sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

SONETO número 1

Minha primeira tentativa de escrever um soneto, devido à dificuldade técnica de montar versos com quadras especiais de rimas e ritmo. Só podia ser para a Iara. Já escrevi outros mas o primeiro tinha que ser para ela, meu doce. 

SONETO  # 1

IARINHA, MEU DOCE


E um ano já se passou,  meu doce
De coco, de alegria, de ternura
Doce feito de amor, como se fosse
A receita gostosa da alma pura.

Tão pouco o tempo de convívio juntos

Já sinto a vida como um grande prêmio
Tempo de realizações e trunfos
A valer muito mais do que o milênio.

Aos trancos, engatinha e balbucia
Neném, cocó, rael, mamã... e só.
E, de cá, todos nós, babando, ô dó!

Quando pára, num canto, silencia
E de olhinhos vivos permanece
Mostrando a vida linda que amanhece.




Sonetinho para Iara, no seu primeiro ano de vida.
Do vovô.
Bh, 21/11/2002.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

As Mercedes brancas - 230 e 250 (foto)

Minhas Mercedes ( foto)

Highland Park, Ill, 1965

Acordei cedo, lá pelas seis e meia e fui até a janela para ver como estava começando o dia. Arredei uma ponta da cortina e coloquei o nariz no vidro. Gelado. Olhei o termômetro pendurado na coluna de madeira da varanda: -25º.  A neve cobria o jardim até, quase, a altura da janela. Tinha acordado num outro mundo. O mundo do gelo, céu completamente fechado, nem uma frestinha de sol. A claridade do dia vinha comprometida com a massa fechada de nuvens brancas, mas, assustadoras.
Fiz uma barba rápida e tomei uma chuveirada ligeira para sair logo e ver de perto em que mundo estava desembarcando. Meu despreparo era total. Não tinha botas nem mesmo galochas. Paletó, então, só um elegante blazer de casimira. Não dava para enfrentar o frio, muito menos a umidade e a geleira lá fora.
Abri a porta do quarto e o Barney pulou na minha perna. Ele também estava curioso pra ver como aquele brasileirinho iria reagir àquelas temperaturas polares e sem nenhum agasalho apropriado. Mamãe havia tecido umas luvas de tricô até bonitinhas e um cachecol colorido, quando recomendou: “Use, sempre, estas luvas e este cachecol, meu filho. O frio nos Estados Unidos é tremendo, você nem acredita.” Ela tinha razão. Acostumado com o abafado calor de Ribeirão Preto, beirando os + 40º., e o cheiro da cana queimada como açúcar melado, de um dia para o outro, fui amanhecer naquela geladeira aberta.
Arthur estava me esperando para o breakfast, na mesinha da copa. Lorraine, bem disposta, fritava os ovos e o bacon, colocava os pães na torradeira e o Barney observava.
Ele gostava de pão molhado e das sobras da farta mesa de lanches.
Tomamos o café ralo e Arthur me convidou para, com uma enxada e um vassoura dura, limparmos e varrermos o passeio, a entrada da casa e a pista da garagem, se não, o Buicão não sairia do abrigo. Comentou que, se alguém caísse em frente da casa dele, um pedestre qualquer, o lixeiro ou o carteiro, pela falta de limpeza do passeio, a responsabilidade seria dele e lá, as penas são duras para este tipo de displicência e desatenção com o próximo. Hard American rules.
Limpamos tudo, passamos um scratcher nos vidros e nas maçanetas do carro, para soltar o gelo e partimos para a estação de trem.
Muito atencioso, ele me emprestou um casacão preto, com gola de pele, um boné com abas para proteger as orelhas e luvas de couro. Brincou: “Estas suas luvinhas não conseguem impedir que seus dedos congelem e cuidado com o nariz e as orelhas. Viram gelo se não estiverem protegidos.”
- 25º. é frio demais. Felizmente a gente fica pouco tempo exposto pois todas as casas, escritórios e lojas, são aquecidos. 
Chegamos em Chicago às 9 para mais um dia de trabalho no Fórum.

Roberto H. Brandão – 30/12/2010.


GINCANA EM RIBEIRÃO QUE ACABOU NA PRAIA GRANDE

Lembrei-me de uma ótima história acontecida nos anos 1960, ainda em Ribeirão Preto.
Numa tardinha sem qualquer perspectiva tocou a campainha lá de casa e era
o Luiz Roberto Leitão Teixeira, amigo paulista que havia conhecido em Belo Horizonte numa vez que aqui esteve em visita ao José Luiz Andrade. Eles trabalharam juntos numa corretora de valores em São Paulo e ficaram amigos.
O Luiz era um paulistão típico. Era porque nunca mais tive notícia dele e não sei, portanto, se ele mudou nalguma coisa. Ele sempre foi um pouco exibicionista, pois, era conceituado como um grande talento para as operações financeiras e, assim, ficou meio metidinho. Nunca me importei com estas presunções passageiras e convivemos muito bem.
Depois que me mudei para Ribeirão, de vez em quando ele aparecia para um chope no Pinguim, um bate papo animado sobre carros, meninas, etc. Foi um bom companheiro.
Pois é, naquela tardinha apareceu o Luiz cheio de planos. Eu havia contado a ele sobre uma gincana que o pessoal de Ribeirão estava organizando e ele resolveu participar. Alugou um fusquinha em Sampa e se mandou pra terrinha.
Ele não se hospedava lá em casa. Não cabia! Meu quartinho só tinha um sofá de dia que virava cama de noite. Não tinha nem armário, só o violão e um gravador numa mesica ao lado da cama onde eu escutava, toda noite, as melhores do festival de San Remo de 1963. Músicas maravilhosas que eu canto até hoje: Al di La, Il Nostro Concerto, Legatta a um Granello di Sábia, Arrivederci e muitas outras.
Tempo bom aquele...
Assim, o Luiz, Lúcia e eu formamos uma equipe para disputar a ginkana, que constava DCE uma série de tarefas a serem executadas nuns limites de tempo que, quem fizesse o melhor tempo, ganharia. Na verdade, era uma grande farra para movimentar o fim de semana na, ainda pacata, cidade da cerveja. Nossa classificação foi ridícula, embora tivéssemos cumprido todas as ordens. É que a gente dividia as tarefas com uns copos de chopes o que, sempre, atrasava alguns minutos. Uma irresponsabilidadezinha, felizmente, sem consequências.
Mas, deste encontro de brincadeiras, eu e ele combinamos de ir para São Paulo no final da semana seguinte, pois, o Luiz havia conhecido umas alunas do Dês Oiseau, colégio chique de São Paulo e queria me apresentar para a turma.
Ele passou lá em casa na sexta de manhã e partimos para São Paulo, sacolinha forrada de maços de cigarros, um calção, sei lá porquê, e umas roupinhas leves.
Ele dirigia muito bem e, de fusquinha, fomos em três horas da porta lá de casa até a casa dele em São Paulo. Ele ligou o carro, enfiou o pé no acelerador e só o tirou quando estacionamos na garagem da casa dele no Ibirapuera. Trezentos e trinta quilômetros só de estrada. Um recorde!
Falei – “Você é um ótimo piloto. De fusquinha com o pé no talo, fizemos a viagem em pouco mais de três horas.” Ele sorriu e me olhou com uns olhos azuis de gozação: “Você sentiu algum medo? Não, porquê? Olha aqui.” Pisou no freio que foi até o fundo. Não tínhamos nada de freio. Zero freio. Sorriu de novo e falou. “Fizemos em três horas porque eu não tinha freios. Se tivesse...”
Tirei minha sacola do carro e entramos na casa dele. Nothing to say.
 A família dele era muito organizada e disciplinada. O pai, senhor pai de cinco filhos homens, cuidava de todas as informações para o dia-a-dia dos filhos. Os ônibus vão mudar de itinerário, as ruas x e y mudaram de mão, estão tirando os bondes da Teodoro Sampaio, vocês tem que sair mais cedo, etc., etc. Um verdadeiro paizão. A mãe, menos impositiva, cuidava bem da casa e da cozinha.
Era uma ótima cozinheira. Preparou um Cuzcuz Paulista inesquecível.
Não sei como as meninas do rigoroso colégio conseguiram sair. Acho que fugiram, mas estavam, pontualmente, na esquina da Av. Angélica, esperando por nós às 8 da manhã.
Entre sete e oito horas, consertamos o freio da máquina numa oficina de um amigo do Luiz, na esquina da casa dele. Era o “burrinho”que estava com um vazamento.
Como o programa não havia sido combinado e não sabíamos o que elas topariam fazer, levamos calções, camisetas e roupas de praia para convidá-las para o fim de semana em Santos.  Elas eram muito chiques...e, talvez, estivessem esperando um programa mais sofisticado, sei lá, em vez de Santos ir para o Guarujá ou nada disso, só dar uma volta e almoçar num restaurante bacana. Uma incógnita. Nos Estados Unidos eles chamam esses encontros de Blind Date, com razào.
E o encontro deu certo. Convidamos para o fim de semana em Santos e as disseram, uníssono, dormiremos em quartos separados, está bem? Claro, quem poderia pensar de outra forma?
Dois rapazes sedentos de amor e duas quase freiras, também sedentas mas muito comportadas?
E o amor pegou fogo!
Descemos a Via Anchieta comportadamente a 80 km/h, sem qualquer risco, num dia chuvoso, cinza, sem nenhuma graça. Em Santos, decidimos seguir para a Praia Grande, na época inóspita e com muito mais chances de um programinha livre. Sem espectadores nem famílias controladoras. Paramos numa região sem condomínios, bem vazia, e trocamos de roupa atrás do fusquinha, com o maior pudor. Delas, naturalmente!
E fomos nadar. Correr na praia suja e de areia cinza. Sem nenhuma graça. Uma delas perguntou: “Vocês trouxeram alguma coisa pra beber?” Olhei pro Luiz e ele entendeu. As meninas estão animadas, querendo uma aventura mais excitante...
Que ótimo! Tínhamos trazido uma garrafa de vodca escondida debaixo do banco do fusquinha pra não assustar as meninas e eram elas que estavam botando fogo no programa. Abrimos a vodca quentíssima, sem gosto como qualquer outra e resolvemos fazer um piquenique.
E a festa começou! Tudo que era puro e inocente, só na nossa cabeça, claro, na minha e na do Luiz, virou uma grande farra. As meninas resolveram fazer um topless só pra mostrar os peitinhos porque não tinha nem sol...
E aí foi um tal de rolar na areia grossa e suja da Praia Grande até cair a noite.
E agora? Onde vamos dormir? Uma delas sugeriu: “Eu durmo com o Luiz no fusquinha e vocês buscam um canto aí na  praia. Ela é grande, não é?”Brincou.
Foi minha primeira vez sob as estrelas do litoral. Acabei dormindo em muitas outras, aqui e alhures: Ubatuba, Ilha Bela, Puerto Plata na República Dominicana  e Tobago, no Caribe. Sobre a noite na Dominica já escrevi relatando a mais bela visão da Via Láctea que já tive. Só ali, compreendi a dimensão do universo...
Voltando à Praia Grande, hoje um município independente no litoral Santista, conseguimos um belo refúgio no meio da areia e das graminhas que separam a praia do mato. Foi bom. Muito bom.
Aquelas meninas do Dês Oiseau eram muito levadas.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O ERUDITO AFAVELADO

