno senão uma ameaça?

Jorge Luis Borges

domingo, 8 de novembro de 2015

UMA CARTA AO PAPA JOÃO PAULO II

Um grupo de pseudo-intelectuais dos anos 1960 em Belo Horizonte, eu incluído, combinamos de assistir ao filme Veridiana, do fabuloso Luis Buñuel e, depois de todos assistidos, nos reunirmos para os comentários num bar chamado Porão, numa velha casa tombada da Av. João Pinheiro.
Esta casa, aliás, havia sido a moradia de uma parenta do papai que chamavam de vovó
Petronília, que não conheci. O sugestivo nome do rústico bar justificava-se porque fora montado no porão da casa, que ficava ao rés da rua. Era um porão alto, de porta pesada de madeira. Está lá até hoje onde funciona uma clínica de fisioterapia.
Cerveja farta e conversa solta, passamos a discutir o filme, cada um com uma interpretação mais esdrúxula e o Luís, professor de cinema no Curso Comunicação da UFMG, era o moderador/coordenador dos debates.
Particularmente, eu estava muito confuso pois,
recentemente, havia começado a frequentar as missas da igreja católica, por influência do meu namoro com a Carminha.
Aos domingos toda a família dela ia à missa na capela do Colégio Loyola e eu também embarquei nessa. Não largava a namorada por nada!
No entanto, minha formação religiosa pregressa havia passado por fases absolutamente distintas e variadas. Mamãe me contou que fui batizado na igreja e a partir dali, nunca mais havia frequentado qualquer igreja mas havia sido induzido a fazer  minha primeira comunhão em São Paulo, por costume da época.
Logo depois, nos mudamos para Belo Horizonte onde fui morar com um tio solteirão, espírita praticante, onde toda quarta-feira participava dos cultos inclusive cantando os “pontos” dos espíritos que baixavam nas sessões láem casa. Para quem não sabe, os “pontos” são as músicas dos espíritos que, cantadas pelos presentes, atraem as almas para virem baixar nas sessões espíritas. E atraem mesmo. Lembro-me de que numa das sessões cantamos o ponto de um espírito, o índio Guarani, que baixou e falou que era meu protetor. Perguntou se eu tinha algum pedido a fazer e respondi que queria que ele acompanhasse a mamãe, que estava viajando sozinha naquele dia para  os Estados Unidos. Acreditem! Uma semana depois ele voltou à sessão e contou que o avião da mamãe, um Douglas DC-6, havia parado um dos motores, em cima do Mar do Caribe e ele o havia segurado até fazerem um pouso de emergência em Trinidad&Tobago, mudando o curso que era para Miami.
Mamãe confirmou por carta o episódio, um mês depois. Naquele tempo, este era o tempo dos Correios para as correspondências internacionais.
E mais este acontecimento favoreceu minha confusão religiosa.
Voltando ao Porão, confuso com a ideia da existência de Deus y otras cositas más, resolvi escrever para Sua Santidade para obter uns esclarecimentos. E assim fiz, com a absoluta perplexidade dos companheiros de mesa.
No dia seguinte, coloquei no Correio uma carta com o seguinte destinatário:
Vossa Reverendíssima Papa João Paulo II
VATICANO II - Itália.
Algum tempo depois recebi, também por carta, uma resposta, através do Bispo Dom João de Araújo Costa, que me informou que o Santo Padre havia recebido minha singela missiva e que me recomendava a leitura dos anais do Concílio Vaticano II, à disposição na biblioteca da Capela Sistina.
Lógico que lá estive, no entanto, em Latim, não consegui entender as respostas às minhas dúvidas religiosas que persistem até hoje.
(Foto Google)
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS 
Quando estou fraco fico mais forte. São Paulo

domingo, 1 de novembro de 2015

UM FELIZ RETORNO
No domingo, 25, reinaugurei minhas caminhadas matutinas. Vinha enrolando há mais de cinco anos essa retomada, que me fez tão bem durante mais de trinta anos, caminhando na Praça da Assembleia, então poluída, feia, malcheirosa. Enfim, sem nenhum atrativo especial, só mesmo a vontade de andar e liberar a mente.
Agora, troquei o itinerário pouco atraente pela maravilhosa, saudável, agradável e próxima Praça da Liberdade. Uma bênção!
A Praça está tão linda, com vários pássaros voando, pousando e cantando à sua volta; pessoas bonitas e animadas praticando exercícios matinais, maravilhosos museus, o coreto, o Palácio da Liberdade e outros pontos de atração turística. Enfim, um encantamento!
O vídeo aqui postado, de autoria do meu amigo Aloysio Bello, bem demonstra a descrição de uma das mais tradicionais localizações da cidade, datada da inauguração da capital, portanto, com mais de 100 anos, e agora totalmente restaurada com suas palmeiras imperiais enormes e verdejantes. Um policial militar - em pé naquele carrinho de duas rodas -, percorre todo o percurso, dando segurança aos frequentadores da área.
Já na volta, pego o jornal Metro com a D. Olga e, no repouso necessário na varandinha da minha toca, ouço o canto nostálgico de um bem-te-vi, empoleirado na frondosa amendoeira da rua ao lado.
E vamos em frente!
Belo Horizonte, outubro de 2015.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

“A beleza salvará o mundo.” Dostoievski