terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A CORNETA

Hoje, sábado, acordei invocado. Resolvi comprar uma corneta, daquelas que eu tocava na fanfarra do Ginásio Castro Alves, na década de 1950 em São Paulo. Saí quente!
Logo, me lembrei que havia deixado umas velharias numa loja de objetos que, talvez, tivesse vendido alguma e quem sabe, não teria lá a procurada corneta.
Corri até a loja e tive a grata surpresa de que tinham conseguido vender umas coisinhas e estava com um crédito de R$ 80,00. Bom começo. Fucei a loja toda, tem mais de 2.000 peças e não consegui achar a tal corneta e o dono da loja ainda me pediu que levasse embora uma máquina de escrever antiga que havia deixado prá vender. Alegou que estava mudando para uma loja menor e que tinha muita coisa em consignação que estava devolvendo. Eram os objetos que haviam ultrapassado o prazo razoável de venda que era de um ano. Com razão.
Mas não desanimei, pedi uma referência de onde poderia encontrar a corneta e me indicaram a feira da avenida Bernardo Monteiro, que acontecia justamente aos sábados.
Fica em frente do Colégio Arnaldo.
E lá fui eu, máquina de datilografia no porta malas e muito animado atrás da querida corneta.
A feira é uma festa: flores, comidas, música e objeteiros de todo o pais, vendedores e compradores, com canetas de marca, selos, enfeites tipo candelabros, molduras, jóias finas e artesanais, cinzeiros, copos, taças, vidraria em geral, livros, enciclopédias, coleções famosas, panelas raras e instrumentos musicais. Ahn? É, eles mesmos. Quem sabe não encontro uma corneta velha?
Passei numa tenda e experimentei um bolinho de feijão. Disse o cozinheiro que era receita de Diamantina. Estacionei na banca, pois, o melhor bolinho de feijão que já comi era preparado pelo “meu tipo inesquecível”, Dr. Newton Andrade, justamente de Diamantina. Algumas cervejas e muitos bolinhos no papo que nem se comparam com os dele e continuei minha pesquisa sabática já meio trôpego, como dizia a mamãe.
Achei duas cornetas, bem no estilo que estava procurando, mas, sem o bocal. Na verdade, o bocal é a parte mais importante do instrumento de sopro. Sem ele, não vale nada e o Paulo, da banca, queria me empurrar as duas por R$ 60,00 cada. Nem pensar...
Continuei minha busca e achei a bichinha perfeita, amassada, com bocal, duas voltas no pescoço, um verdadeiro clarim!
Sorrateiro, me aproximei da banca e comecei a mexer em outras peças, louco pra pegar a corneta, pagar e me mandar. Mas, nestes mercados de pulgas, você tem que ser maroto. Finge que não quer nada, oferece alguma coisa, muda de assunto, pega o que quer, mas despreza. Coloca de novo no mesmo lugar e finge que não gostou... Eu já estava ficando treinado só de observar os frequentadores.
Aí, ofereci ao dono da banca a máquina de escrever. “Tá ali no carro”, falei. E ele, “pega lá que eu quero ver”.  Fui meio cambaleante até o automóvel e gritei: “amigo, chega até aqui que ela é muito pesada”. Com toda a má vontade possível ele foi até o carro, acompanhado de uma fila de “sapos” interessados e disparou. “Pra mim não vale nada. Não trabalho com máquinas de datilografia.” Desapontado, fechei o porta malas e voltei para admirar o meu achado. Não resisti e perguntei: “Quanto é a corneta?” Ele delicado e pronto pra vender. Isto não é corneta não doutor. É um clarim. E está perfeito, com bocal e tudo.”   Eu já sabia e estava pronto pra negociar. “E quanto é o clarim amassado?” “Cento e vinte reais, nem mais nem menos, doutor”. Doidão, perguntei: “O senhor aceita um cheque?” Ok, pode dar”, sem muita convicção.
Nesse momento, aproximou-se de nós um senhor, de bermudas, camiseta de malha, típico comprador de brexó que disse: Eu vi sua máquina e gostei muito, Sou colecionador. O senhor pode mostrá-la novamente?”- “Claro”, respondi, com medo de sair dali e aparecer alguém e levar a corneta. Caminhei até o carro com o digníssimo senhor que não vacilou: “Qual o menor preço que o senhor faz nela”. Eu, péssimo negociante falei: “Estava pensando em pedir 150, mas, se o senhor der cento e vinte eu vendo”. “Tá fechado, falou, posso lhe dar um cheque? Eu trabalho no Tribunal de Justiça, aqui perto e fiquei muito interessado na máquina de escrever. Aliás, se o senhor for levar a corneta, dou meu cheque para o Toninho que me conhece muito e fica tudo certo.”  Sabia, ele era um rato de feiras de antiguidades.
“Fechadíssimo, senhor.” Entreguei a máquina e peguei a desejada corneta, no molde que queria pra pendurar em cima da vitrola imitando o Ronald Andrade, e saí conversando com o comprador da máquina que me perguntou o que eu fazia, disse-lhe que era escritor, publicitário, professor aposentado, bacharel, violonista e músico interrompido, compositor, vendedor de vinhos, bebedor de cervejas, cozinheiro de fim de semana, apreciador de carros antigos y otras cositas más, passando-lhe meu cartão de visitas. Ele agradeceu e foi embora.
Uma semana depois recebo uma correspondência com envelope timbrado do Tribunal de Justiça e, dentro, um livro e um bilhete do Desembargador Roney Oliveira mandando-me um livro Capistrana da Vida, de seu amigo, Procurador Dirceu de Vasconcelos Horta, sobre sua passagem por Diamantina e arredores. Uma preciosidade.
Um viva à corneta e a Diamantina.

Roberto H. Brandão
Belo Horizonte, março de 2010.

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