Pessoa de fino trato, dotado de ótima cultura geral construída nas mesas de estudo no famoso Colégio Santo Inácio de Loyola, no Rio, onde aprendeu que a maior virtude do homem é a retidão de caráter; conhecedor e apreciador da música clássica, com habilidade para o piano, inclusive com partitura; colecionador de livros que compõem uma ampla biblioteca lida, de eclética literatura; piloto brevetado como presente do irmão querido, que acreditava nos sonhos e no desejo daquele jovem de voar para as grandes aventuras até  transplanetárias e, hoje, com hábitos discretos e bem de vida, deparou-se com uma situação inusitada. No domingo, o também ex-seminarista recebeu a visita do filho mais velho que, de mala e cuia e com dois dos três filhos a tiracolo, anunciou:
_ “Pois é, pai, resolvemos passar um tempo com vocês, aqui na sua casa. Será que dá?”
 _ “Lógico!”- respondeu o antigo e acolhedor sibarita.
Feliz, e ao mesmo tempo muito intrigado, logo chamou a mulher para dar a boa-nova:
 _ “Sônia Maria, o Caio e os meninos vão passar uma temporada aqui conosco. Arrume acomodação pra todos e não se preocupe, porque os meninos só vão dormir aqui nos fins-de-semana. Durante a semana, vão ficar com a mãe”.
Tratava-se de uma boa encrenca, porque o filho acabara de sair de casa, onde a incompatibilidade de gênios com a esposa provocara a súbita separação. O lado bom seria a oportunidade que os avós teriam de uma melhor e maior convivência com os netinhos, que são meio encapetados, é certo, mas encantadores! Há ainda que se considerar a ocorrência, justo nessa fase da vida, quando aqueles avós, como tantos outros casais maduros, acreditavam que filhos criados significavam a chance de poder diminuir suas moradas, trocando-as por um apartamento menor: um quarto pra ele, outro pra ela e mais um quartinho quebra-galho, uma cozinha pequena, dois banhos, sala conjugada, duas vagas na garagem, e só. Neste caso, que nada! Embora o apartamento tenha se mostrado suficiente para os dois, as surpresas passaram a acontecer e eis o filhão de volta com as crianças.
_“Só nos fins-de-semana, viu, mãe?”- reforçou ele.
Assim, o avô compreensivo voltou a dividir o quarto com Sônia Maria, que acabou cedendo o dela. Coisas da vida, que, mesmo assim, ainda permitiram ao intelectual manter a própria rotina: ouvir Bach e Haendel, à tarde, sentado na varanda, durante a leitura do best seller da vez, regada com um bom vinho, salgadinhos e muitas cervejas geladas. Tudo na mais perfeita ordem para o sistemático vovô.
Mas as surpresas não terminaram com o retorno do filho, eis que a filha querida, residente no interior, comunicou pelo telefone que viria passar as férias em Belo Horizonte, com o marido e os dois filhos: uma mocinha e um recém-nascido.
_ “Mas, o Felipe é só no fim-de-semana, viu, pai?” – explicou, referindo-se ao marido.
Legal! Chamou de novo a mulher, contou-lhe a boa nova e recomendou:
_ “Arrume acomodação pra mais quatro. A casa vai ficar cheia e vai ser uma festa!”
Obediente e rápida, Sônia correu à casa da irmã, pegou dois colchões emprestados e  acomodou o casal na sala, o recém-nascido num bercinho, que estava no quarto/depósito, e a neta-mocinha, no corredor, num colchão reserva. Todos ficaram bem.
Cabreiro, o velho viu-se obrigado, naqueles dias, a se vestir em casa com umas roupinhas  mais comportadas e a pedir licença por todo lado por onde passava. Observou, ainda, que o estoque dos vinhos estava baixando rapidamente. As cervejas? Quando ainda achava alguma na geladeira, estava quente! Como bebem esses caras!- pensava.
Agora, diante de tanta concessão, as rotinas continuam, mas com uma nova ordem: Bach e Haendel foram substituídos por Xuxa, Angélica e Os Saltimbancos e a varanda, lugar tão aprazível para o final da tarde, está ocupada por brinquedos, bolas, jogos e roupas.
Bem cedinho, escuro ainda, levanta-se e, pé-ante-pé, depois de uma rápida chuveirada, para não fazer barulho, e com a lanterna na mão, vai catando sua roupa colocada em cima do sofá da sala. Os armários estão lotados. E os sapatos? Sabe lá! Devem estar na área de serviço. Tudo bem. Veste-se com dificuldade na área mesmo e sai pela porta de serviço, trancando-a pelo lado de fora com todo cuidado. Lépido, desce pelo elevador e, na garagem, um choque. Vai ter que empurrar três carros que estão na frente do seu, pois, educadamente, ficou com a última das vagas. Torceu o nariz.
Lembrando-se do lauto breakfast que a Sônia lhe serve toda manhã: ovos mexidos, salsicha, pãozinho estalando de quente, belo suco de laranja feito na hora e aquela pimentinha esperta, opta por um cafezinho em pé, na Savassi. Almoça num serv-serve e anima-se, ao voltar no fim da tarde, lembrando do barulho quando abre a latinha de Skol  e da história fascinante do livro que o aguarda.
Já em casa, cansado e submetido, descalça os sapatos e as meias, enfia os pés nos confortáveis e gastos chinelos e embrulha-se numa velha jaqueta com a intenção, simples,  de ficar recolhido num canto qualquer, silencioso, para ler e beber.
Distante, um observador imagina a figura do velho piloto, grisalho e com o brevet vencido, posto como um embrulho numa das cadeiras da varanda entre os varais de roupas estendidas e com um livro entreaberto nas mãos, envolto num monte de latas de refrigerante espalhadas, um baralhinho de bichos e um quebra-cabeça, papéis amarrotados de balas e chocolates, consumidos durante o dia.  É quase possível assistir ao erudito afavelado, então encantado com a felicidade dos netos a correr pela casa, esboçar um sorriso, enquanto ouve ao fundo, o Só no sapatinho.
Roberto H. Brandão – outubro/2006   

sábado, 25 de dezembro de 2010

NATAL A SÓS

Dia destes, fui convidado a participar de um seminário sobre “Desenvolvimento Internacional” em
Trinidad Tobago  Aceitei prontamente, mas fui pego de surpresa.
Todas as companhias aéreas que voam para o Caribe têm que pousar, primeiro, em Miami.
Na ida e na volta. Todos os vôos são via Miami. .
De qualquer forma, pensei, é só para trocar de avião e isto leva,  no máximo, uma hora.
Embarquei feliz pois ia conhecer mais um novo lugar no planeta.
Em Miami, a conexão para Trinidad foi imediata. Foi só tirar a mala de um avião e passar para o outro.
A primeira parte do seminário foi em Tobago. Ilha pequena de poucas atrações, praias razoáveis e comida diferente. Alguém já ouviu falar em “ackee”? É uma frutinha que , feita com bacalhau , dá um sabor especial à ilha. Nunca ví nada parecido por aquí. Trocadilho infame ein?
E entre palestras e debates passamos uma semana formidável.
Mas o Natal estava chegando e resolvemos marcar nossas passagens aéreas para a véspera. Assim, cada um estaria de volta para passar o Natal em casa.
No dia 23 de dezembro embarcamos em Santo Domingo para fazer a tal baldeação em Miami e chegar na terra pátria.
Acontece que o meu visto de entrada nos Estados Unidos estava vencido e comecei a viver uma situação bem diferente.
De cara, fui levado para uma sala de espera trancada. Era até bem grande
pois estavam alí, na mesma situação que eu, pessoas de todas as idades, nacionalidades, raças, credos e  cores.
Um grupo, bem alegre, parecia de italianos pois ao longe via gesticularem
sem parar. Cheguei mais perto, ouví e ví a deliciosa língua em sons e
gestos.  “Tutti buona gente”.
Num canto, um casal sisudo de louros jovens. Alemães,  ainda com o cheiro
da batata assada e do “chucrute”. “Sig Heil”.
No outro, um grupo de camisetas e bermudas iguais com a inscrição Barbados. Fiquei pensando... Será que eles estão fazendo uma excursão pelo Caribe?
Que falta total de imaginação. É como se nós, de Belo Horizonte, resolvêssemos pegar uma jardineira e fôssemos viajar pelo roteiro Betim,
Baldim, Partido Alferes, Porto Novo do Cunha e Crucilândia. Que  fim de
semana bárbaro!!! “Saludos muchachos”.
Com isto, fui me distraindo e não percebí que o meu vôo tinha sofrido um atraso  e que só iria embarcar às duas da manhã, portanto, depois da meia
noite.
Os grupos foram embarcando, a sala foi ficando vazia e restou somente
uma família de japoneses na salona de espera. Impassíveis,
aguardavam o chamado para embarque. Também,  não
estavam nem aí para a passagem do dia 24 para 25. Dias normais no calendário budista. “Arigatô” amigos,  pela fria companhia nesta estranha noite de Natal.
Já conformado com a situação, tratei de localizar uma daquelas máquinas que fornecem comidas e bebidas variadas. Encontrei algumas. No entanto, elas só
continham sanduíches e gelatinas, com uma boa variedade de refrigerantes.
Nada de perú assado, arrozinho branco, frutas da estação, muito menos
castanhas, avelãs, pistaches “y otras cositas mas”. Quem sabe um bom
champanhe? Nada. Um vinho seco? Nem pensar. Uma zurrapa qualquer?
Nem isto. Cerveja, claro, para tomar um porrezinho leve. “No beer at all”.
Era só refrigerante e suco de laranja, uma verdadeira tragédia.
Subitamente entra na sala uma lindíssima mulher, casaco de pele, saltos muito
altos e extremamente elegante, escoltada por dois guarda-costas que não lhe
tocavam mas tinham os olhos fixos em todos seus movimentos.
Os brutamontes entregaram os documentos dela ao atendente no balcão de
embarque,  recomendaram alguma coisa que não ouví e foram embora.
A um chamado para Tóquio, os japoneses atenderam em fila indiana, mulheres na frente, homens atrás e partiram. “Saionara”.
Sobramos, portanto, os dois pois os atendentes também pediram licença
e foram  para o escritório do gerente do aeroporto para confraternizarem-se
com os colegas. Trancaram a porta e nos desejaram “Merry Christmas”.
Assim, passamos um Natal a sós e muito bem acompanhados.
“See you”.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma das minhas paixões MGB GT (foto)

UM PASSEIO PELAS MONTANHAS ROCHOSAS

Numa manhã gelada, 21º.C abaixo de zero, saímos de Greeley para um passeio pelas maravilhosas Montanhas Rochosas, no Colorado.
Era um dia incrível! O céu totalmente azul, sem uma nuvem sequer. O sol claro e até quentinho e as montanhas exuberantes e nevadas do pico até a metade. Pela State Expressway 25, atingimos o sopé da parede onde nos enfiamos em pequenas estradas que serpenteavam sobre a encosta com precipícios e barrancos altíssimos, os famosos cânions.
Roger sorria observando-me e tentando descobrir se eu estava encantado ou até um pouco amedrontado naquele fim de mundo. Buscávamos encontrar algum animal na área: big horns (chifrudos), veados, alces e até mesmo ursos, pois, a mata é preservada e toda a sua fauna e flora são rigorosamente vigiadas dia e noite. A Polícia não dá trégua. São inúmeros os pontos para fotografar, com enseadas especialmente montadas para os turistas ficarem completamente à vontade.
Chegamos a um sitio construído pela YMCA (Young Man Christian Association), lugar ideal para convenções e rápidas férias. Muito bem estruturado, com alojamentos individuais e coletivos, ideal para uma convenção dos Partners of the Américas, logo imaginei.
Ainda no caminho, paramos para umas comprinhas de souvenirs e também para conhecer pelo menos uma das inúmeras cervejarias, pequenas fábricas de cervejas, na região do Estes Park. Paramos numa que oferecia uma degustação bem curiosa:
Num balcão as diversas “bolachas”das marcas fabricadas e você apenas aponta qual vai querer experimentar. O garçon, então, serve uma generosa dose e você prova quantas quiser. Depois de algumas doses, acertamos com as nossas preferidas e subimos para um rápido almoço, na própria cervejaria, com vista para a área de produção: enormes alambiques, tanques e canos onde corre o precioso líquido. Eu já estava bem afamado como cervejista emérito. A Estes Park Brewery é instalada a uns 2.500 metros de altitude.
Nosso destino era o Rocky Mountain National Park e na subida paramos para o
Roger tirar umas fotos num lugar belíssimo onde, olhando para a paisagem logo abaixo, lembrei-me da música Slides (letra e música de T. Romeo) cantada pelo afinadíssimo Richard Harris num LP que o Caio me deu, que descreve:... the Colorado River trickles through its base like a deeply buried brook... Uma cena inesquecível, cravada na minha memória. É uma pena que eu não seja fotógrafo, pois poderia fazer uma sessão de slides com a trilha sonora do super disco. Sou uma besta!
Também uma pena não termos visto os bichos, a não ser três filhotes de veados que subiam morro acima, seu habitat natural.
Chegamos a uma altura de mais de 4.500 metros de onde se descortina visão privilegiada do belíssimo estado do Colorado, que é muito plano. A não ser pelas Rocky Mountains, que o dividem ao meio, o estado lembra um platô que deveria ser desértico há alguns séculos, no início da colonização americana. Lembra aquelas pradarias onde os cow-boys bandidos fugiam dos mocinhos nas histórias filmadas que tanto vimos na infância.
Já no final da tarde “…a sunset, another sunset, I know it looks indistinguishable from the last, but I remember the difference…”
Um passeio para a vida toda, promovido por um gentleman.
Thanks, Roger Brown.
Roberto Brandão – dez/2009

OS DEVASSOS DE GARULHOS

Tem dias que a gente acha que não vai acontecer nada. E acontece tudo ou quase tudo.
Embarquei num voo atrasado de Washington para São Paulo, que deveria chegar no Brasil às 10:30 e, no entanto, desembarcamos às 11:30, esgotados depois de um voo de nove horas e meia. O avião, um Boeing 777, penúltima geração, muito confortável. Sentado no corredor, ao lado de uma senhora de Lewistown/Montana, a segunda do dia, que falava e perguntava pouco. Do jeito que eu gosto. Tenho horror de quem entra na fila para o embarque e já, na escada ou no finger, começa a perguntar, de onde você é? prá onde você vai? e outras bobagens. Tenho vontade de responder como meu impaciente e neurastênico tio Aureliano: “vou para a China meu amigo!”
Não me interessa nada dessas prosas, pois já viajei com todo tipo de vizinho: industrial de caixas de fósforos, de rodas de liga leve, de camisinhas, comerciante de livros, promotor de eventos, músicos e, mais recentemente, turistas, pedreiros, aventureiros, voluntários para ajudar na luta contra o aquecimento global e outros bichos.
Assim, ao lado da senhora de Montana, fiz uma viagem silenciosa, seca (só uma cerveja a US$ 6,00) e cansativa. Chegamos em Sampa às onze e meia e corri para embarcar no vôo das 12:10 para Belo Horizonte. É claro, perdi o delicioso Duty Free Shop, na corrida passei limpo pela alfândega e, ainda, perdi o avião para BH. Apesar de ser uma conexão, a TAM não me deixou embarcar. Fizeram o favor de me embarcar no voo das 16:45. Reclamei por dentro e por fora, inutilmente.
Fui parar num bar chamado Devassa onde já havia tomado umas, na ida. Que sorte a minha! O bar, nome de recente marca de cerveja, é sensacional. Aliás, o ambiente de qualquer aeroporto é sensacional. É só sentar e ficar vendo o movimento. Gente de todo tipo, de toda raça, de toda língua, com todo tipo de bagagem, passa por ali. E eu adoro isto!
Sentado num canto, tomando conta da bagagem de mão e da indispensável capa de chuva, consultei o cardápio. Existiam três tipos de cerveja: a Devassa Loura, a Devassa Ruiva e a Devassa Negra. Pedi uma Negra e umas batatas fritas pra passar o tempo. Eram 13:00 e havia tempo de sobra. Lá pelas 14:00 entraram duas jovens senhoras, que esperavam para o embarque num vôo para Salvador/BA, como soube depois. Acho que também pediram cerveja, sem especificar o tipo. Acabei a minha e pedi novamente: “Por favor, mais duas Devassas Negras”. As duas olharam pra mim assustadíssimas e perguntaram: “O quê é que o senhor quer?” Brinquei: “Só duas Devassas Negras. Vamos ver como elas vêm.” Aliás, pra quem não está no ambiente ou acaba de chegar, é uma surpresa! O quê será que vai chegar? E a garçonete trouxe as duas cervejas absolutamente normais, engarrafadas long-neck, bem geladas.
Falei com elas: “Estão vendo? Nada de mais”. E as duas dispararam a conversar e a contar suas vidas. Eram duas irmãs que não se viam há algum tempo e resolveram passar umas férias na Bahia para conversarem mais à vontade, sem pai nem mãe, irmãos, tios, sobrinhas e avós. “Free again”, como confirmaram em uníssono. A mais velha tinha cursado uma bolsa de estudos nos Estados Unidos e casou-se com um colega americano intragável, que ela só descobriu depois de casada. Disse que o cara implicava com tudo, desde os sapatos que usava até do penteado mais moderninho. Era um “chato de galochas”, segundo ela. Abandonou o marido, no segundo mês do casamento e fugiu para a Califórnia: Los Ângeles, onde fez de tudo. Peripécias incríveis! Brinquei com ela: “Você, então, é uma devassa branca”. Elas riram muito, pediram outras e a mais nova começou a contar suas aventuras no Brasil. Primeiro saiu muito cedo da casa dos pais e foi morar em Santos, sozinha. “Ninguém para me dar ordens. Odeio ser comandada!”



Mas, encantada com um halterofilista, melhor, fisiculturista, rato de praia, que passava dia e noite na frente do espelho fazendo caras, bocas e músculos. É claro, durou muito pouco tempo o conluio. Separou-se, enquanto não tinham filhos porque o narciso era barra pesada: praia, espelho e cama dia e noite”. Virou “free-lancer”, segundo ela, até que a irmã Rafaella a convidou para uma viagem a Los Angeles. Juntou algum dinheiro e se mandou para a Califórnia.
Na verdade, só me contaram o que achavam que podiam ou deviam, mas, fiquei imaginando as duas free em Los Ângeles. Deve ter sido uma loucura!
Brinquei de novo com elas: “Então, conheci mais uma devassa branca”. E assim ficamos até a hora dos embarques, primeiro o delas, depois o meu, com diversas devassas, as brancas, minhas amigas da última hora e as Negras, minhas amigas de sempre.
Ciao,Guarulhos!

Roberto H. Brandão – dez/2009.

MARIANA QUEBROU O MURO COM O NARIZ

Numa bela tarde de julho lá se foram as três meninas até o posto calibrar os pneus das bikes, últimos modelos da Caloi. Arrastaram-se até o posto da esquina, bem pertinho,
e pediram a um dos frentistas para encher os pneus na calibragem certa, pois, elas mesmas, não sabiam! Tudo certo? Vamos dar uma volta no quarteirão porque lá no prédio não tem lugar pra nós: no salão de festas é impossível, tem portas e degraus pra todo lado. Na entrada, nem pensar, seria subir e descer umas mil vezes até cansar da paisagem compreendida entre uma grade e um muro que elas já conheciam há muitos anos. Não inspirou! Na garagem? É proibido, pois, pode arranhar os carros. No passeio? Talvez, mas correndo um risco enorme, pois, entre duas ruas de grande movimento, duas subidonas, teriam de andar um quarteirão desviando dos pedestres trabalhadores na região, como os funcionários da Boníssima, os frentistas do Posto Cabral no caminho de casa, os esportistas voltando do Clube Militar e os funcionários do Ministério da Agricultura que sempre preferem andar no passeio do lado de cá à trilha no inóspito caminho ao lado do muro da repartição pública, enfim, era também um caminho árduo e sem graça.
“Isabela e Raíssa , vamos encostar as bicicletas!” Falou Mariana. E as três, comportadamente, voltaram pra casa e entraram com as bicicletas pela garagem. “Waldir, ô Waldir, abre o portão da garagem, por favor!” Gritaram elas.
Sempre solícito, o porteiro Waldir abriu o portão e lembrou que certa vez, o Alberto Levy, morador do apartamento 401 desceu a rampa da garagem com o carro sem freios, arrancou o portão e foi bater direto no muro lá em frente. Na época, ainda não tinha sido instalada a central de gás no final da rampa. Meno male! O carro bateu com tanta força que furou o muro e o prédio recebeu uma intimação do vizinho, no dia seguinte, solicitando a reparação imediata do estrago. O Dadá conferiu tudo e, preocupado, ajudou o sr. José Resende, então síndico, a providenciar a reconstrução do muro sem ônus para o velho vizinho. Acidentes acontecem!
Mas, a preocupação do Waldir era procedente, pois, naquela rampa íngreme, se faltassem os freios nas bicicletas das meninas seria tiro e queda.
E não deu outra, a Isabela e a Raíssa desceram primeiro, juntas, raspando no muro e saíram ilesas, mas, a Mariana calculou mal a distância e na curva bateu no muro. Uma tremenda trombada que não furou o muro como o Alberto, mas, quebrou o nariz e esfolou o rosto da menina. Os freios falharam, disse ela.
O Waldir coçou a cabeça e providenciou a ambulância para levar a Mariana ao Pronto Socorro. Nada de grave, uns pontinhos aqui, outros ali e ela já estava linda de novo.
Quando o Braga chegou, depois que fechou o “banco”, soube do movimento no prédio e foi direto para a garrafa diária de vinho na varanda sendo informado do ocorrido pela Sônia, no caminho do tugúrio. Ela estava na varanda acompanhando toda a confusão e viu, até, quando o Konisbergue, ou o espírito dele, foi correndo pra acudir a neta e ver se o Impala preto tinha sido atingido.
E na cadeira preferida, dona. Santa continuou sorrindo para o além, quando a paz voltou ao Edifício Jacques Saul.

Roberto H. Brandão – julho/2009

MARINA DAS DORES

Sempre perto de nós, de mim e da Lúcia, a tia Marina tem sido nossa step-mother
a vida toda. Com amor e carinho, tomo a liberdade de escrever uma brincadeirinha sobre ela. Na verdade, nunca conheci uma pessoa tão alegre e dolorida quanto ela. Não sei como foi na sua época dourada de campeã mineira de tênis pelo Minas Tênis Clube, que honrou tanto o nome. Também não me recordo bem desta época, pois era muito pequeno e morávamos em São Paulo. longe dos esportes mineiros.
Nossos encontros mais intensos foram nas temporadas em que o papai e a mamãe se mudaram para os Estados Unidos (1947 e 1951) quando então ela assumiu as funções de mãe, tia, avó, etcétera e tal, em tempo integral. Bons tempos aqueles!
Lembro-me muito de que, entre uma dor e outra, ela nos vestia com os uniformes do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, para onde ela nos levava de bonde toda manhã e buscava na hora do almoço.
Belo Horizonte era muito pequena e provinciana, no entanto, os bondes nos conduziam com segurança e muita precisão nos horários. Para irmos ao Grupo, na Av. Paraúna, pegávamos os amarelos na Rua Ceará que seguiam até a Praça Diogo de Vasconcelos, ponto final e retorno. Apesar da famosa padaria Savassi já estar lá, instalada, ainda conservava o nome original.
Era uma infância muito feliz na casa da vovó Augusta. O almoço, uma delícia que a cozinheira/arrumadeira/faz tudo Maria, novinha no primeiro emprego, preparava com pratos gostosos e saudáveis, pois a vovó comprava do Joaquim as verduras e legumes fresquinhos trazidos no lombo de uma velha mula.
Desdentado e coxo, Seu Joaquim subia e descia as ladeiras da cidade com suas preciosidades, cultivadas na própria horta. Ele gostava muito da vovó e sua sinceridade era pública e notória. Um dia ela lhe perguntou como ia a mulher dele, se ela estava boa e ele respondeu sem cerimônia: “Ela tá boa, dona Augusta e bem menos escangaiada que a senhora.”
Na casa da vovó moravam o tio Zé e o tio Tonico, filhos solteirões, na época beirando os cinquenta anos. Eles cuidavam do quintal e mantinham, cada um o seu, belíssimos orquidários. Na casa dela a massa do macarrão era feita em casa, os molhos eram preparados com tomates e pimentões colhidos na hora, na horta que ela mesma cultivava. Um verdadeiro luxo!
Tinha de tudo a dois passos da cozinha, onde um antigo fogão de lenha mantinha uma enorme criação de escorpiões e um forno onde se assavam os pãezinhos para o café da manhã e o lanche. O quintal era uma beleza! Ao fundo, havia uma touceira de bananas, alguns pés de variadas laranjas, dois limoeiros, uma caramboleira, um pé de fruta de conde, mangueiras de diversas espécies e um abacateiro que fazia sombra no quarador de roupas ,
Numa coluna, ao lado do fogão, ficava o poleiro do Lôro. Papagaio esperto que falava, entre outras coisas, o próprio nome, ensinado pela vovó, sua dona: bom-dia, boa-tarde e boa-noite faziam parte do vocabulário dele e nas horas certas. Sabia, também, muitos palavrões: merda, fio da puta e pqp. Ele era muito esperto e comia frutas e pão molhado que a vovó lhe dava toda manhã. Ela só parou de alimentá-lo quando pegou uma pneumonia brava que a deixou na cama até os setenta e cinco anos.
Lembro-me de que eu sentava aos pés da cama dela para ouvir suas histórias e, tipo Brandão, ficava batendo os pés no estrado. Era quando ela, cabelinho cinza puxado para trás me olhava com ternura e pedia: “Não bata com os pezinhos na cama não, filhinho, porque incomoda a vovó, viu?”
E ali, na casa da vovó, passamos dois belos períodos com a tia Marina, o tio Zé e o tio Tonico. Sobre estes dois, vale registrar: tio Zé, atleticano doente, sofria de úlcera de estômago e vivia de mal humor. Era magrinho e, sempre, com uma caixinha de bicarbonato no bolso. Saía bem cedo para trabalhar no DER – Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais. Já o tio Tonico, mais novo e fortão, capitão-dentista da Força Pública, americano por amor e convicção, havia jogado como back no scretch do América Futebol Clube. Ainda como controvérsia mas sem resultados práticos, o tio Tonico era espírita e o tio Zé, um ateu radical. No quesito religião os dois não se entendiam, mas se respeitavam muito. Quando havia sessão espírita lá em casa, toda quarta-feira, o tio Zé só aparecia depois das dez, para não se incomodar com as velas acesas, os espíritos baixando e todo mundo rezando à mesa da sala de jantar.
Já a Maria, cozinheira de forno e fogão, gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho. Jogava todo dia e ficava perguntando se alguém tinha sonhado com alguma coisa e, quando alguém contava o sonho, ela fazia suas deduções. Um dia lhe contei que tinha sonhado que estava no jardim, quando vi um grilo verde pulando. Ela logo deduziu: “Isso dá borboleta, Bebeto. Sonhar com grilo tem que jogar na borboleta”. Acreditei naquela loucura e pedi uma moeda de um mil reis ao tio Tonico, para a Maria jogar. E não é que deu borboleta? Ganhamos cinco mil réis e dali prá frente, todo dia, tinha que contar a ela os meus sonhos. Por azar, nunca mais ganhamos!
Os meus amigos e vizinhos, Wilton e o irmão Eduardo, Décio Freire (Destão Cabeçudo), Clermont Gosling, Rodrigo e Petrônio Zica, Eduardo e Júlio Brasil, passavam lá em casa todo sábado, para jogarmos uma pelada na Avenida Paraúna, hoje Getúlio Vargas, onde havia um canteirão grande de grama no meio, entre rua Aimorés e Bernardo Guimarães.
Ainda jogávamos bente-altas, finca, rolávamos nossos carrinhos de rolimã pelos passeios esburacados, trepávamos em árvores para chupar tamarindo- havia duas enormes, no quarteirão em frente de casa -, soltávamos papagaios, que nós mesmos fazíamos. Enfim, era uma infância saudável e feliz.
Voltemos a “Marina das Dores”, que descia a Rua Marquesa de Alorna para ir à casa da vovó atravessando por um lote vago na Rua do Ouro, ela ainda pulava uma pinguela na Avenida do Contorno e pegava a Rua Bernardo Guimarães até o número 305. A visita diária era para cuidar do Bebeto e da Lucinha, sobrinhos queridos.
O telefone da casa da vovó, coisa raríssima na época, me lembro, era 2-1188.
Com um pulo na história, volto a me lembrar da tia Marina, já casada com o dentista-violonista e super bem humorado Nelson Emiliano Orsini, vulgarmente conhecido como “nirsinho de brito, atleticano, violeiro, cachaceiro futebol clube”. Apelido que ele mesmo criou quando se apresentava para alguém.
Tio Nelsinho era uma pessoa especial e se dedicou à tia Marina com o maior carinho, cuidando das suas diversas dores a vida toda. Para ela, era um verdadeiro anjo da guarda. Ele também gostava de um churrasco caprichado, uma cachacinha e uma cerveja gelada. Companheiro de Noel Rosa e Ari Barroso, bem como, de toda uma geração de músicos da Rádio Nacional, da Rádio Inconfidência e adjacências, acompanhou grandes cantores como Francisco Alves e tantos outros. Ele era especial mesmo!
Muitos anos depois, tendo morado em São Paulo por dez anos, voltamos para Belo Horizonte e, por um período, fui morar com o tio Zé, na Rua das Camélias, na Nova Suíça. Tio Tonico morrera prematuramente aos sessenta anos, de um enfarte fulminante. Assim, tio Zé vendeu a casa da vovó e construiu uma casinha pra ele, projeto próprio, bem simples, com um quintal grande cheio de passarinhos, orquidário
caprichado e uns vira-latas pra latir muito e não morder.
Aos domingos, ele saía cedinho para ir ao Mercado Central para fazer as compras da semana. Lembro-me bem dele naquelas manhãs, olhos azuis da cor do mar, sorriso mais solto depois que se livrou da úlcera, pernas tortas, descendo a Rua das Camélias com duas sacolas fechadas e enroladas debaixo dos braços, de sandálias de dedo e de bermudas, para pegar o lotação na Rua Desembargador Barcelos. Logo que chegava, sacolas cheias, Maria ia desembalando as compras e ele pegava uma cerveja e me chamava: “Vem cá Bebeto, vamos esperar o Nelson e a Marina.” Sentávamo-nos na varanda onde havia um jogo de cadeiras e mesa de ferro, com tampo de vidro, a cerveja gelada e uma brisa agradável.
Logo, soava a buzina – pan,paranpan,panpan – e surgia o Studbaker preto dobrando a esquina. Mais cervejas, um almoço caprichado com arroz, feijão, nhoque, capeleti com molho de frango, goiabada e doce de leite com queijo, café esturricando de quente e muita felicidade. E a “Marina das Dores” sorrindo, feliz naquele domingo quente dos anos 1960.
Roberto H. Brandão
Março/2010

DAS DORES E DOS TOMBOS

Acostumada, como jogadora premiada de tênis a cair espetacularmente saltando atrás das bolas difíceis de suas contendoras, tia Marina caiu tanto na quadra que acabou se acostumando, também, com os tombos involuntários.
E assim, foi colecionando uma porção deles. Já deve estar no 5.837º. cinco milésimos, oitocentésimo, trigésimo sétimo tombo. Será que é assim que se escreve? É tanto tombo que o número vai ficando cada vez mais difícil de se escrever.
Outro dia mesmo, quando cheguei lá no domingo de manhã, me contou que havia caído e tinha tido uma luxação muito dolorida no ombro direito. Coitada, pensei, mas, logo em seguida me lembrei do número recorde já registrado e nem dei bola. É só mais um tombinho!.
É claro que dói, incomoda, fica desconfortável em algumas posições, mas a Marina das Dores e dos Tombos tira de letra.
Acho que este negócio de cair é mal de família, de família Hermeto. Mamãe também caía muito, tanto que no pior dos tombos ela quebrou a base do fêmur. E com 92 anos, não foi fácil. Magistralmente operada pelo Professor Marcelo Magalhães, que a colocou de novo na lida, sem muletas, bengala e nem nada. Também muito bem humorada, este um bem de família das Hermeto, ela ria muito porque o Dr. Marcelo havia colocado nela um parafusão, que ela apelidou de Dorival, três parafusinhos, que ela chamou de Marina, Henrique e Iara, seus bisnetos queridos e mais uma placa para firmá-los, que ela chamou de Lúcia, base segura da vida de todos.
Voltando a Marina dos Tombos, sempre muito expansiva, que me contou sobre um tombo fantástico e internacional, destes que devem ser registrados nos anais da família.
Ela me contou que foram conhecer um restaurante em Santiago do Chile, onde ela, tio Nelsinho e tio Zé, foram anfitrionados por um nativo que se apaixonou por eles e resolveu mostrar-lhes a maravilhosa capital chilena
No primeiro dia ele programou levá-los para um restaurante com as seguintes palavras: “Hoy, nosotros vamos a uno de los mejores restaurantes de Chile. Vamos conocerlo.”
Ela, na frente, puxando os turistas, chegou com o anfitrião à porta do famoso restaurante e ele, cauteloso, parou a fila e disse: Oiga, despacio porque hay uma escalera en la entrada.” Marina nem ouviu, abriu a porta e entrou. Pumba! Entrou direto e despencou restaurante adentro até cair sentada no colo de um dos fregueses. O rapaz, assustado, perguntou: “Lo que pasa señora?” E ela, muito sem graça, respondeu: “Não é nada senhor, é só mais um dos meus gloriosos tombos. Desculpe-me, por favor.”
Tio Nelsinho, tio Zé e o anfitrião vinham correndo para socorrê-la, mas ela já estava plenamente recuperada ao lado do surpreso freguês, já se desculpando!
Coisas da Marina das Dores e dos Tombos.

Roberto H. Brandão
Abril/2010.

JANTAR EM PETRÓPOLIS

Pela manhã, acordamos dispostos a uma longa viagem de BH para o Rio, a bordo do possante Mercury 1950, verde escuro, do papai. Na verdade, àquela época, a viagem era mesmo longa, pois a estrada, BR-3, não era totalmente asfaltada e, com isto, demorava-se muito mais para percorrer os 450 km. A radiosa manhã começou com o preparo do carrão no posto de gasolina da rua Aimorés. Encha o tanque, comandava o papai. Verifique os pneus, coloque água no radiador e veja o nível do óleo do motor. Carro pronto, fomos à casa do vovô Pedrinho para buscar tio Aureliano e sua mulher Naná, já com as malas prontas, na calçada, só esperando o Helvécio. O Aureliano usava um guarda-pó sobre o bem cortado terno de casimira inglesa e a Naná, um vestido mais simples, próprio para enfrentar aquela grande jornada.
Papai, minucioso, conferiu todo o serviço novamente e partimos da rua Pium-í nº 1972 para o Rio de Janeiro. Na saída, esquina da av. do Contorno com BR-3, observamos que o mato, na beira da estrada, estava bem alto e não permitia a visualização da única placa indicativa da saída para o Rio. Fomos às cegas e, por sorte, acertamos. Bom início.
Os primeiros quilômetros eram asfaltados e muito confortáveis, seguindo até o famoso Viaduto da Inconfidência, novinho, uma maravilha arquitetônica que, ainda hoje, apelidado “viaduto das almas”avança sobre um vale a mais de trinta metros de altura. Uma beleza! À última visão de um rio conhecido e a primeira provocação do Aureliano: “Naná, aquele é o seu rio...” “Por que, Aureliano?” perguntou ela, inocente. “Ele é o rio das Velhas!” - Há, há, há!
Ela não se abalou, pois, acredito que não tenha escutado.
No Mercury, muito confortável, iam o papai, como motorista e o Aureliano, na boléia, Naná e eu, no banco de trás. A conversa era muito animada na frente, pois o tio ia fornecendo uma descrição de todo o trajeto, comentava sobre o tempo, apontava monumentos e os descrevia: “Olhe que bonito cafezal, Helvécio! Esta região tem excelentes fazendas em plena produção. Naná, repare nas vaquinhas, pastando ali.” Ao longe, uma grande manada de vacas pretas e brancas, ruminava no pasto seco e agreste. “Aquele é o profeta Abdias,” na passagem por Congonhas. Ali, contou-nos a trágica história do Aleijadinho e suas obras, esculpidas magistralmente por um deficiente físico, negro, paupérrimo e faminto. Ele sabia de tudo e eu, menino, ouvia admirado aquelas manifestações de grande conhecimento, cultuada sabedoria e irônico humor. Coisa de gênio! Como se não bastasse, papai comentou que o Aureliano era formado em Medicina, em Farmácia e em Direito e falava, além do inglês e do francês, fluentes, também o alemão, e que tinha feito a apresentação de um trabalho científico na Academia Brasileira de Medicina no idioma germânico. E por exclusivo diletantismo. Diante desses comentários, ele sorria, vaidosamente feliz.
Não tivemos pneus furados, muito comum naquelas estradas esburacadas e poeirentas, nem qualquer avaria mecânica, também fáceis de acontecer, como entupimento do carburador, furo do radiador, vazamento de mangueiras, super aquecimento, entre outras encrencas.
A viagem foi, realmente, muito tranquila. Naquela época, as estradas chegavam às cidades e obrigavam os viajantes a passarem por dentro delas, literalmente. A ligação entre a chegada e a saída era a rua/avenida principal, que ia rasgando a cidade, atravessava a praça central, geralmente, em frente à Prefeitura e ia se afastando até os bairros mais distantes onde entrava, novamente, na rodovia. Era sempre assim. E, em Juiz de Fora, não fora diferente. Já uma cidade de porte médio e, portanto, sem aquela facilidade de travessia, possuindo diversos cruzamentos e nenhuma sinalização que nos conduzisse ao ponto de saída. Assim, resolvemos indagar ao primeiro habitante disponível que, encostado à sombra de uma árvore, ouviu atentamente. Aureliano perguntou: “Por favor senhor, onde é a saída para o Rio?” Na sua preguiça e simplicidade, o juiz-forano retrucou: “Ah, o senhor vai para o Rio?” Aureliano, irritadíssimo com a pergunta, muito vermelho, com a fala trêmula e quase babando de raiva lhe disse, dedo em riste: “Não, meu senhor, eu vou para a China!!!” E completou: “Vamos, Helvécio, ande, esse pobre coitado não sabe de nada.”
Vencemos as ruas e esquinas de Juiz de Fora sem mais perguntas, pois o homem estava possesso. Com alguma dificuldade, chegamos à estrada que, dali para frente, se chamava Rodovia União Indústria. Uma beleza de muitas curvas, viadutos e pontes, totalmente asfaltada até o Rio de Janeiro. Na altura de Petrópolis, por volta das seis da tarde, o Aureliano ordenou: “Vamos passar na casa de Santiago, pois quero cumprimentá-lo.” Referia-se à casa de seu genro, Francisco Clementino de Santiago Dantas, casado com a filha Edimê. Papai prontamente atendeu, pois seria uma honra para nós, conhecer o Primeiro Ministro do Governo parlamentarista brasileiro. E foi o máximo!
Como um mestre, Aureliano conduziu-nos pelas ruas, alamedas e canais da linda cidade e chegamos a uma enorme mansão clássica, arquitetura inglesa do século dezenove, com enorme jardim de acesso à porta, emoldurada por quatro colunas brancas num átrio. Soamos a campainha e fomos recebidos pelo mordomo, vestido num impecável terno preto, lenço branco no bolso. A recepção foi muito amistosa e formal. Afinal, não havíamos avisado sobre a inesperada visita. “D. Edimê está repousando e o Ministro está no Rio. Talvez venha para o jantar.”
Aureliano, cerimoniosamente, pediu que a avisasse que estávamos de passagem, ele, a mãe dela, com o primo Helvécio e o filho Roberto, de Belo Horizonte. O mordomo retirou-se, educadamente, e, após uns poucos minutos, voltou anunciando: “D. Edimê vai descer em seguida e pediu-me para convidá-los para o jantar, que será servido às sete horas. Podem esperar na biblioteca, se quiserem.” Fiquei boquiaberto. Nunca tinha visto uma biblioteca daquele tamanho. Aliás, nunca tinha visto biblioteca nenhuma, a não ser numa rápida visita aos livros guardados do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, para buscar algum escrito sobre plantas, pois iria fazer uma composição para o Dia da Árvore. Já era um arremedo de biblioteca, aquela coleção de livros.
Em meia hora, Edimê apareceu, muito arrumada e saudou os pais, com cerimônia, cumprimentou o primo e o filho e convidou-nos para jantar, dizendo: “Santiago avisou-me que não poderá vir do Rio, pediu-me para apresentar-lhes desculpas pela ausência e recomendou-me que o convidasse, papai, para fazer as honras da casa, sentando-se à cabeceira, no jantar!” Aureliano, honrado e obediente, dirigiu-se à mesa posta com toda pompa e circunstância. Tudo era surpresa para mim, pois nunca tinha visto uma mesa com pratos, talheres e diversos copos dispostos, milimétricamente, nos seus lugares, com enormes guardanapos de linho branco, chuleados e embainhados sobre a lindíssima toalha portuguesa do século XIX. Um luxo! Sentamo-nos nos lugares indicados e fomos servidos por um elegante maitre de librè, o mesmo mordomo, já paramentado para a nova função. Uma criada, também uniformizada, obedecia às ordens dele com precisão e servia os convidados de acordo com uma rotina pré-ensaiada, onde não faltava nenhum detalhe. Aureliano fez a prova do vinho com precisão e elegância e fartamo-nos de educação e finesse durante todo o tempo. Foi uma experiência e tanto! Após o café, tomei o primeiro licor da minha vida, um Drambuie, “derivado do Scotch Whisky”, comentou o tio sábio.
Aureliano e Naná aceitaram o convite para pousar na mansão e eu e papai retomamos nossa viagem para o Rio, por volta das nove da noite. E que noite!

Roberto Hermeto Brandão – agosto/2006

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O DESTINO DE CADA UM

Encontramos uma vez, o Brant e eu, com o Mileto, irmão do meu querido afilhado João Stamatto, num Scotch Bar na Av. Angélica, em São Paulo.
Ele tocava clarineta/saxofone na banda do Hermeto Paschoal. No intervalo, ele foi até a nossa mesa, nós dois felissíssimos, pois não nos víamos há muitos anos e o convidei para sentar e tomar um drinque conosco. Ele agradeceu e disse que os músicos não podiam beber no recinto. Heim? Então, o convidamos para tomar uma cerveja lá fora, no bar da esquina. Topou na hora. Em pé, no balcão de mármore encardido de um velho bar paulista, tomamos umas cervejas deliciosas e recordamos as mil e uma noites em que, em Ribeirão Preto, tocamos na noite e fizemos serenatas, com certeza, per tutti belle ragazzi de la cittá. Naquele momento solene de um encontro de dois grandes amigos a conversa fluiu no mesmo timbre e nível daqueles tempos e ele, subitamente me perguntou: “Você está fazendo o quê?” Respondi, hesitante: “Eu sou advogado, e você?” Ele me olhou no fundo dos olhos e, desafiadoramente, respondeu: “Eu sou músico!”. Quase batendo no peito de orgulho por ter escolhido uma profissão maravilhosa e de acordo com sua formação prática na vida. Nós tínhamos passado metade da vida tocando e cantando juntos em Ribeirão  e em quase todo o interior de São Paulo: Franca, Araraquara, Campinas, Jundiaí, Sertãozinho e muitas outras. Nós éramos os músicos da época. E esta frase dele foi tão forte pra mim que uma furtiva lágrima escorreu no meu olho esquerdo. Uma só. Ele não viu mas o Brant percebeu e ficou quieto, não fez nenhum comentário. Bebemos mais uma só, ele tinha que voltar para finalizar a apresentação da banda. Voltamos à nossa mesa e tomamos um derradeiro drinque, pois, eu estava arrasado. Voltamos para o Hotel sem dar uma palavra. O Brant foi muito sábio, não comentou nada.
Afinal, foi uma escolha minha, ao invés de ser músico, tinha decidido ser advogado. E bem que tive chances, muitas. Nos Estados Unidos, numa determinada época, um pouco antes daquele encontro, havia lecionado violão para uma brasileira, Valucha, cantora e artista plástica que morava em Chicago e que me conseguiu um emprego de professor de violão na Folk and Country School of Music, em Chicago, onde poderia ter iniciado a carreira. Ela e eu gravamos um LP, capa desenhada por uma artista local, com 18 músicas que nunca soube do paradeiro dele. Encontrei um apartamentozinho em Old Town, zona boêmia da cidade, para morar e começar minha carreira. Nada disso. Não deu certo. Eu era apaixonado demais! Abandonei o projeto.
E assim, com a paixão e pela paixão, transformei um músico razoável num advogado medíocre que acabou transmudado, com o tempo, num publicitário de relativo sucesso. Ces’t le destin. Coisa inexplicável, mas, irreversívelmente, verdadeira.
Naquela hora, aprendi uma lição definitiva. Nunca pergunte sobre o destino de alguém quando você não tiver a resposta que gostaria de dar. Fatalmente, ele vai devolver a pergunta, e aí, você chora. Chora mesmo, porque a gente não consegue mudar o próprio destino, este traço que alguém risca para nós e pronto.
Ninguém consegue. Sem nenhuma filosofia barata: de onde vem isto?
Roberto H. Brandão – dezembro/2010.

NA CONTRA MÃO

As viagens ao interior de Minas têm me proporcionado uma série de aventuras nunca vividas em mares mais agitados.
Agora, quando fomos a Juiz de Fora, a Júlia, eu e o Paulão, motorista de fina estirpe da Epamig, para o Congresso do Instituto Cândido Tostes, aconteceu uma ótima.
A inauguração do Congresso correu maravilhosamente, com três centenas de expositores em estandes de alto nível com argentinos, uruguaios, internacional mesmo e diversos nacionais, de todos os país. Uma feira de alto padrão.
O coquetel de abertura, prestigiadíssimo, com mais de mil pessoas, diversas autoridades
locais, estaduais e nacionais, sociedade juizforana com excelente música de fundo do violonista da terrinha: Mário Terror. É isto mesmo, me disse ele – “Não se assuste com o meu nome, verdadeiro, é o sobrenome do meu pai...”
Fiquei bem próximo dele, desfrutando da boa voz e do repertório de extremo bom gosto. Música moderna, bossa nova, sambas de raiz, enfim, um craque.
Tudo regado a uma boa cerveja, gelada no ponto e salgados variados de caprichoso preparo. Boa festa.
Na saída, Júlia e eu buscamos o Paulão e pedimos que nos levasse para o hotel, distante uns 25 km do Expominas.
Quando estávamos no carro, começou a cair uma chuva fina, uma garoa de inverno que molha muito e deixa os pisos escorregadios.
E não deu outra, já na estrada de volta, na BR-040, topamos com um congestionamento ocasionado por uma carreta que estava atravessada na estrada, não permitindo passar nem um patinete em cada limite da rodovia. Eram 11 e meia da noite.
Paulão parou no acostamento e foi verificar o acontecido. Voltou com a péssima notícia de que teríamos que dormir na estrada pois, para retirar a carreta, seriam necessários tratores, gruas, etc. e, à noite, esse pessoal, bombeiros e PRF, leva muito tempo para atender.
Não conformados, autorizamos o excelente motorista a voltar de marcha ré até um trevo ou estrada vicinal que nos tirasse da confusão.
E assim fomos, debaixo de chuva, de marcha-à-ré, enxergando quase nada, comigo limpando o vidro de trás, a Júlia com a cabeça de fora da janela, debaixo d`água e o Paulão choferando feito caranguejo, de trás-pra-frente.
A cada carro que vinha do nosso lado da pista, parávamos bem colados na faixa limite do acostamento, rezávamos uma Ave Maria e pedíamos para não cair no que  imaginávamos ser um barranco pois, no escuro, não dava pra ver nada.
A Júlia, com a cabeça ensopada, com medo de pegar uma pneumonia e ficar sem poder brincar com a Ana Laura um bom tempo, e eu, com receio de interromper a cerveja vespertina com uma gripe inesperada. Já o Paulão, com muito medo de ser pego pelos guardas rodoviários, até aquela hora desaparecidos na noite.
Foi numa aventura de mais de 10 km nestas dramáticas condições que conseguimos nos ver livres da encrenca, chegando ao bendito trevo de Juiz de Fora, de onde partimos atordoados de volta para o hotel Serrano.
Uma aventura e tanto!
Ah, no caminho de volta, ainda na nossa marcha ré, cruzamos com a camionete da Epamig carregada de felizes funcionários que ficariam ancorados na estrada até 3 da madrugada,  conforme nos relataram no café da manhã.
Roberto H. Brandão – 21/07/2010.

HÁ SESSENTA ANOS

Numa fria manhã, às 07h15, abri a porta pesada de ferro do Edifício São Miguel Arcanjo, à Rua Teodoro Sampaio, 316, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Meu destino era o Ginásio Castro Alves, três quarteirões abaixo. No meio do primeiro, passei em frente ao prédio onde moravam as irmãs Maud e Gilda, filhas de franceses, que adoravam um ménage d´amour. A primeira, branquinha, muito gostosa e muito sem vergonha, que adorava aqueles beijos de língua bem demorados, que lambiam desde o céu da boca até o sininho da garganta, que tocava em sinal de prazer e júbilo. A outra irmã, gordona e bancária, às vezes, também se insinuava, mas ninguém a queria, pelas medidas e também pelo peso daquele trambolho em cima de nós, meninos de 15, 16 anos, imberbes e fraquinhos.
Na porta do armazém, logo após a entrada do apartamento das irmãs, senti muito frio com a garoa fina, que molhava meu corpo de jogador de basquete do primeiro time do Ginásio, junto com o Aquiles e o Jalil, alas; o Pega-Balão, pivô; e o Claudinho, ataque. Que timão, aquele! Na esquina da Rua Oscar Freire, entrei no botequim do Auro e comi um pedaço de pizza de muçarela com tomate, especialidade da casa. Com certeza, a melhor pizza da minha vida! Era o meu café da manhã, pois, a mamãe já estava de pé, mas, muito atarefada para despachar o papai para a Faculdade de Higiene, a um quarteirão acima lá de casa. Papai também ia a pé, porque o carro dele, um Mercury 1950 preto, do ano, ficava guardado na garagem da Faculdade, pois, nosso prédio não tinha garagem, como a maioria dos predinhos novos de São Paulo, na gloriosa década de 50. O carrão só andava aos sábados e domingos, quando saíamos para um passeio ao Jardim Zoológico ou ao recém-inaugurado Parque do Ibirapuera.
Fui descendo a rua e, no quarteirão seguinte, passei pela casa do Renatinho, num prédio pequeno, com uma entrada estreita, ao lado do bar do Auro, onde havia uma escada íngreme para chegar ao pequeno apartamento de quarto e sala, onde morava com a tia. Ele ficou órfão de pai e mãe ao sobreviver a um acidente de carro, na Via Anhanguera, quando os dois se foram.
Mais abaixo, na esquina com a Rua Alves Guimarães, a Casa Jorge, onde a mamãe comprava os tecidos e aviamentos para suas obras de arte. Madame Brandão, dizia seu cartãozinho de visitas, era mestra na alta costura. Tirava os moldes da revista Burda e copiava com competência os modelos lançados em Paris, por Pierre Cardin, Lanvin e outros não menos famosos.
As lojas iam se abrindo: portas de correr, de subir, de aço, de madeira, enormes cadeados e fechos. Os paulistanos, ávidos por começar o trabalho, olhos inchados do pouco sono, cabelos desalinhados da manhã, iniciavam mais uma jornada na cidade escura e úmida.
A Livraria do Renatão e do Waldir, do outro lado da rua, continuava fechada, pois, muito boêmios, os dois deviam estar curtindo a brava ressaca da noite anterior.
Mais um quarteirão e, na esquina, o Ginásio Castro Alves, quando tive que correr para pegar o portão aberto para não perder a chamada para a primeira aula. Com o Latim, começamos o dia letivo.
Roberto H. Brandão – 26/11/2010.

ABATIDO EM PLENO VÔO

As varandas são o melhor posto de observação.
Esteja você buscando o movimento do dia-a-dia da sua cidade, o caminhar dos seus vizinhos, os incógnitos que passam pela rua, os automóveis com ou sem destino certo, as motos extravagantes com seus canos de descarga abertos, enfim, todos que movimentam aquele espaço que você observa.
Nas varandas, mais abertas e altas você consegue, ainda, ver o movimento das nuvens, das estrelas, da chuva que vai e vem como uma ameaça. Do Sol, que nasce e morre todo dia. Da Lua, que também nasce e morre, mas deixa um sentimento de esperança para um novo dia melhor e mais feliz.  .
Tem gente que morre de medo de chuva. Será porquê? A chuva é benta. Só traz saúde e alegria. E suas gotas são tão puras que não poderiam fazer mal. E elas vêm do céu, quer mais?.
Outro dia, o Zuza estava sentado na varanda da casa dele, das melhores varandas que conheço, vendo todos esses acontecimentos da vida numa cidade grande, em frente a uma avenida movimentada e uma mata preservada pelo Ministério da Agricultura, cheia de fícus australianos, mangueiras, flanboyants, quaresmeiras, ipês e paineiras, pombos, bem-te-vis, rolinhas e pardais. Uma exuberância da natureza!
Muito diferente da varandinha da casa da Rua Guaranésia, de frente para a Rua Jacuí donde se via, no máximo, a fachada da Farmácia Universal, dos seus amigos  e vizinhos, talvez, oportunidade do seu primeiro emprego, ou mesmo da varanda da casa de três pavimentos da tia Delane, em Juiz  de Fora, para onde foi deportado para aliviar as despesas da casa do Sêo Zé Braga, onde morou até ser admitido no internato do Colégio Santo Inácio de Loyola, por honra e graça do frei Tauzin, vagabundo, pedófilo, inescrupuloso que morreu apodrecido numa prisão em Paris, por todos os crimes que cometeu.
A vida não perdoa!
Voltando à vista da casa do Zuza, como disse, das melhores de Belo Horizonte, de onde ele vê e sonha com a  Serra do Curral. Que ironia, a Serra do Curral D’el Rey que, hoje, abriga uma metrópole de milhões de habitantes, sem cor nem destino, num vai-e-vem descontrolado, prá tudo e prá nada. E a vista da Serra do Curral, também, propicia visões formidáveis e imprevistas.
Distraído pelo vinho, na varanda, o Zuza seguia o vôo de um pardal que voava da mata em frente e, sobre a Avenida Raja Gabaglia quando, subitamente, mergulhou como se tivesse sido atingido por uma bala mortífera de um caçador escondido.
Ele correu pela varanda, pegou o elevador e desceu pra ver o que tinha acontecido com o bichinho. No passeio, pegou o pardal e constatou: ele está morto. O coração matou o inocente pássaro. Infarto fulminante do miocárdio. Que pena!
Triste, o Zuza voltou para o seu posto de observação e concluiu como bom piloto:
O pardal foi abatido em pleno vôo. Como tantos!
Roberto H. Brandão – dezembro/2010

A CORNETA

Hoje, sábado, acordei invocado. Resolvi comprar uma corneta, daquelas que eu tocava na fanfarra do Ginásio Castro Alves, na década de 1950 em São Paulo. Saí quente!
Logo, me lembrei que havia deixado umas velharias numa loja de objetos que, talvez, tivesse vendido alguma e quem sabe, não teria lá a procurada corneta.
Corri até a loja e tive a grata surpresa de que tinham conseguido vender umas coisinhas e estava com um crédito de R$ 80,00. Bom começo. Fucei a loja toda, tem mais de 2.000 peças e não consegui achar a tal corneta e o dono da loja ainda me pediu que levasse embora uma máquina de escrever antiga que havia deixado prá vender. Alegou que estava mudando para uma loja menor e que tinha muita coisa em consignação que estava devolvendo. Eram os objetos que haviam ultrapassado o prazo razoável de venda que era de um ano. Com razão.
Mas não desanimei, pedi uma referência de onde poderia encontrar a corneta e me indicaram a feira da avenida Bernardo Monteiro, que acontecia justamente aos sábados.
Fica em frente do Colégio Arnaldo.
E lá fui eu, máquina de datilografia no porta malas e muito animado atrás da querida corneta.
A feira é uma festa: flores, comidas, música e objeteiros de todo o pais, vendedores e compradores, com canetas de marca, selos, enfeites tipo candelabros, molduras, jóias finas e artesanais, cinzeiros, copos, taças, vidraria em geral, livros, enciclopédias, coleções famosas, panelas raras e instrumentos musicais. Ahn? É, eles mesmos. Quem sabe não encontro uma corneta velha?
Passei numa tenda e experimentei um bolinho de feijão. Disse o cozinheiro que era receita de Diamantina. Estacionei na banca, pois, o melhor bolinho de feijão que já comi era preparado pelo “meu tipo inesquecível”, Dr. Newton Andrade, justamente de Diamantina. Algumas cervejas e muitos bolinhos no papo que nem se comparam com os dele e continuei minha pesquisa sabática já meio trôpego, como dizia a mamãe.
Achei duas cornetas, bem no estilo que estava procurando, mas, sem o bocal. Na verdade, o bocal é a parte mais importante do instrumento de sopro. Sem ele, não vale nada e o Paulo, da banca, queria me empurrar as duas por R$ 60,00 cada. Nem pensar...
Continuei minha busca e achei a bichinha perfeita, amassada, com bocal, duas voltas no pescoço, um verdadeiro clarim!
Sorrateiro, me aproximei da banca e comecei a mexer em outras peças, louco pra pegar a corneta, pagar e me mandar. Mas, nestes mercados de pulgas, você tem que ser maroto. Finge que não quer nada, oferece alguma coisa, muda de assunto, pega o que quer, mas despreza. Coloca de novo no mesmo lugar e finge que não gostou... Eu já estava ficando treinado só de observar os frequentadores.
Aí, ofereci ao dono da banca a máquina de escrever. “Tá ali no carro”, falei. E ele, “pega lá que eu quero ver”.  Fui meio cambaleante até o automóvel e gritei: “amigo, chega até aqui que ela é muito pesada”. Com toda a má vontade possível ele foi até o carro, acompanhado de uma fila de “sapos” interessados e disparou. “Pra mim não vale nada. Não trabalho com máquinas de datilografia.” Desapontado, fechei o porta malas e voltei para admirar o meu achado. Não resisti e perguntei: “Quanto é a corneta?” Ele delicado e pronto pra vender. Isto não é corneta não doutor. É um clarim. E está perfeito, com bocal e tudo.”   Eu já sabia e estava pronto pra negociar. “E quanto é o clarim amassado?” “Cento e vinte reais, nem mais nem menos, doutor”. Doidão, perguntei: “O senhor aceita um cheque?” Ok, pode dar”, sem muita convicção.
Nesse momento, aproximou-se de nós um senhor, de bermudas, camiseta de malha, típico comprador de brexó que disse: Eu vi sua máquina e gostei muito, Sou colecionador. O senhor pode mostrá-la novamente?”- “Claro”, respondi, com medo de sair dali e aparecer alguém e levar a corneta. Caminhei até o carro com o digníssimo senhor que não vacilou: “Qual o menor preço que o senhor faz nela”. Eu, péssimo negociante falei: “Estava pensando em pedir 150, mas, se o senhor der cento e vinte eu vendo”. “Tá fechado, falou, posso lhe dar um cheque? Eu trabalho no Tribunal de Justiça, aqui perto e fiquei muito interessado na máquina de escrever. Aliás, se o senhor for levar a corneta, dou meu cheque para o Toninho que me conhece muito e fica tudo certo.”  Sabia, ele era um rato de feiras de antiguidades.
“Fechadíssimo, senhor.” Entreguei a máquina e peguei a desejada corneta, no molde que queria pra pendurar em cima da vitrola imitando o Ronald Andrade, e saí conversando com o comprador da máquina que me perguntou o que eu fazia, disse-lhe que era escritor, publicitário, professor aposentado, bacharel, violonista e músico interrompido, compositor, vendedor de vinhos, bebedor de cervejas, cozinheiro de fim de semana, apreciador de carros antigos y otras cositas más, passando-lhe meu cartão de visitas. Ele agradeceu e foi embora.
Uma semana depois recebo uma correspondência com envelope timbrado do Tribunal de Justiça e, dentro, um livro e um bilhete do Desembargador Roney Oliveira mandando-me um livro Capistrana da Vida, de seu amigo, Procurador Dirceu de Vasconcelos Horta, sobre sua passagem por Diamantina e arredores. Uma preciosidade.
Um viva à corneta e a Diamantina.

Roberto H. Brandão
Belo Horizonte, março de 2010.

O POTE DE OURO

Estava distraído aqui na Toca, ouvindo música e escrevendo, quando escutei uma falação, uma conversaria danada que parecia vir da rua. Chequei até a varanda e vi uma verdadeira multidão na porta do meu prédio, apontando e olhando para cima. Acompanhei os dedos e braços apontados e, como eles, também fiquei encantado. No alto do belo prédio, meu vizinho, que dá frente para a Rua Bernardo Guimarães, estava pousado um enorme arco-íris. Daqueles belos, que iluminam o fim de tarde da nossa não menos bela Horizonte.
Quando todos nós observávamos a fantástica aparição, surge um avião por detrás do prédio e atravessa o arco-íris em toda a sua extensão. Parecia que o piloto, também encantado, queria voar até o fim do arco-íris para descobrir seu segredo. Há uma lenda que fala sobre alguma coisa escondida atrás do arco-íris, um pote de ouro, quem sabe?
Muitos incorrigíveis românticos já andaram na busca que esta lenda excita, porém, nunca ninguém deu notícia de nada. Voltam sempre de mãos e ideias abanando. Nada além do arco-íris...
Já eu, que acredito piamente nesta história, vou continuar buscando o tal pote de ouro.
Lembro-me que estava na Jamaica, em Ocho Rios, numa região interessante, onde o rio encontra o mar numa forte correnteza, sobre a qual os inocentes turistas são induzidos a escalar, subindo pelas pedras, no sentido contrário ao seu curso. Uma loucura!
Fiquei observando os intrépidos aventureiros, meus colegas do grupo Fellows II, sentado numa ponte e rodeado por mais de uma dúzia de latinhas de cervejas jamaicanas, que são bem razoáveis. Daquele ponto, avistei um arco-íris formado no mar e que entrava terra adentro, numa mata fechada, que abrigava esta embocadura do rio com o mar. Eu estava, exatamente, neste ponto de encontro do arco-íris com a mata.
Pensei rápido: é hoje, estou pertinho do pote de ouro. Comecei a buscá-lo, com tanta crendice, que passei a enxergar coisas brilhantes em cada toca ou buraco que mexia ou enfiava o pé. Parecia um caçador da arca perdida! E, quanto mais cerveja, mais as visões de multiplicavam, claro, não pelo efeito do álcool, mas, pelo fascínio de estar tão perto da lenda. Sou muito curioso com essas crenças populares e esta do pote de ouro no fim arco-íris é universal e me fascina! Por todos os lugares por onde andei, os aborígenes comentavam sobre ela e sempre com o comentário decepcionante de que nunca tinham encontrado nada.
Ali, achei que era a minha vez. Continuei enfiando a cara mata adentro, quando surgiu uma borboleta amarela. Sempre elas a me acompanharem. Fui atrás por uns bons metros, escorregando mata afora, meio conduzido pela minha guia e pela minha imaginação, até que cheguei à praia. E o arco-íris entrava pelo mar e sumia no horizonte até onde a vista não alcançava.
Pensei: esta busca termina aqui. Não vou me enfiar no mar, primeiro porque nado muito mal e, segundo,porque não vou conseguir levar as cervejas comigo. E sem cervejas não ando nem muito menos nado. Ciao, pote de ouro.
Voltei da Jamaica na mesma condição em que cheguei: pobre, porém, muito feliz...
Roberto H. Brandão – 09/12/2010